Política

'Bom Parto e Flexais também estão afundando'

Estudo independente de cinco cientistas apresentado em audiência pública aponta para necessidade de atualização do mapa de risco

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 09/08/2025 08h35 - Atualizado em 09/08/2025 14h09
'Bom Parto e Flexais também estão afundando'
Relatório apresentado na sexta-feira sobre fenômenos geológicos gera expectativas nos moradores dos bairros atingidos pela mineração - Foto: Zoroastro Neto / Cortesia

O afundamento do solo começou a dar sinais, de que iria comprometer a vida urbana de pelo menos cinco bairros de Maceió, muito antes dos tremores de terra de 2018, quando a tragédia veio à tona e foi associada à mineração predatória de sal-gema, praticada pela Braskem. No entanto, só no ano seguinte, em 2019, as rachaduras nas residências e as fissuras nas ruas desses bairros, seriam atribuídas à mineração, pelos técnicos do Serviço Geológico do Brasil (SGB).

A informação foi divulgada na sexta-feira pelo professor de geologia da Universidade Federal do Espírito Santo, Marcos Eduardo Hartwig, durante a apresentação do relatório independente sobre o processo de subsidência do solo em Maceió.

Segundo ele, desde 2004 (no mínimo) que o afundamento do solo começou a provocar rachaduras nos imóveis e nas ruas dos bairros que afundam em Maceió.

O professor disse ainda que a subsidência do solo comprometeu também os imóveis dos Bom Parto e da região dos Flexais. Por isso, os moradores dessas localidades também têm direito à indenização por danos morais e materiais, a exemplo das demais vítimas influídas no Programa de Compensação Financeira (PCF), da Braskem.

O relatório técnico-científico sobre o fenômeno de subsidência foi apresentado à sociedade alagoana na sexta-feira (8/8), em audiência pública realizada no auditório do Cesmac, no bairro do Farol. O documento, elaborado de forma independente por dois cientistas brasileiros e três estrangeiros, sugere a atualização do mapa de risco, por parte do Comitê de Acompanhamento Técnico (CAT), coordenado pela Defesa Civil de Maceió e com a participação de representantes da própria Braskem.

O estudo que resultou no relatório foi iniciado em fevereiro deste ano, após articulação do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria, tendo à frente o defensor público estadual Ricardo Melro, que requisitou dados oficiais da Defesa Civil de Maceió para embasar a análise. Os cientistas afirmam que o relatório segue padrões internacionais de rigor científico e independência metodológica.

REVISÃO DO MAPA

“A gente faz essa sugestão de revisão desse mapa. Ele, como qualquer produto, tem suas limitações. A gente procurou apontar essas limitações e essa é uma recomendação que a gente faz, sim. Um estudo bem embasado que mostra que os números, às vezes, não condizem com a realidade, porque altera muito essas faixas. É um problema complexo, são vários fatores que se combinam”, disse o professor Marcos Hartwig.

Segundo ele, mesmo que alguns dados apresentem um cenário de estabilização na movimentação da terra, eles não refletem a realidade. O relatório é assinado também pela professora Magdalena Vassileva (PhD), pelo professor Fábio Furlan Gama (Doutor em Ciência), e pelos cientistas Djamil Al-Halbouni (PhD) e Mahdi Motagh (PhD).

De acordo com os cientistas, os estudos mostraram que a movimentação do solo acontecia desde o início do ano 2000, mas como não foram registrados, ficou difícil produzir dados comparativos, que pudesses dimensionar a evolução do fenômeno.

“Utilizamos dados de junho 2019 até dezembro de 2024. Os números, se analisados em média, mostram que a movimentação não é grande. Mas se analisarmos as situações isoladas, vemos que a realidade é diferente”, destacou Hartwig.

Documento será entregue à Prefeitura para atualização do mapa de risco

Para o defensor público, Ricardo Melro, a apresentação do documento foi de grande importância, já que as comunidades atingidas pela mineração perderam a confiança nas instituições de defesa locais.

“Se o relatório independente disser que está tudo ok, vamos ter que aceitar. Mas, se apontar correções de rumo, as vítimas saberão que é hora de cobrar, seja da Prefeitura, da Defesa Civil Municipal ou na Justiça”, pontuou Melro, acrescentando que vai entregar o relatório dos notáveis à Prefeitura de Maceió, para a atualização do mapa de risco, mas se houver indiferença, o documento será apresentado à Justiça.

Em nota, a Braskem disse que desde 2019 atua em Maceió com foco em segurança das pessoas e no desenvolvimento de medidas para reparar ou compensar os efeitos da subsidência. Veja integra da nota abaixo.

Nota Braskem

A Braskem esclarece que desde 2019 atua em Maceió com foco na segurança das pessoas e no desenvolvimento de medidas para mitigar, reparar ou compensar os efeitos da subsidência do solo nos bairros de Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol. O trabalho desenvolvido dentro e fora do mapa definido pela Defesa Civil Municipal – órgão público que detém a competência para a definição de áreas de risco e de monitoramento - é baseado em critérios e estudos técnicos e amparado por acordos firmados com as autoridades e homologados pelo Judiciário. Tanto a área definida pela DCM como seu entorno são constantemente monitorados por uma rede de equipamentos robusta, capaz de detectar movimentos milimétricos do solo. Além disso, o Comitê de Acompanhamento Técnico (CAT) faz vistorias regulares no entorno da área e, até o momento, não houve indicação de adoção de um novo mapa.

A Defesa Civil de Alagoas disse que não teve acesso ao documento até o momento. A Defesa Civil Municipal também não se manifestou sobre a apresentação do estudo independente.

A audiência pública contou com a participação dos movimentos em defesa das vítimas da Braskem e de estudiosos no assunto, a exemplo do professor Abel Galindo, professor aposentado do curso de Engenharia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), da bióloga Neirevane Nunes (MAM), do coordenador do Movimento Unificado das Vítimas das Braskem (MUVB), Cássio Araújo, e do empresário Alexandre Sampaio, presidente da Associação dos Empreendedores Vítimas da Mineração em Maceió.

Participaram também políticos e lideranças comunitárias, entre eles o deputado estadual Cabo Bebeto, a vereadora Teca Nelma e o vendedor ambulante Valdemir Alves, morador dos Flexais e integrante do MUVB.

As lideranças comunitárias levantaram faixas e cartazes, no final da audiência, em protesto contra a exoneração do defensor público Ricardo Melro e sua equipe do núcleo da defensoria que estava à frente da investigação do caso Braskem. “Assisti à apresentação on-line, pois estou fora do estado participando de um evento de trabalho. Na minha avaliação, a apresentação foi bombástica e extremamente reveladora! Saber que foi utilizada uma metodologia própria, sem base científica, para a delimitação das áreas de ‘criticidades’, evidencia a urgente necessidade de novos estudos independentes, conduzidos com seriedade e com a participação efetiva das vítimas”, finalizou Maurício Sarmento, integrante do MUVB.