Saúde

Novo tratamento para câncer de pâncreas começa a ser testado em humanos

Pesquisadores da Universidade de Utah combinaram dois medicamentos que tiveram efeito promissor contra a doença em testes de laboratório

Por Texto: Lara Pinheiro com G1 05/03/2019 17h51
Novo tratamento para câncer de pâncreas começa a ser testado em humanos
Reprodução - Foto: Assessoria
Cientistas da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, descobriram uma nova estratégia para tratar o câncer de pâncreas que já está sendo testada em humanos. O estudo sobre o tratamento, que é uma combinação de duas drogas ingeridas por via oral, foi publicado nesta segunda (4) na revista ‘Nature Medicine’. As medicações agem de duas formas: Elas impedem a ação anormal de um gene, o Kras, que ocorre em tumores no pâncreas. Os cientistas já sabiam que, quando ele tem uma mutação, acaba promovendo o crescimento e a divisão das células de forma anormal. Assim, o tumor cresce; Os remédios atrapalham o processo de autofagia das células do tumor. A autofagia é um mecanismo no qual a célula “come” a si mesma para obter energia. Os cientistas já sabiam que esses fatores ajudavam o tumor a crescer. Por isso, ambos os tipos de medicamento já haviam sido usados, individualmente, para combater o câncer de pâncreas, mas sem resultado. A novidade é que os pesquisadores perceberam que, quando combinados, eles têm efeito para combater o tumor. “Nós conseguimos observar que a combinação dessas duas drogas — que, quando usadas individualmente, não têm muito impacto na doença — parece ter um impacto muito potente no crescimento do tumor. Nós observamos isso em culturas de células no laboratório, em modelos com ratos e, agora, em um paciente com câncer de pâncreas — em menos de dois anos. É uma linha do tempo raramente vista na medicina”, afirmou o pesquisador Martin McMahon, um dos autores do estudo. O primeiro paciente que testou os medicamentos acabou não resistindo à doença, mas respondeu bem ao tratamento, segundo outro cientista que participou da pesquisa. “O paciente tinha feito cirurgia e várias doses de quimioterapia antes dessa combinação. Apesar de ter falecido, respondeu de forma notável a essas drogas por vários meses”, explicou Conan Kinsey. Ele disse, ainda, que os resultados da combinação precisam ser avaliados em estudos clínicos (em humanos) para descobrir se é possível conseguir bons resultados em outras pessoas. Os testes desse tipo já estão sendo conduzidos na Universidade do Texas e têm previsão de acontecer na Universidade da Califórnia em San Francisco e na Universidade de Columbia, em Nova York. Alta mortalidade O câncer de pâncreas é uma das formas mais letais da doença. Apenas 20 a cada 100 (ou 1 a cada 5) pacientes com o tumor continuam vivos um ano depois do diagnóstico. Cinco anos depois da detecção da doença, esse número cai para 7 a cada 100, segundo a Sociedade Americana do Câncer. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), essa alta taxa de mortalidade acontece por conta do diagnóstico tardio. Para Axel Behrens, que estuda a relação entre câncer e células-tronco no Instituto Francis Crick, em Londres, esse atraso na detecção se dá por alguns fatores, como a facilidade de metástase da doença, a ausência de sintomas iniciais e a falta de marcadores no sangue — como há no câncer de próstata, por exemplo. "O problema é que, muito frequentemente, no momento do diagnóstico o paciente apresenta metástase. O pâncreas é um órgão muito vascularizado, então é muito fácil para o câncer ir para o fígado, porque existem muitos dutos que levam até lá — e aí há metástase. Além disso, o câncer é, por um longo tempo, assintomático: a pessoa tem o tumor, mas se sente bem. Só quando ele fica muito grande a pessoa começa a se sentir mal e sentir dor. E não existe um marcador diagnóstico que pode ser usado para detectar uma doença assintomática", explica Behrens, que não participou do estudo. O Inca também não recomenda o rastreamento rotineiro da doença, por não haver evidência de que ele traz benefícios, mas recomenda investigar sintomas como pele amarela (icterícia), urina escura, cansaço, perda de apetite e peso e dor em abdômen superior e costas. Reforço A pesquisa na Universidade de Utah foi reforçada por um outro estudo, separado, também publicado nesta segunda (4) na mesma revista. Cientistas da Universidade da Carolina do Norte chegaram a conclusões semelhantes sobre o papel do gene Kras e da autofagia no crescimento do adenocarcinoma, tipo mais comum do câncer do pâncreas. Primeiro, descobriram que bloquear a ação anormal do gene aumentava a dependência da célula na autofagia — ou seja, com o Kras bloqueado, ela passava a “comer a si mesma” mais do que o normal. Depois, eles bloquearam a própria autofagia. “A autofagia é um processo no qual células do câncer reciclam materiais, em vez de se livrar deles. O que nós descobrimos foi que, se você bloquear o caminho mais importante para a energia — a glicólise — a célula cancerígena começa a sofrer e começa a autofagia. Assim, o câncer se torna mais dependente da autofagia e mais sensível ao inibidor dela”, explicou Channing Der, um dos autores do estudo. Os testes foram realizados tanto em células de camundongo quanto humanas, e devem começar a ser feitos em humanos, combinando dois medicamentos, na Universidade do Texas. Marcadores genéticos Um terceiro estudo, não relacionado e também publicado nesta segunda (4) em outra revista, por cientistas da Universidade de Pittsburgh, mostrou que, em 17% dos casos da doença, há um marcador genético que indica se o tumor pode ser tratado com quimioterapia que já existe. Os pesquisadores caracterizaram o código genético de 3.594 amostras de tumor no órgão vindas de pacientes ao redor do mundo. Eles descobriram que há genes que predispõem uma família inteira a desenvolver a doença, como no caso do câncer de ovário. Determinar o perfil de cada tumor pode ajudar a escolher a melhor forma de tratamento para cada caso. “As pessoas têm buscado esses marcadores por um longo tempo, e o nosso estudo mostra que é possível dividir os pacientes com câncer de pâncreas em categorias de tratamento diferentes”, explicou um dos autores da pesquisa, Nathan Bahary.