Economia

“É preciso mudar a política econômica”

Atuais medidas econômicas tomadas pelo governo Bolsonaro dão poucos sinais de recuperação em uma área fundamental para o país

Por Tribuna Independente 04/01/2020 11h22
“É preciso mudar a política econômica”
Reprodução - Foto: Assessoria
Eleito com a promessa de dinamizar a economia brasileira e fazer as riquezas do país aumentarem, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não conseguiu chegar perto disso em seu primeiro ano de mandato, segundo avaliação do economista Cid Olival. À Tribuna, ele mostra como as políticas adotadas por Brasília não estimulam a recuperação econômica do Brasil. “As políticas de corte do governo, de redução de crédito para determinados setores, de diminuição de transferências, de perda de ganho real do salário mínio, de reformas que atacam a classe trabalhadora, associadas às elevadas taxas de desemprego, produzem este resultado de baixo crescimento”. Tribuna Independente – Segundo o Ipea, o Brasil teve uma aceleração da economia no terceiro trimestre deste ano impulsionada pelo consumo das famílias, além de aumento de investimento. O Ipea também aponta certo recuo da indústria em novembro. Mesmo assim, a aposta é para PIB de 1,1% em 2019. Dava para ter um desempenho melhor, o que faltou para isso? Cid Olival – O crescimento da economia brasileira está muito aquém do seu potencial. Deveríamos estar vivenciando taxas superiores a 3% ou 4%, em virtude de quase meia década de baixo crescimento do PIB. Lembremos que em 2014 o PIB ficou praticamente estagnado, em 2015 e 2016 tivemos resultados negativos e em 2017 e 2018, um crescimento pífio de 1%. Depois de tanto tempo de taxas tão baixas já era para a economia ter mostrado sinais de recuperação. E por que isto ainda não ocorreu? Por conta das medidas de política econômica adotadas desde então. Não teremos recuperação vigorosa da economia com as políticas praticadas atualmente, sobretudo na área fiscal, com a diminuição, cada vez maior, da participação do Estado. O governo tem um entendimento equivocado de que se deve cortar gastos e investimentos para diminuir o déficit fiscal e voltarmos a crescer. Além de ser um grande erro, pois o Estado deixa de fazer política anticíclica, o não estímulo à atividade econômica reduz a arrecadação e agrava ainda mais a situação fiscal, requerendo novos cortes e entrando num círculo vicioso de baixo crescimento. Observe que estamos vivenciando um momento muito peculiar, em que a taxa básica de juros está num dos patamares mais baixos da história, o que deveria impulsionar o consumo e o investimento. No entanto, as políticas de corte do governo, de redução de crédito para determinados setores, de diminuição de transferências, de perda de ganho real do salário mínimo, de reformas que atacam a classe trabalhadora, associadas às elevadas taxas de desemprego, produzem este resultado de baixo crescimento que estamos vivenciando. Tribuna Independente – Até que ponto a política de diminuição do Estado, promovida pelo Governo Federal, influencia na realidade econômica do país? Cid Olival – O Estado é o principal agente econômico de um país. Dentre outras coisas, é ele quem coordena as políticas macroeconômicas – fiscal, monetária e cambial –, induz o investimento setorial e regional, estimula os segmentos produtivos e a demanda, contribui para a melhoria do emprego e da renda e implementa políticas anticíclicas nos momentos de declínio da economia. Não bastasse estas ações diretas na realidade econômica, ele também é o responsável pela redução das desigualdades sociais e regionais. Diminuir a sua participação é um erro gravíssimo! Sobretudo quando pensamos a realidade brasileira, com grandes disparidades de renda e de desenvolvimento entre as localidades. Não será o mercado, que tem como premissa maior a obtenção de lucros, a despeito das necessidades da população, que promoverá desenvolvimento econômico do país. O mercado atua de forma pró-cíclica, isto é, em momento de crescimento da economia ele expande suas atividades, mas em situações de declínio, ele se retrai. Se não tivermos um Estado forte, atuante, a recuperação econômica demorará muito a acontecer. É isto que estamos vivenciando nos últimos anos no Brasil, sobretudo a partir de 2016, com a aprovação da PEC do teto dos gastos (PEC 55/2016), que restringiu a ação do Estado na economia. Tribuna Independente – Dados recentes da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontam aumento na desigualdade no país, com destaque para as regiões Nordeste e Norte, tendo por base a renda de trabalhadores entre 15 e 59 anos de idade. Isso já é reflexo de políticas liberalizantes promovidas pelo Governo Federal, desde Michel Temer (MDB)? Cid Olival – Não tenha dúvidas de que o aumento da desigualdade é resultado de políticas liberalizantes e de um conjunto de reformas propostas e implementadas desde o governo Temer. Algumas delas apresentaram impacto imediato, como a PEC 55/2016, que reduziu o gasto do setor público por 20 anos, atingindo diretamente a saúde e a educação; a reforma trabalhista, que precarizou as condições do trabalho, estimulou a demissão de trabalhadores para que as empresas procedessem à contratação de trabalhadores intermitentes, não estimulou, tampouco induzirá a maiores e melhores empregos; os cortes de recursos de alguns programas sociais, como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, e a política de não aumento real do salário mínimo. Essas medidas têm em comum, além do agravamento dos índices de desemprego, um dos principais responsáveis pela desigualdade de renda, o fato de atingirem principalmente as classes menos favorecidas. A reforma trabalhista, por exemplo, foi bastante comemorada pelos setores empresariais, pois foram desobrigados de uma série de medidas protetivas ao trabalhador. A PEC 55/2016 engessou o Estado nas suas funções essenciais de promoção dos serviços à população. Vale lembrar que uma das maiores falácias dos governos liberais, como o governo Bolsonaro, é a afirmativa de que as políticas de ajuste implementadas visam a aumentar os recursos para setores como saúde e educação. Isto é uma grande mentira! O que temos visto é o desmonte da saúde e educação públicas no Brasil, com corte de recursos para universidades e institutos federais. Programas que visavam a manutenção de estudantes nas universidades têm sido extintos, obrigando os jovens a buscarem alguma fonte de renda, inserindo-se em subempregos ou na informalidade e, portanto, não dando continuidade aos seus estudos, perpetuando a lógica da pobreza e da desigualdade. Não menos perverso são os cortes nos programas sociais, pois atingem uma população que vive no limite da linha da pobreza ou da pobreza extrema, que precisa desta renda para comer. Por fim, a política de não valorização do salário mínimo também só é positiva para as classes patronais, pois reduzem o poder de compra dos trabalhadores, obrigando-os a reduzir o seu consumo de bens e serviços.