Política

Em WhatsApp de diplomatas, chanceler é chamado de 'pastor tarja preta'

Futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo é alvo de severas críticas em mensagem que 'circula febrilmente entre membros do Itamaraty'

Por Vinícius Segalla com Carta Capital 29/11/2018 10h36
Em WhatsApp de diplomatas, chanceler é chamado de 'pastor tarja preta'
Reprodução - Foto: Assessoria
Circula em grupos de WhatsApp de funcionários de carreira do Ministério das Relações Exteriores uma carta aberta e apócrifa ao futuro chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, contendo veementes críticas aos posicionamentos que tem manifestado o ministro indicado em entrevistas e em seu blog pessoal. A carta foi enviada à reportagem da CartaCapital por um servidor do Itamaraty (leia a íntegra abaixo). Outros três diplomatas do órgão confirmaram que o texto está circulando nos grupos de celulares dos servidores do ministério e que ninguém duvida se tratar de uma carta escrita por um diplomata brasileiro. Temendo represálias, todos os funcionários ouvidos só concordaram em dar declarações sob a condição do anonimato. A mensagem apócrifa traz respostas a críticas que o futuro chanceler tem feito a seus colegas de Itamaraty, como as de que boa parte dos diplomatas "são pretensiosos e precisam ser reeducados" e que será preciso "libertar o Itamaraty do marxismo cultural". Também é intenção do autor responder a um artigo publicado pelo escolhido de Bolsonaro em um jornal local do Paraná, que pode ser lido aqui. O texto critica a classe diplomática, o Itamaraty e até as Nações Unidas: "No idioma da ONU, é impossível traduzir palavras como amor, fé e patriotismo". Então, segundo consta na carta apócrifa, Araújo resume sua atuação a "aparições em blogs e artigos e a tentar desconstruir e desmantelar uma instituição, seus integrantes e sua qualificada atuação internacional. Todos somos marxistas e precisamos ser reeducados. Apenas ele é dono da verdade e ainda usa a expressão 'diplomatas pretensiosos' para tentar desqualificar os demais". De acordo com os diplomatas ouvidos pela reportagem, a reação à mensagem tem sido variada entre os servidores do órgão. "O texto está circulando febrilmente nos grupos de WhatsApp do Itamaraty. Há os que reagem dizendo que se trata de uma resposta necessária aos excessos do futuro chanceler. Outros tentam especular sobre a autoria da carta. Muitos pensam se tratar de um funcionário experiente, com muito tempo de casa, a julgar pelas referências a diplomatas históricos constantes na mensagem", relatou uma fonte. Já na opinião de um segundo funcionário que comentou o assunto, a carta serviria como uma espécie de Cavalo de Troia, para justificar uma possível caça às bruxas a ser posta em prática por Ernesto Araújo. Leia abaixo a íntegra da carta.   Pastor das Relações Exteriores ou será um mero surto psicótico ? O jovem Embaixador alçado à função de Chefia de uma Casa que conta com uma das burocracias mais preparadas do País e cuja capacidade é reconhecida mundialmente volta a apresentar um texto em que ataca mais uma vez o pessoal do mal, aqueles do marxismo cultural, ou seja todos os demais diplomatas, segundo ele. Prega como um pastor: Eu me salvei e dou a vocês a chance de se salvar, se me seguirem. Doutra forma, o fogo do inferno te consumirá (esteja certo de que farei por onde, falta concluir ou não..). Bem, sou diplomata e me orgulho de sê-lo. Não quero enfrentar esse Senhor, pois ele dispõe dos meios para literalmente infernizar minha vida. Por isso, por proteção especialmente àqueles que dependem de mim, não me identificarei. Entenda se puder essa circunstância e leia mais um pouco antes de abandonar este texto por me ter como covarde. O futuro Pastor das Relações Exteriores não anunciou qualquer política externa que contenha estratégias, instrumentos e objetivos. Resume suas aparições em blogs e artigos a tentar desconstruir e desmantelar uma instituição, seus integrantes e sua qualificada atuação internacional. Todos somos marxistas e precisamos ser reeducados. Apenas ele é dono da verdade e ainda usa a expressão “diplomatas pretensiosos” para tentar desqualificar os demais. Mas a sua pretensão, senhor Pastor, ... bem, vamos deixar isso de lado..... E voltemos ao texto. Nunca soube que um Chanceler tivesse saído pelo mundo pedindo desculpas pelo Presidente que o povo brasileiro elegeu ou que apenas estava ali por força militar ou parlamentar. Nem os reconhecidos Azeredo da Silveira e Guerreiro se desculparam da ditadura em que vivíamos. Então, Pastor, pare de escrever bobagem. Sabemos todos que ao Pastor das Relações Exteriores como a todos os que foram Ministro das Relações Exteriores (e das outras pastas) cabe assessorar o Presidente e, sim, obedecer suas orientações, mas também informar, ponderar e debater. Todos os que sentaram à cadeira de Rio Branco não a ocuparam para “não deixar nada acontecer”. Cuidado para não cair nessa armadilha, especialmente ao se negar ao ouvir e a ver o que se passa no mundo, mesmo que sejam questões divergentes apresentadas por esses comunistas como o Financial Times (que deve ser leitura diária do seu futuro rival Paulo Guedes) e o The Economist (duas bíblias do capitalismo mundial) ou Figaro. Citar The Guardian, Le Monde e New York Times no seu artigo parece querer apagar da história. Os dois veículos que citei acima também são críticos ao Presidente eleito. Mas, prepare-se Pastor, que seus opositores estarão mais perto de Paulo Guedes (ou talvez seja mesmo o próprio Posto Ipiranga que venha a sê-lo) do que dos teclados dos jornalistas ou de seus colegas (ou passaram a ser ex?). Ouvir seus colegas parece descartado, já que, como diria seu outro guru, o Itamaraty é mais a representação da ONU no Brasil do que o Brasil na ONU. Aliás, esclareço que a política externa brasileira sempre se adaptou aos Presidentes (não é isso que o Senhor apregoa sobre o ocorrido durante os mandatos do Presidente Lula) e, ao fazê-lo, sempre mudou, sempre evoluiu. Não há registro de um governo brasileiro que, durante um ou dois mandatos, tenha conseguido se indispor com todos os países árabes de uma vez, todos os países da Europa (região é um “espaço culturalmente vazio” – frase de vossa autoria), Noruega, Argentina, MERCOSUL e China, nosso maior parceiro comercial. Esse governo que integrará obteve a façanha de fazer isso antes mesmo de começar. É essa a mudança que o Pastor estará impondo à política externa? É essa a “voz efetiva” que estão impondo à representação do Brasil? Pastor, pastor. O Senhor extrapolou a racionalidade ao falar de povo. Quantos Estados brasileiros o senhor “conhece”? Sabe o nome do palácio de governo da capital do Acre (Rio Branco)? Ou sabe melhor o da casa (dica) de governo ocupada por Trump? Conhece Macapá ou Ottawa ? Washington ou Curitiba? Palmas ou Bruxelas ? Bonn ou Belém ? Berlim ou Aracaju ? Além de Porto Alegre e Brasília, conhece para valer alguma outra capital brasileira ? Como concluir: Qual é o país que representará: o dos livros ou o que conheceu na suas andanças no exterior? Faço a pergunta para tentar entender a sua conexão (também a do Paulo Guedes e do Presidente eleito, por exemplo) com “a moça que espera o ônibus às 4 horas da manhã para ir trabalhar, com medo de ser assaltada , estuprada” (não vale para aquela que lhe presta serviços domésticos em sua residência, por favor) ou “o rapaz triste que vende panos debaixo do sol”. Não vou repetir todo o seu texto. Mas repito a pergunta, o Pastor Ernesto Araújo teve contato com qualquer uma dessas pessoas para poder se arvorar em seu representante escolhido (por Deus, certamente) ou tomou conhecimento de sua existência em algum segmento do Globo Repórter? Quero esclarecer, Senhor Pastor, o funcionário público trabalha para todos os brasileiros, T-O-D-OS, os da Avenida Paulista, de Paraisópolis, de Rio Branco (no Acre, tá?), independentemente de sua condição socioeconômica. Esta é a definição básica de serviço público e é isso que nós diplomatas fazemos pela vertente exterior, identificando os reais interesses nacionais e pensando o Brasil além dos governos. Por isso, nos chamam de funcionários de Estado. Não somos, nem seremos indiferentes aos interesses do nosso povo. Mas, não é a voz do povo que estamos ouvindo até agora. O que estamos ouvindo são bravatas desqualificadas que justificarão a caça às bruxas sob o manto da verdade eterna para “libertar o Itamaraty”. Mas, para tanto, o primeiro passo seria nos livrar de vossas pregações e nos deixar trabalhar pelo bem do Brasil e do nosso povo, sem querer nos impor falsos clichês, como de idiotas (“não tem os elementos de juízo e o conhecimento necessário”), marxistas. Afinal, não sobra ninguém a não ser Vossa Excelência, senhor Grande Pastor. Ansiamos que tivéssemos uma chefia que soubesse ouvir, dialogar, ponderar, dirigir, mas não nos colocar em forma e nos dar ordem unida. Não vou entrar nas questões de que ser contra o marxismo não é uma ideologia, nem de que o marxismo está muito presente no Itamaraty (argumento risível - Casa conservadora por natureza; como deve saber ao se olhar no espelho, marxismo e conservadorismo não combinam), menos ainda de que não há aquecimento global. O novo mote de deixar “o povo brasileiro entrar na política externa” não se aplica ao seu caso, que desconhece o povo, gente das classes baixíssima, baixa e média. Talvez tenha se relacionado com alguns da classe alta e certamente com intelectuais, como o doce e gentil Olavo de Carvalho e com muitos brasilianistas americanos e canadenses. Enquanto o Pastor usa blogs e artigos para criticar o que esta aí, para acabar com isso aí, sem propor uma linha diretriz construtiva, há gente (seu grande apoiador e um de seus gurus) fazendo o trabalho de política externa que faria um Ministro indicado de estatura: visita a Washington. Ou será que serão eles que mandarão na política externa ou será que eles são o povo (sic) entrando na política externa? Pastor, o Senhor se diz contra o cerceamento da liberdade de pensar e falar. Entendo que isso se aplica desde que a liberdade exclua o marxismo. É a nova forma de liberdade controlada? E, por ter escrito este texto na solidão da minha tristeza (como a do rapaz que vende panos) serei perseguido? Enviará seus comparsas da ABIN e das agências militares (ou será da CIA) para identificar quem ousou exercer a liberdade de pensar e falar? Sei que este texto apenas ajudará aos incautos que o apoiam a ter mais certeza de que a sua indicação para o cargo que representa o nosso País no exterior foi a escolha certa. Mas não posso me calar, mesmo que às escondidas, a dizer que sua pregação é exagerada e seu remédio tarja negra precisa ter a dose aumentada. Senhoras e senhores do Júri, “I rest my case”. SE CHEGOU AQUI, OBRIGADO! Concordando ou não, passe adiante nem que seja apenas pela liberdade de expressão, pelo direito ao debate.