Política

Pauta dos sem terra tem sido tocada

César Lira está à frente do Incra e mantém diálogo aberto com os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 03/03/2018 08h09
Pauta dos sem terra tem sido tocada
Reprodução - Foto: Assessoria
Há quase um ano à frente da Superintendência Regional 22 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – a de Alagoas –, César Lira conversou com a Tribuna Independente sobre a quantas anda a atuação do órgão que dirige. Ele assumiu o Incra após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), ao qual os movimentos sociais do campo chamam de golpe, envolto de desconfiança porque a avaliação que se fazia era que a atuação do Instituto iria parar ou se voltar aos donos de terra. Contudo, segundo César Lira, a relação com os movimentos sociais é “aberta”.   Tribuna Independente – Quando ocorreu a saída da Dilma Rousseff (PT) e a entrada de Michel Temer (MDB) na Presidência da República, houve uma série de dúvidas em relação à reforma agrária no país, principalmente por parte dos movimentos sociais que atuam no campo. Como está sua relação com os movimentos sociais, ainda há clima de desconfiança? César Lira – Desde o primeiro momento em que assumimos o Incra, tive o cuidado de debater com todos os movimentos o nosso pensamento sobre a reforma agrária e ouvir suas pautas para ver a possibilidade de a gente avançar com elas. Dentre o que foi colocado, dentro de nossas condições, nós cumprimos. Por exemplo, o Genivaldo Moura, assentamento do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] em Delmiro Gouveia, que já tem 18 anos e não foi demarcado. É como você ter um filho e até os 18 anos não ter certidão de nascimento. Assim fizemos com assentamentos dos demais movimentos. Ou seja, dentro das condições do Incra e da minha forma de trabalhar junto com eles, temos avançado. Em linhas gerais, aquilo que o Incra pode fazer, estamos fazendo. E o que não pode fazer, nós dizemos. Estou sendo muito sincero com os movimentos... Tribuna Independente – Tem sido uma relação aberta? César Lira – Aberta. Franca. Sentamos aqui e discutimos o que é ou não possível de fazer. Tribuna Independente – Em outubro foi noticiado corte de recursos do Governo Federal para essas ações e mudança de foco para a titulação das terras. Como está a situação da infraestrutura nos assentamentos? César Lira – Isso está ocorrendo em todo o Incra e não só em Alagoas. A SR-22, que a nossa aqui, figura no ranking dos estados em 29º. Só à frente do Rio de Janeiro. Hoje, no pagamento de crédito – sem ter assistência técnica, é bom que se ressalte – somos a 10ª das trinta. Em relação ao CCU [Contrato de Concessão de Uso], nós batemos nossa meta com trinta mil deles, publicados e entregues aos assentados. Isso é o mínimo para dar garantia real para eles. A falta de recurso é pública. Agora, a gente não deixou de fazer absolutamente nada. Tanto é, que desde 2011, não se tinha um empenho do Incra em infraestrutura em Alagoas e no ano passado fizemos uma barragem no assentamento Ouricuri. Tribuna Independente – Quantas famílias estão assentadas pelo Incra em Alagoas? César Lira – Quinze mil famílias em 178 assentamentos. Para a gente partir para o título a gente tem dificuldade. Tribuna Independente – E como está a questão da obtenção de terras? César Lira – A gente não avançou com a obtenção de terra. Pelo seguinte: tivemos um bloqueio de 9.600 famílias pelo Tribunal de Contas da União [TCU] por, entre aspas, indícios de irregularidades. Foram encontrados muitos problemas, mas são coisas pontuais, burocráticas. Por exemplo, assentado com CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica] em seu nome. Isso, tecnicamente, seria ‘indícios de riqueza’. E quando vamos ao lote, a gente não vê esse indício de riqueza. Nossa equipe faz um relatório, submete à Superintendência e fazemos o desbloqueio para que esse assentado possa ter direito aos benefícios que o Incra proporciona. Esse não avanço com a obtenção foi estratégico porque quando o assentamento é criado, se tem um teto de assentados de acordo com a capacidade da área. Isso estava dando excedente de lotes, mas quando vamos ao assentamento, isso não existe. O número de famílias bate com o que está registrado como assentadas. A partir daí se questionou: ‘Como vamos avançar com obtenção de terra se temos aqui excedente de lotes?’. Por isso, até resolver a questão do TCU, a obtenção segue parada. Todas as SRs estão tentando cumprir um acórdão do Tribunal para que a gente volte a avançar com a obtenção. Desde que, a gente possa dar resposta sobre o a situação dessas 9.600 famílias, no caso de Alagoas. Tribuna Independente – Pouco se fala, mas o Incra também atua junto aos quilombolas. Como está a situação do órgão junto a essa população? César Lira – Estou otimista. A política quilombola hoje, com o decreto [nº 4.887/2017] do presidente Michel Temer [MDB], vai fazer parte dos benefícios sociais que o Incra oferece. Eles terão direito a crédito e à infraestrutura. Temos 69 comunidades quilombolas reconhecidas em Alagoas. Antes o Incra só fazia a regularização fundiária, a demarcação. Se der tudo certo, agora em abril a gente começa tocar com mais força essa política. Tribuna Independente – O senhor está à frente do Incra em Alagoas há quase um ano, a ser completado em abril. Qual é, em sua avaliação, a maior dificuldade da reforma agrária aqui no estado, já que Alagoas é um local com forte presença do latifúndio até mesmo nas relações políticas? César Lira – Terra em Alagoas é sinônimo de poder. Isso dificulta um pouco o trabalho, mas nada que nos deixe desanimados. A terra que produz deve ser mantida como propriedade a quem ela pertence. É natural. Hoje, o Incra, até para o modalidade de compra e venda não era interessante para quem queria vender porque isso era feito através de Títulos da Dívida Agrária. Hoje não, o Incra compra em dinheiro. Neste ano estamos atualizando a tabela, que está defasada em quatro anos. Também tem os trâmites burocráticos. Temos casos de áreas que são assentamentos há bastante tempo, mas os proprietários ainda não receberam o que lhes é devido. Isso pode gerar constrangimentos para o Incra e aos assentados. Acho que a maior dificuldade é o rito burocrático para a aquisição e pagamento – nos casos de compra e venda – das terras, além do acesso às peças técnicas para que as áreas façam parte da reforma agrária. Também há problemas com cartórios, de falsificação de documentos. Temos um caso aqui que está sob investigação da Polícia Federal.