Interior

Velho Chico tem vazão reduzida para evitar desequilíbrio

Medida preventiva não deve impactar no abastecimento, mas interfere diretamente no período de reprodução de peixes

Por Tribuna Independente 26/02/2021 10h16
Velho Chico tem vazão reduzida para evitar desequilíbrio
Reprodução - Foto: Assessoria

Para evitar uma possível desequilíbrio no curso d’água a Agência Nacional de Águas (ANA) determinou a redução da vazão do Rio São Francisco para índices entre 800 e 900m²/s. Esta não é a primeira vez que reduções drásticas ocorrem. Nos períodos de intensa estiagem como nos anos de 2017 e 2018, por exemplo, a vazão chegou a 550m²/s. Atualmente, a medida foi adotada como prevenção e não deve impactar no abastecimento de cidades alagoanas. O efeito, no entanto, vem sendo sentido em pleno período de reprodução de espécies aquáticas.

Se por um lado a medida preventiva ajuda a manter o equilíbrio da vazão do rio e evitar uma crise, por outro prejudica a vida aquática. É neste período conhecido como piracema que os peixes estão em reprodução. De acordo com o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) Maciel Oliveira a expectativa é de que as chuvas registradas em Minas Gerais possibilitem uma melhora no quadro.

“Nós estamos numa situação muito complicada na bacia do São Francisco, em especial no Baixo São Francisco que compreende Alagoas e Sergipe, especialmente porque tivemos uma vazão muito elevada de quase 3 mil m²/s que foi muito importante para a nossa região, para que os peixes pudessem se reproduzir, as lagoas marginais serem beneficiadas, mas a chuva que era esperada não chegou. Então a Sala de Situação resolveu reduzir a vazão para 800, 900m²/s. Pelo nível de segurança que temos que ter nos reservatórios e já preocupados com o próximo período seco, que é em abril, precisamos ter um equilíbrio para evitar uma crise no uso múltiplos das águas, geração de energia, abastecimento, navegabilidade e para os biotas. É uma medida preventiva, uma resolução da ANA para que seja garantido o uso das águas e não tenhamos aquelas crises que tivemos em anos anteriores de represas chegando ao volume morto. Estamos evitando de forma preventiva que isso venha a acontecer. Se a água começar a chegar nos reservatórios, nesse momento tem chovido bastante em Minas Gerais, estamos monitorando para verificar a possibilidade de aumento da vazão. Isso tudo é ruim porque os pescadores deixam de pescar, estamos na época de reprodução dos peixes, era época de ter água nova, de ter mais água, mas está sendo o contrário, infelizmente”, enfatiza.

Doutor em Ciências Aquáticas e coordenador de Expedições no Rio São Francisco, Emerson Soares afirma que as observações que vêm sendo feitas no curso do Velho Chico apontam para uma situação grave que deve impactar de forma severa nas comunidades que dependem do rio para o sustento, seja para a pesca, seja para a navegabilidade.

“A redução da vazão impacta muito na região. Estamos em campo esses dias, temos a Expedição e monitoramos vários parâmetros. Os danos são terríveis, muitas ilhas, assoreamento. A situação da reprodução, porque estamos no período de reprodução, neste momento é uma situação grave. A gente fez análises e são terríveis os efeitos porque pode levar ao sumiço das espécies, atrapalha a navegabilidade. Aumenta conflitos por conta das ilhas”, diz.

Soares explica que diversos fatores contribuem para o aumento no nível de criticidade. O pesquisador defende a necessidade de proteção do Rio São Francisco e uma maior fiscalização e controle em relação ao consumo da água pelas hidrelétricas.

“O Rio já esteve em situações críticas de estiagem entre 2010 e 2017, até 2018 na verdade, a situação foi grave em termos de contaminantes, período reprodutivo, diminuição de espécies. Primeiro é preciso um sistema de biomonitoramento contínuo, é algo contínuo que tem que ser assumido por órgãos federais, regular a vazão correta, ecológica, que dê para sustentar as espécies, trabalhar a questão da fiscalização, evitar o desmatamento nas margens, trabalhar o reflorestamento. Trabalhar o impacto das águas com diversos órgãos envolvidos para que a gente regule melhor a situação a favor do rio e não do sistema elétrico. Dependemos de uma situação do clima, e isso não depende dos homens. É preciso um sistema melhor de conversação entre as instituições que estão envolvidas e um sistema de regulamento em prol das comunidades ribeirinhas, porque o sistema elétrico vem sendo beneficiado e as comunidades também precisam ter o ressarcimento desses prejuízos”, pontua.

Diminuição não afeta abastecimento de cidades que dependem da água do rio

As águas do Rio São Francisco são responsáveis pelo abastecimento de 40 cidades alagoanas, inclusive municípios que não são banhados pelo curso d’água. Segundo a Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal) diversos investimentos vêm sendo feitos ao longo dos anos para evitar crises no abastecimento da população.

“Para a Casal não muda nada, nem para as cidades abastecidas pela Companhia. O que a Casal precisava fazer de ajustes nas captações foi feito há cerca de 6 anos, 5 anos atrás, quando a vazão estava em 550 metros cúbicos por segundo. Com a vazão atual, de cerca de 900, não prejudica a captação para abastecimento humano. Devido à redução, naquela época, para 550, o principal e mais significativo investimento foi feito pela Casal em Piaçabuçu. Essa redução de vazão atual, deixando a vazão em cerca de 900 metros cúbicos por segundo, não afeta muito as captações da Companhia. A Casal atende a cerca de 40 municípios com água do Rio São Francisco, inclusive todas as cidades do Semiárido são atendidas com água do São Francisco. As modificações e adequações que deviam ser feitas nas captações da Casal no Rio São Francisco foram feitas na época em que a vazão era de 550 metros cúbicos por segundo, entre 2015 e 2018”, explica a Companhia.

Responsável pela captação e tratamento de água que abastece dez cidades do agreste do estado em parceria com a Casal, a Agreste Saneamento informou que o abastecimento nestas cidades segue normalmente. Segundo a empresa, apenas no ano passado investimentos na ordem de R$ 600 mil foram feitos para otimizar a captação.

“Realizamos investimentos de R$ 600 mil com a instalação de um sistema de flutuantes, equipamentos que conseguem otimizar a captação de água e mesmo a baixa de vazão não afeta nosso trabalho. A vazão do Rio é controlada pela Chesf, então o que realizamos é um constante monitoramento em ambas unidades: Traipu e São Brás, para verificar a lâmina d’água, entre outros aspectos. Além disso, realizamos mais de 20 mil análises da água mensalmente para atestar a qualidade da água que chega para os 400 mil alagoanos atendidos pelos serviços de captação e tratamento”, destaca.