Cooperativas

Novo mundo do trabalho pede mais cooperativismo e empreendedorismo

É hora de agir, o solo é fértil, é um momento mágico para as cooperativas de trabalho, afirma o advogado e especialista Waldyr Colloca

Por Easycoop 12/03/2020 17h08
Novo mundo do trabalho pede mais cooperativismo e empreendedorismo
Reprodução - Foto: Assessoria
As reformas econômicas em curso, o advento da terceirização irrestrita nas empresas e o avanço da tecnologia em todos os setores estão transformando o mercado de trabalho, as profissões, e multiplicando as oportunidades de expansão do cooperativismo. É hora de agir, o solo é fértil, é um momento mágico para as cooperativas de trabalho, afirma o advogado e especialista Waldyr Colloca. Em entrevista exclusiva à EasyCoop, ele faz uma profunda radiografia das mudanças em curso e analisa o novo olhar do Ministério Público do Trabalho sobre os desafios legais do setor na oferta de serviços terceirizado. Diante de um Brasil que alimenta desigualdades e concentração de riquezas, o cooperativismo é porta para distribuição mais justa de renda, afirma. Confira. Precisamos hoje de um direito multifacetado EasyCoop – O avanço da digitalização e da automação deixa rastro de desemprego e informalidade. Não é hora de criar condições reais, uma legislação mais específica, para a expansão do cooperativismo, em especial das pequenas cooperativas? Waldyr Colloca – O mundo está em transformação e depois da revolução industrial do século XIX, uma nova revolução começou há algumas décadas, desde o advento da internet. É um mundo alterado nas suas bases, na sua essência, o que levanta um problema sério. Essas mudanças, na velocidade em que acontecem, fazem com que o direito, que sempre fica defasado nessa corrida, fique cada vez mais para trás e cada vez mais incapaz de acompanhar essas transformações em ritmo aceitável. Além de mais veloz, precisamos hoje de um direito multifacetado, porque a nova realidade, apesar da globalização, é muito fragmentada. Temos hoje microuniversos dentro de um grande universo. E talvez seja pretensão demais querer uma legislação e um entendimento que abracem a todos. É uma utopia. Os discursos se pretendem universais, mas hoje está cada vez mais difícil levar a bom termo essa empreitada. Esse desafio ficou visível durante os debates que antecederam a reforma trabalhista de 2017, no governo Temer. No início seria uma minirreforma, depois virou uma grande reforma, o que está se repetindo agora, no governo Bolsonaro. De qual Brasil estamos falando? Há muitos “brasis”. Talvez seja o caso de haver uma legislação do trabalho para cada “brasil”. O mundo é outro e continua se transformando muito. Sou entusiasta e defensor do cooperativismo justamente por isso. O cooperativismo, de alguma maneira, é um modelo que se encaixa muito bem no mundo em transformação. Já a CLT, por mais alterações e aperfeiçoamentos promovidos pelos legisladores, parte de uma premissa que era verdadeira no mundo da década de 1940 – uma relação de emprego fábrica-operário. Hoje, quase não se encaixa mais em lugar algum. Já o cooperativismo é um modelo que pressupõe uma atitude zetética (de constante estado de incerteza e investigação) e que se encaixa no problema colocado. É o contrário do que muitas vezes ocorre quando se tenta transformar a realidade para encaixá-la em um sistema que já está ultrapassado. A tendência ainda é o dogmatismo, quando se deveria buscar novas soluções dialéticas. O cooperativismo carrega potencial para resolver grande parte dos problemas que temos hoje, mesmo com tantas transformações. É preciso atacar o "não emprego" com ideias novas EasyCoop – E como se pode motivar um empregado com direitos precarizados, um desempregado ou um trabalhador informal a abraçar o cooperativismo? Waldyr Colloca – É certo que as pessoas que estão na informalidade estão lutando por sua sobrevivência. De alguma maneira precisam sobreviver. Seobservarmos a informalidade como um todo, além das estatísticas sobre informais à procura de emprego, teremos um universo muito maior dos que desistiram de procurar emprego – os não empregados – e até dos que passam a viver na marginalidade. Os não-empregados são os que buscam alternativasde renda nas ruas, com um carrinho de cachorro-quente ou como camelôs; os que produzem e vendem refeições caseiras, doces e artesanatos; os queoferecem serviços, entre tantas outras iniciativas. Todos estão em busca de sobrevivência neste momento de transformações, em que há grande frustração nas tentativas de se atingir pleno emprego. É uma realidade mundial, um problema crônico que transcende políticas adotadas por governos A ou B. Então, é preciso pensar nessa questão a partir de ideias novas. E o cooperativismo é uma ideia interessante, uma opção para os que estão lutando sozinhos. O modelo carrega o espírito de solução através do coletivo. Tudo fica mais fácil a partir de ideias de sinergia, de esforço comum. Qualquer problema pode ser encarado mais facilmente pela soma de esforços. Cooperativismo deve ir para o centro do debate EasyCoop – Como, na prática, as cooperativas de trabalho, de tecnologia e outros ramos podem se desenvolver neste ambiente de crescente informalidade? Waldyr Colloca – Este é o momento certo de refletirmos sobre o tema e de colocá-lo em debate. Há hoje, no Brasil, um contingente enorme de pessoas sem trabalho, sem renda e sem especialização. São pessoas que, em comum, pelo menos num primeiro momento, só possuem a necessidade de sobreviver, seu tempo livre e sua força de trabalho. Se bem que uma força de trabalho tristemente comparável a de um animal de carga, porque não carrega consigo especialização para nada do que exige o mundo contemporâneo. De qualquer maneira, o tempo, a necessidade e a disposição para o trabalho, por si só, já são mais do que suficientes para constituir o primeiro elo em torno de um projeto cooperativista. É precisamente por isso que defendo o cooperativismo, mesmo na sua forma mais rudimentar. Penso que o cooperativismo deveria ser sempre pensado a partir de uma perspectiva darwinista, ou seja, da sua forma mais primitiva para a mais evoluída. Qual é a primeira necessidade que as pessoas têm? Sobreviver, não é? E qual a melhor chance que elas têm de consegui-lo de uma forma digna? Sozinhas ou se juntando? Agora, se as pessoas já têm alguma expertise que as identifique profissionalmente, como, por exemplo, na área de TI ou da saúde, aí tudo fica mais fácil: a cooperativa já vem pronta e legalizada. Pois esta é a chave para a criação de qualquer cooperativa de trabalho no Brasil: a descoberta de um saber-fazer que seja comum a todos os componentes do grupo. Pode até parecer difícil, mas não é, uma vez que, dentro dos limites da lei, não há camisa de força para o cooperativismo. Na verdade, ele vai até onde a criatividade humana possa chegar. É um erro conceitual afirmar que as cooperativas servem para isto ou aquilo, devem ter este ou aquele objeto, ou atuar neste ou naquele segmento. O modelo está aí para que se possa fazer o que quiser a partir de uma ideia coletivista. Mas, as autoridades muitas vezes cobram das cooperativas que elas já surjam logo de cara evoluídas. Mas nem todas podem se dar a esse luxo. Imaginemos, só para fins didáticos, um médico que, sozinho, não disponha, por exemplo, dos equipamentos básicos – como estetoscópio e o termômetro – sequer para fazer uma consulta. Se esse mesmo médico encontrar outros 6 na mesma condição, poderão adquirir e revezar os instrumentos para consultar seus primeiros pacientes. E ao começar a gerar renda poderão destinar uma pequena parcela para adquirir outros equipamentos de interesse comum. Em algummomento, conseguirão montar seu próprio consultório, ter sua própria secretária etc., até o ponto em que poderão comprar ambulâncias, montar seupróprio hospital e toda a infraestrutura de operação. Essa é a ideia do cooperativismo, e o exemplo dos médicos deixa bem claro que as cooperativas podem passar por estágios, desde os mais rudimentares, até os mais evoluídos, todos eles igualmente legítimos. O céu é o limite para um grupo que se reúne em cooperativa. Cooperativa é sempre um meio, uma ferramenta na mão das pessoas. Ela não é um fim em si, é um utensílio a serviço dos cooperados e por isso mesmo teoricamente livre de tributação sobre o ato cooperativo. São sociedades “secretárias”. Não mandam nos cooperados. São comandadas por eles e trabalham para eles. Tudo nasce a partir de uma ideia e de uma necessidade comum, produzindo um bem ou serviço que leve a cooperativa a obter a confiança do mercado e a consequente satisfação dos seus associados. Ideia do que fazer precede a ideia de como fazer EasyCoop – E como se poderia facilitar a um grupo cooperativo nascente mais acesso a conhecimentos específicos e a tecnologias necessárias a seu crescimento? Waldyr Colloca – Imagino que no início a reunião de duas ou mais pessoas em torno de uma ideia seja a mais informal possível, buscando-se soluções para algum tipo de problema ou alternativas de renda. Primeiro nasce a ideia do que fazer, depois a de como fazer, conjugando necessidades pessoais e do mercado. E aí vem a cooperativa, até porque o fazer sempre demanda a participação e ajuda de mais pessoas. À medida que uma ideia – nascida, quem sabe, em uma mesa de bar entre dois amigos – vai ganhando corpo, dificuldades de implementação vão surgindo e outras pessoas vão sendo chamadas. Eaí sim pode nascer a ideia de formar uma cooperativa. Não há registro de pessoas que primeiro tenham decidido formar uma cooperativa para depois decidir o que fazer. E em algum momento, junto com a decisão de formar uma cooperativa, é preciso buscar conhecimento sobre a viabilidade econômica do que se pretende fazer, com garantias mínimas de que determinado produto ou serviço oferecido atenda às necessidades do mercado. Esta é também a hora de buscar a melhor tecnologia, o melhor aplicativo para o como fazer. São esses cuidados básicos iniciais que poderão viabilizar o sucesso de uma ideia e da própria cooperativa. Governo e escola devem mirar soluções coletivas EasyCoop – E como o poder público poderia entregar a empreendedores mais conhecimento sobre a formação de cooperativas? Waldyr Colloca – Decididamente, o cooperativismo ainda não entrou na mente dos governantes e das autoridades. É uma questão importante e que merece muita reflexão. Talvez isso tenha a ver com nossa história, nossa formação como nação. Alguns historiadores chamam atenção para essa marca individualista, essa inclinação para busca de soluções individuais. Por conta talvez do nosso tipo de colonização, rejeitamos as soluções coletivas. Não temos essa cultura, esse hábito de refletir a respeito nem sequer a inclusão formal desse tema nos currículos escolares do ensino fundamental e médio. É muito raro também haver nas faculdades e cursos superiores debates rotineiros sobre cooperativismo. Obviamente, há exceções, como os cursos de empreendedorismo do Sebrae e a Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo (Escoop), localizada em Porto Alegre (RS), entre outros. Na minha faculdade de Direito nunca estudei Direito Cooperativo. Nos cursos de Jornalismo, até pouco tempo atrás, também não havia a preocupação de estimular o empreendedorismo e o cooperativismo na área da comunicação. Mas não sei se o espírito empreendedor é algo que se possa ensinar com facilidade. Muitas vezes, a pessoa tem a riqueza, mas não sabe o que fazer com ela. A conclusão é óbvia. O cooperativismo, como alternativa de emprego e renda, precisa ser mais divulgado e fazer parte da formação de nossas crianças e jovens. Uma porta para distribuição mais justa de renda EasyCoop – Temos aí um caminho para encarar o desafio de reduzir a desigualdade crescente e a precarização no mundo do trabalho? Waldyr Colloca - Uma das necessidades desse mundo já transformado e em constante mudança é as pessoas criarem suas próprias estratégias parasobreviver. O cooperativismo constitui, sim, uma porta para distribuição mais justa da renda. Isso é vital para fugir às políticas econômicas de um mundo e de um Brasil que alimentam desigualdades. Uma vergonha. Nosso país é um dos mais desiguais do mundo. Se a pessoa não abraça estratégias de sobrevivência, e que sejam saudáveis do ponto de vista econômico, deve se contentar com as oportunidades que outros criam para ela. Com a transformação do mercado de trabalho, com o avanço da digitalização e da automação, a tradicional relação patrão-empregado, capital-trabalho, foi e está sendo desmontada, beneficiando apenas um lado desse corpo – os detentores de tecnologias altamente concentradoras de renda. Já há iniciativas para conter essa avalanche. É o caso, por exemplo, da tentativa de forçar a Uber a incorporar os motoristas à empresa, como se fossem empregados, mesmo não havendo requisitos para o vínculo empregatício. Apesar de ser considerada absurda do ponto de vista jurídico, uma lei nesse sentido foi aprovada nos EUA. E é defensável do ponto de vista social, diante de tecnologias que canalizam para um só nível da pirâmide os resultados do trabalho humano e, ao mesmo tempo, pulverizam todo o esforço que se fez ao longo de décadas para garantir proteções ao trabalho. Uma solução estratégica, de alta tecnologia, dá a uma determinada empresa, detentora apenas de um aplicativo, a possibilidade de se apropriar da “mais-valia”, mais do que o feito por qualquer grande empresa tradicional na história. Essa é uma questão palpitante, que merece de nossa parteuma grande reflexão. É indispensável impulsionar ideias nascidas das necessidades humanas reais e não das soluções impostas e que não atendem aosinteresses das pessoas que trabalham. O cooperativismo, por essência, definição e natureza, é a arma de seus associados. Não pode estar a serviço deinteresses que não sejam os deles, ou que sejam o oposto do que eles buscam. Cada vez mais, a tecnologia tem ajudado um pequeno grupo de pessoas, inclusive a driblar a legislação. Com isso, aprofunda ainda mais o fosso de desigualdades no mundo. O exemplo da Uber é típico e mostra que o fenômeno atinge e preocupa qualquer país, mesmo uma democracia liberal como os EUA. Algum freio deve ser colocado nessa onda gigante. Do contrário, a sociedade, enquanto grupo, vai se deteriorar a um ponto sem volta. Há tempos a onda chegou ao Brasil. Risco nas cooperativas é esquecer os cooperados EasyCoop – No modelo cooperativista, não há também risco de esquecermos as pequenas cooperativas, criando políticas de apoio somente às grandes ou acooperativas dominadas por grupos de interesse? Waldyr Colloca – A tecnologia é bem-vinda, é irreversível. E o cooperativismo, por princípio, tem que utilizá-la para dividir, não para concentrarrenda. O princípio vale para as grandes cooperativas controladoras de empresas, como no agronegócio, e vale para as pequenas e médias, que devem ser incentivadas a usar a tecnologia para se manter fortes e economicamente sustentáveis, em condição de gerar mais renda para seus cooperados. O risco nessa onda é “esquecer” os cooperados. A tecnologia pode vir para o bem ou para o mal. O cooperativismo também é uma “tecnologia”. Como qualquer ferramenta, pode servir para construir ou para destruir. O mesmo martelo pode servir para erguer ou destruir uma casa. E foi por conta de seus princípios positivos, por seu lado bom, que as cooperativas foram agasalhadas pelo universo jurídico, mesmo sempre havendo questionamentos sobre determinadas práticas. O cooperativismo tem por missão se opor ao tsunami de desigualdades e à desregulamentação desenfreada que, quase sempre, serve a pequenos grupos de pessoas. Mais condenável ainda é quando determinadas cooperativas ou setores cooperativistas são usados por dirigentes inescrupulosos e sobretudo por seus contratantes para enriquecimento próprio, sem vantagens para os cooperados. São distorções que precisam ser urgentemente corrigidas. É preciso tocar nessas feridas, sem paliativos, e aprimorar as normas nos ramos do cooperativismo mais sensíveis a esse tipo de ocorrência. MPT precisa coibir erros e estimular práticas legais EasyCoop – Como combater as irregularidades? Waldyr Colloca – É desafio para os técnicos de cada ramo criar controles e regras para que as cooperativas atuem de forma homogênea, determinandocomo o mercado deve se comportar na compra de produtos ou serviços dessas cooperativas. Isso evitará manipulações, precarização e levará a preços mais justos, gerando mais renda para os cooperados, os mais humildes dessa cadeia. Essas providências ajudam a resgatar o poder de barganha das cooperativas como grupo organizado e alinhado aos princípios cooperativistas. E aqui vaiuma crítica ao poder público. Por que brigar com as cooperativas enquanto ideia, enquanto modelo de empreendimento mais justo? A ideia é maravilhosae precisa florescer. Ao Ministério Público do Trabalho (MPT) cabe, com apoio das próprias cooperativas, combater apenas o que é errado; estimular – até em casos concretos – a criação de regras para combater desigualdades e fraudes; e incentivar as práticas legais. Não há fraude quando uma empresa contrata os serviços de uma cooperativa. Mas a fraude ficará configurada se a contratação tiver como objetivo aumentar as margens de lucro, precarizando o trabalho dos cooperados. Assim, em lugar apenas de multas ou imposição de TACs (Termos de Ajustamento de Conduta), é preferível que o poder público oriente, analise os contratos, os valores e aponte erros, ajudando as cooperativas a se enquadrarem às normas vigentes. Há cooperativas que conseguem repassar aos cooperados até 90% do faturamento pelos serviços prestados, tocando a administração com apenas 10%, incluída aí a carga tributária. É uma prova que não deixa dúvidas quanto à legitimidade de seus atos e gestão. Mesmo assim, podem ser acusadas de fraude se, em momentos de baixa demanda, aceitarem das empresas contratos precarizados, de valor indigno. É para essa realidade que o Ministério Público também precisa estar atento. Onde está a fraude? Talvez esteja nas imposições do mercado, quando a demanda é menor que a oferta de trabalho ou em algum tipo de exploração da mão de obra cooperada. Cooperativa de trabalho demanda regras próprias EasyCoop – Em que ramos do cooperativismo essas questões são mais angustiantes? Waldyr Colloca - Esse é um problema recorrente entre as cooperativas de saúde que, na maioria dos casos, não têm força para mudar essa realidade nem de enfrentar os donos do poder, que definem os preços de cima para baixo. Em todo esse imbróglio, o que seria de se esperar do Ministério Público é que, com devidos argumentos legais, pudesse intervir, a fim de regular melhor essas relações, tornando-se, assim, um defensor – e não um inimigo– das cooperativas e dos seus associados contra a exploração de sua mão de obra. A Lei 12.690, embora ainda demande alguma regulamentação, foi feita especificamente para normatizar as cooperativas de trabalho, sendo uma espécie de meio de campo entre tomador e prestador de mão de obra. Sempre nos voltamos com brilho nos olhos para cooperativas bem-sucedidas, desde as ligadas ao agronegócio, agricultura familiar, às de táxi, artesanato, transporte, Unimeds, até às de catadores etc. e vemos com certa desconfiança as cooperativas de trabalho. O que as diferencia? As primeiras, de uma forma ou de outra, sempre têm uma característica de cooperativa de produção, sempre têm algo a oferecer ao mercado que já vem pronto, como produto acabado, enquanto as cooperativas de trabalho, que não controlam os meios de produção, não possuem um produto palpável para entregar. Operam com o elemento humano, ainda que realizando serviços altamente especializados. Para todos os efeitos, seus contratos com os tomadores sãode caráter civil, mas, na prática, o que ocorre é o encontro entre aqueles que detêm os meios de produção, de um lado, e aqueles que não os detêm, deoutro. E o desequilíbrio se repete, porque o poder do contratante tende a ser sempre maior que o poder do contratado. Por mais que a cooperativacarregue a força de um grupo humano, ela representa o lado mais fraco, o lado do trabalho, enquanto o tomador de serviço representa o lado do capital. A CLT resolve? Não. Outras soluções, outras regras precisam ser estabelecidas nesses contratos. E isso foi colocado durante os debates em torno da formulação da Lei 12.690, dos quais até o saudoso professor Paul Singer participou. As cooperativas de trabalho, ao contrário das cooperativas de produção, por exemplo, carregam o grande diferencial de ter um tomador de serviços. Por isso, é preciso prever, na lei, as regras desse jogo. Essa é a chave para manter a boa ideia do cooperativismo e evitar que ela vire do avesso e se transforme num meio ainda maior de concentração de renda e de desigualdades no país. As próprias cooperativas deveriam encampar de uma vez por todas essa luta. Outra bandeira é a formação, a especializa-ção dos cooperados, agregando valor ao produto ou serviço ofertado. Quanto mais se oferece, mais se pode exigir. É uma regra universal. O problema é que, muitas vezes, faltam recursos para que essa situação deixe de ser conceitual e passe a ser concreta, o que permitiria melhor distribuição de renda e menos concentração da “mais valia” nas mãos de poucos. Expansão depende de união de esforços no setor EasyCoop – Até que ponto a terceirização estendida à atividade-fim das empresas trouxe oportunidades para os diversos ramos do cooperativismo? Waldyr Colloca – A situação jurídica, como um todo, nunca esteve tão favorável ao cooperativismo. Isso é bom para a concretização das boas ideias.Tem viabilizado um aumento na contratação de cooperativas ao lado de quaisquer outros terceirizados. Antes das novas normas, quando a terceirização era restrita à atividade-meio, eram muito sérios os problemas de ordem legal enfrentados. A lei não favorecia as cooperativas e, de modo geral, as autoridades eram refratárias ao cooperativismo do trabalho, que, naturalmente, depende da terceirização. Mas houve uma mudança para melhor, e os juízes estão mais atentos às cooperativas enquanto possibilidade juridicamente viável. Do ponto de vista da sua viabilidade jurídica, portanto, muitas portas se abriram para que a contratação de cooperativas não sofra mais os percalços que vinha enfrentando. Se as portas estão abertas, se a legislação agora permite e até incentiva essa forma de trabalho, falta apenas fazer uma lição de casa básica, ou seja, unir esforços. A solução para expandir o cooperativismo do trabalho deve ser coletiva, não individual, seja por meio da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), de sindicatos, ou de reuniões espontâneas entre as cooperativas do setor, nas quais elas podem estabelecer as regras mínimas de conduta. Trata-se de uma iniciativa nobre, que depende apenas da iniciativa de cada cooperativa e de todas elas juntas. Seja lá como for, o fato é que as desculpas acabaram. Chegou a hora de haver articulação real de todas as cooperativas, inclusive com ações junto ao Poder Legislativo para o aprimoramento da legislação. Há setores econômicos importantes que precisam das cooperativas, de seus serviços, para o desenvolvimento dos mais variados nichos e empreendimentos. Não há dúvida de que os tomadores de serviços se adequarão às regras mínimas que forem instituídas, deixando de impor regras apenas de acordo comseus interesses unilaterais. A própria Lei 12.690 foi construída com esse espírito de criar um patamar mínimo de direitos, os quais, na verdade, se refletem em ganhos diretos e concretos para os cooperados. Por outro lado, é normal que haja necessidades e até exigências específicas de cada tomador na hora de fechar um contrato, em especial quanto à qualidade e garantia de cumprimento dos serviços contratados. Essas especificidades e como se portar diante delas podem até ser discutidas e normatizadas internamente por uma associação de cooperativas de cada setor específico. Isso daria um selo de qualidade que diferenciaria as boas das más cooperativas, como ocorre, por exemplo, na indústria do café com o selo Abic. E as que oferecerem mais qualidade, obviamente serão mais demandadas e crescerão mais. O céu é o limite. E uma cooperativa de trabalho que se aprimore e especialize ao ponto de criar soluções em determinado segmento pode, lá adiante, se tornar uma cooperativa de produção. Seria o caso daquela cooperativa de médicos que começou sem estetoscópio e pode virar controladora de um hospital ou de uma rede de hospitais. Cooperativas têm momento mágico; é hora de agir EasyCoop – Com base em sua experiência, como vê, no Brasil de hoje, as oportunidades no cooperativismo, em especial no ramo trabalho? Waldyr Colloca – Árvores gigantes podem nascer de uma pequena semente. O solo nunca esteve tão fértil para as cooperativas de trabalho e para o cooperativismo como um todo. A legislação está se abrindo, as autoridades estão se abrindo e o Judiciário está mais sensível às questões concretas das cooperativas. Com a queda da Súmula 331, aquela varinha de condão que sempre existiu para resolver os processos de terceirização não existe mais. Hoje, sem varinha mágica, os juízes analisam casos concretos, avaliam as características, os detalhes, se inteiram em profundidade do funcionamento dos contratos, possibilitando decisões mais técnicas e precisas, e tendo aumentando, inclusive, o trabalho do Ministério Público, que sistematicamente cultivava uma prática de perseguição automática e simplificada às cooperativas de trabalho. Automática, porque, para ser investigada e perseguida, bastava que uma cooperativa fosse, ora bolas!, uma cooperativa. E simplificada porque, mesmo que não houvesse fato concreto nenhum pesando contra ela, a fraude, de um jeito ou de outro, caminhava pelo enquadramento na Súmula 331 do TST. Lamentavelmente, ainda não dá para dizerque a perseguição acabou, afinal as cooperativas ainda continuam sendo alvejadas apenas por serem cooperativas. Mas a perseguição pela Súmula, ou seja, pela terceirização pura e simples, essa sim, ficou pra trás. Isso quer dizer que agora, mais do que nunca, tudo passou a depender ainda mais das práticas cotidianas de cada cooperativa. São as práticas que, cada vez mais, vão pesar na análise dos processos. Mas essa é uma ótima notícia. stamos apenas no início dessa nova caminhada, em que será necessário retomar o espírito de cooperação, as boas ideias, contagiando cooperados e tomadores de serviços e sensibilizando as autoridades para a causa cooperativista. Afinal de contas, cooperativismo é sinônimo de trabalho e empreendedorismo. É caminho para maior justiça social, distribuição de renda e combate às desigualdades. É hora de agir. Advogado, consultor e articulista O advogado Waldyr Colloca Junior, sócio do Colloca&Amaral Advolgados, é bacharel em Direito pela PUC/SP, com pós-graduação em Processo Tributário pela PUC-COGEAE. Realizou vários cursos nas áreas Fiscal, Previdenciária e Empresarial na OAB/SP, AASP e Universidade Mackenzie. É articulistade várias publicações de negócios, integrou sociedade especializada em advocacia empresarial e possui sólida experiência em Consultoria e Planejamento Tributário, tendo participado de projetos em grandes empresas nacionais. Áreas de atuação do escritório: Coordenação Geral.