Cidades

“Somos a cota invisível da população”

No Dia da Consciência Negra, militante diz que resistir é enfrentar as desigualdades que marginalizam o negro nos mapas sociais

Por Tribuna Independente 20/11/2019 08h32
“Somos a cota invisível da população”
Reprodução - Foto: Assessoria
Nesta quarta-feira (20) é celebrado o Dia da Consciência Negra. A data é comemorada em todo território nacional e traz reflexões sobre o episódio histórico de luta pela liberdade que ocorreu no Quilombo dos Palmares. No mês de novembro, é inevitável não falar sobre Zumbi dos Palmares, um dos ícones da luta do povo quilombola. Zumbi é considerado um dos grandes líderes da história. Símbolo da resistência e luta contra a escravidão, pela liberdade de culto, religião e prática da cultura africana no Brasil Colonial. Para a presidente do Instituto Raízes de África, Arísia Barros, o 20 de novembro é um grande marco de resistência de um capítulo da história da humanidade. “Resistir é fazer enfrentamento diário às desigualdades raciais que nos marginalizam nos mapas sociais. A data é mais do que festa na praça para inglês ver, é bem mais. É a efetivação substantiva dos valores de um povo, a partir da ocupação de espaços políticos. Onde está o povo preto em Alagoas?’’, questiona. Arísia acrescenta que dia 20 de novembro deveria ser a celebração de um punhado de conquistas ao longo dos anos, mas não é o que acontece. “Apontem conquistas políticas do povo preto das Alagoas. Só ‘duazinhas’. Os quilombolas, o povo base da desconstrução hegemônica das terras de Palmares ainda luta pela posse e dignidade de ser povo e a gente festeja na praça. Festeja o quê? O genocídio da juventude preta, pretinha, é um grito surdo por balas perdidas, com alvo certo e a gente festeja na praça. Festeja o quê? Tem desfile, tem comida bonita sendo vendida em balaios tipo marketing, enquanto nas periferias nosso povo enfrenta o estômago que cola nas costelas, a fome. Quando a política de um país desanda, o desemprego assola, o povo preto é o primeiro a ser atingido’’, crítica. A militante fala ainda das questões sociais e políticas. “Nós estamos no meio do tiroteio político, desfocados e sem estratégias de sobrevivência. Somos bem mais do que direita, esquerda, volver. Somos a maioria da população brasileira e alagoana, entretanto, ainda somos a cota invisível. Como povo precisamos urgência na soma de todas nossas diferenças para sairmos do lugar comum dessa comercialização do 20 de novembro. O dia é de celebração da consciência negra. E ter consciência não tem preço, ou tem, o da conscientização política’’. COMEMORAÇÕES Como parte das manifestações para lembrar a data acontece à terceira edição do Projeto Vamos Subir a Serra, que foi iniciado, em Maceió, no dia 14 de novembro. O evento é realizado pelo Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô em parceria com a Prefeitura de Maceió, por meio da Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC) e da Secretaria Municipal de Comunicação (Secom). A programação do evento foi dividida em três etapas: a primeira, na Praça Multieventos, na Pajuçara, onde aconteceu de 14 a 17 de novembro. Ontem (19), as atividades foram para a Serra da Barriga, em União dos Palmares. Nesta quarta-feira, as atividades seguem em União e retorna para a capital alagoana, onde continuam nos dias 21 e 22, quando irá acontecer, no Centro Cultural Arte Pajuçara, a Mostra Quilombo de Cinema Negro. Além do Projeto Vamos Subir A Serra, outras atividades celebram o mês à conscientização sobre a igualdade racial, no Parque Memorial Quilombo dos Palmares. São fruto da parceria entre a Fundação Cultural Palmares, Ministério da Cultura (MinC), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Governo de Alagoas, por meio da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), e a Prefeitura União dos Palmares. “O fato da Serra da Barriga ser um símbolo da luta pela liberdade e resistência negra é indiscutível. Mais uma vez levamos para a Serra atividades que conscientizam nossa população, o que desperta o sentimento de pertencimento, fomentando a cultura e o turismo em todo o Estado”, disse a secretária de cultura, Mellina Freitas. Zumbi é principal símbolo da resistência negra Nascido em Alagoas no ano de 1655. Foi o principal representante da resistência negra à escravidão na época do Brasil Colonial. Foi líder do Quilombo dos Palmares, comunidade livre formada por escravos fugitivos dos engenhos, índios e brancos pobres expulsos das fazendas. O Quilombo dos Palmares estava localizado na região da Serra da Barriga, que, atualmente, faz parte do município de União dos Palmares. Na época em que Zumbi era líder, o Quilombo dos Palmares alcançou uma população de aproximadamente 30 mil habitantes. Nos quilombos, os negros viviam livres, de acordo com sua cultura, produzindo tudo o que precisavam para viver. Embora tenha nascido livre, foi capturado quando tinha por volta de sete anos de idade. Entregue ao padre jesuíta católico Antônio Melo, recebeu o batismo e ganhou o nome de Francisco. Aprendeu a língua portuguesa, latim, álgebra e a religião católica, chegando a ajudar o padre na celebração da missa. Porém, aos 15 anos, fugiu de Porto Calvo para viver no Quilombo dos Palmares. Na comunidade, deixou de ser Francisco para ser chamado de Zumbi (que significa aquele que estava morto e reviveu no dialeto da tribo imbagala de Angola). Para o historiador Daniel Marinho, o Quilombo dos Palmares foi o maior da história da sociedade escravista na América Colonial. “Acredito que o ato de ‘rebeldia’ de Zumbi dos Palmares, quando houve o acordo entre Ganga Zumba e Duarte Coelho da Costa, denuncia a importância dessa última fase do Quilombo dos Palmares. Pois se tratava efetivamente da sociedade dos quilombos dizendo não a empresa canavieira que se instalava no Sul da Capitânia de Pernambuco. Desta forma, mesmo que você pudesse dizer das varias organizações sociais do quilombo dos Palmares, para a gente, o mais importante é que ele se mostrava como foco de resistência a essa empresa e colonização portuguesa. Então, certamente nós podemos falar que o Quilombo dos Palmares foi o maior e duradouro foco de resistência à colonização portuguesa no Brasil colonial, ainda mais sendo de origem escrava”, explica o historiador.