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Óleo de cozinha: 50 ml poluem 25 mil litros d’água

Segundo especialista, material deve ser reciclado; descarte inadequado pode atingir 700 milhões de litros por ano no Brasil

Por Lucas França com Tribuna Independente 01/06/2019 09h48
Óleo de cozinha: 50 ml poluem 25 mil litros d’água
Reprodução - Foto: Assessoria
No Brasil, estimativas sobre o consumo de óleo de cozinha indicam que o descarte inadequado do produto pode atingir cerca de 700 milhões de litros ao ano, isso representa um grande potencial de contaminação dos recursos hídricos e impacto ao meio ambiente, além de gastos na manutenção da rede de esgoto e de água. Por aqui, muitos alagoanos ainda não têm o hábito do descarte correto. Alguns não sabem o que fazer com a sobra daquele óleo utilizado nas frituras, outros desconhecem os perigos do descarte incorreto. A professora, doutora em Ciência e Engenharia de Materiais, Janaína Accordi Junkes, esclarece que o material não pode ser despejado de qualquer forma. “Óleos de cozinha ou de qualquer tipo, mesmo a graxa que fica na panela após a fritura não podem ser despejados em pias, ralos, bueiros, vasos sanitários ou qualquer outro tipo de descarte que leve ao contato com meios hídricos (água corrente). Descartar o óleo pelo encanamento doméstico além de causar o entupimento dos canos, prejudica o meio ambiente, pois uma vez descartado pelo encanamento, esse óleo chega ao sistema de esgotamento sanitário, que na maioria das vezes deveria ir para uma estação de tratamento de esgoto”, esclarece. De acordo com Junkes, devido à falta de saneamento ou ligações clandestinas, esse resíduo acaba indo parar em rios ou mar. Além disso, ela, afirma que quando o óleo usado é descartado na pia, acumula no encanamento e retêm resíduos, entope o fluxo de água e a sujeira atrai insetos, baratas e ratos. PREJUÍZOS Ao contrário do que muitas pessoas pensam, não é só a grande quantidade de óleo despejada que polui o ambiente, para se ter um parâmetro, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece em sua resolução limites de lançamento de óleos vegetais e gorduras animais em corpos hídricos que recebem esgoto de até 50 miligramas por litro (mg/L), ou seja, apenas 0,05g de óleo de cozinha são suficientes para poluir 25 mil litros de água. O efeito que óleo provoca na água é a diminuição de oxigênio dissolvido o que causa a morte fauna aquática. Em outras palavras, não existe oxigênio suficiente para os seres aquáticos sobreviverem. Por isso, existem leis e normas que regulamentam esse despejo. Em Alagoas temos a Lei nº 6382 de 09/04/2015 que autoriza o Poder Executivo a implantar o sistema de coleta seletiva de lixo e a pré-seleção de materiais para apresentação a coleta seletiva de lixo nas residências, individuais, condomínios residenciais, condomínios comerciais, nos estabelecimentos comerciais, industriais, e órgãos públicos federais, estaduais e municipais no âmbito do Município de Maceió. O artigo 2 dessa lei descreve que os óleos de cozinha devem ser separados. “Art. 2º A implantação de Coleta Seletiva terá como pré-requisito a pré-seleção domiciliar em pelo menos dois grupos de materiais regulares quais sejam: materiais recicláveis e resíduos orgânicos, além de eventual separação do óleo de cozinha e outros materiais pertinentes”. “Logo, todo o óleo depois de utilizado e frio deve ser armazenado tampado em frascos de vidro ou plásticos. Pode ser utilizada uma garrafa de óleo vazia, por exemplo, ou uma garrafa de refrigerante. Quando o recipiente estiver cheio, e só procurar um ponto de coleta do material. Existem hoje várias iniciativas de condomínios, lanchonetes e outros estabelecimentos que entram em contato com cooperativas e estabelecem uma parceria onde a empresa vai coletar o óleo”, ressalta a especialista. Esse é o caso da Cooperativa dos Recicladores de Alagoas (Cooprel) localizada na Serraria. De acordo com a presidente Maria José Lins, conhecida como Meuri, a cooperativa recebe o óleo para a reciclagem. “Trabalhamos com a reciclagem do óleo. Quem quiser fazer a separação e trazer para gente é muito simples. Uma equipe percorre as residências das pessoas que querem fazer a coleta e descarte correto, a gente cadastra aquelas residências com adesivo nas portas, e ai explicamos quais os materiais que são recicláveis e como a coleta deve ser feita. Ou a pessoa se puder pode trazer até a gente”, explica. De cada 4 litros, 1 é descartado incorretamente   Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), o consumo de óleos vegetais no País, se situa em torno de três bilhões de litros ao ano. Segundo dados coletados junto aos fabricantes de óleo de cozinha, a estimativa é que, de cada quatro litros consumidos, um seja descartado de forma incorreta, o que representa um potencial de mais de 700 milhões de litros ao ano lançados ao meio ambiente sem o devido cuidado e controle. [caption id="attachment_304054" align="aligncenter" width="396"] Maria José explica que Cooperativa dos Recicladores de Alagoas recebe óleo de cozinha para reciclagem (Foto: Sandro Lima)[/caption] Embora seja difícil dimensionar o impacto disso sobre o meio ambiente, alguns dados fornecem uma indicação do que este descarte incorreto pode causar. Cada litro de óleo descartado incorretamente tem potencial para contaminar 25 mil litros de água, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. O Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) informa que existem vários locais de recebimentos do óleo de cozinha. “São muitas iniciativas que auxiliam a população no descarte correto, desde ações privadas até a reciclagem nas cooperativas”. A engenheira Janaína Junkes afirma essas iniciativas. “Existem iniciativas que auxiliam a população a descartar corretamente seus resíduos, como a de um shopping da região que atua como centro receptor de resíduos poluentes como pilhas, baterias e óleo de cozinha, facilitando que todos da população façam a sua parte em prol do meio ambiente’’. Pesquisas recentes estimam que cerca de 10% do óleo de cozinha usado é reciclado atualmente, enquanto a maior parte da população ainda descarta o produto deforma incorreta, lançando-o no solo, na pia ou simplesmente no lixo. A comerciante Mayara Almeida sabe dos prejuízos causados com o descarte incorreto e faz a maneira certa e ainda fatura um trocado. “Eu trabalho com fritura de salgados e o óleo usado é destinado à fabricação de sabão. Antes, eu fazia doação, agora vendo para uma empresa que faz coleta nas lanchonetes. O nome da empresa é Indama, ela fica no Rio Grande do Norte e faz a compra por aqui também”, conta. EXTRA “Além de contribuir com o meio ambiente, eu ainda ganho por isso. Eles vendem sabão, pagam pelo óleo usado e eu compro mais óleo novo para trabalhar. A capacidade da minha maquina são 18 litros. Ou seja, dá muito sabão. Se eu mesmo fizesse, nem daria conta de usar. Nem tenho como vender. Antes, como disse doava, e a senhora que pegava fabricava e vendia pra ela. Mas, depois ela deixou de pegar, aí por isso, vendo a está empresa”, explica Mayara. Para auxiliar no descarte correto na página do Ima (https://www.ima.al.gov.br/locais-de-descarte/) é possível encontrar uma lista de pontos de coleta de diversos resíduos. “Sem rede coletora, material vai contaminar lençol freático”   A Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), explica que se o imóvel estiver conectado à rede coletora de esgoto, o óleo despejado não contaminaria o lençol freático. Mas, se não houver rede coletora e for lançada na galeria de águas pluviais ou em fossas sépticas, a contaminação pode ocorrer “mas desde que o lençol freático esteja à baixa profundidade, o que não é o caso na maior parte de Maceió. Quando o lençol freático está a grandes profundidades, as camadas de solo que existem sobre ele fazem um “filtro” do óleo e de outras impurezas que possam agir como poluentes’’, explica a Companhia. Ainda segundo, a Casal, a água fornecida é tratada nas estações de tratamento, atendendo a cerca de 270 parâmetros determinados por uma portaria do Ministério da Saúde (MS), somente sendo distribuída se estiver dentro das determinações legais da portaria do Ministério. “Antes de ser distribuída, a água é analisada nos laboratórios da Companhia. O laboratório que existe na Estação de Tratamento de Água (ETA) Pratagy, no Benedito Bentes, em Maceió, é um dos mais modernos do estado para análises físico-químicas e bacteriológicas da água”. Companhia explica ainda que se a rede estiver conectada a estação de tratamento resíduos são retirados. “Ao passar pelas estações de tratamento de esgoto, todos os resíduos são eliminados e o efluente resultante desse processo de tratamento pode até ser usado para outras finalidades, como agricultura, irrigação e limpeza de ambientes externos”. A Casal ressalta ainda que o tratamento de esgoto em Maceió ocorre em dezenas de conjuntos habitacionais, que possuem estações compactas individuais de tratamento operadas pela Casal. No interior, em vários conjuntos, também existem estações de tratamento de esgoto operadas pela Companhia. Não há acréscimo no custo do processo. Porém, a Casal relata que o óleo lançado na rede coletora de esgoto pode causar entupimentos, isso porque ele adere nas paredes da rede coletora, solidificando-se e causando obstruções. Assim como os especialistas, o IMA e diversos órgãos ambientais, a Companhia também recomenda que em casa, as pessoas separem o óleo usado e o coloquem em garrafas pets, acionando alguma associação de cooperativa de reciclagem para fazer o recolhimento. PROJETO A preocupação com o descarte incorreto é comum, e está sendo discutido. A Comissão de Meio Ambiente (CMA) desde final de 2018 que começou a analisar, um projeto que estabelece o descarte do óleo de cozinha por logística reversa — um conjunto de ações para viabilizar a coleta e a restituição de resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento ou outra destinação ambientalmente adequada. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 75/2017, do senador José Medeiros (Pode-MT), altera a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305) para incluir o óleo de cozinha e demais gorduras de uso culinário na lista de produtos do sistema de logística reversa. A intenção é repassar aos fabricantes a responsabilidade pela coleta, reaproveitamento e descarte correto desses materiais.