Cidades

Depois de quatro décadas, Mutum-de-Alagoas volta para casa

Escolhida como um dos temas do bicentenário, animal será reintroduzido na natureza nesta sexta, após 42 anos fora do estado

Por Tribuna Independente 21/09/2017 07h46
Depois de quatro décadas, Mutum-de-Alagoas volta para casa
Reprodução - Foto: Assessoria

Nesta sexta-feira (22), o Mutum-de-Alagoas será reintroduzido na natureza após 42 anos longe de casa. A reintrodução da ave será realizada pelo Instituto para Preservação da Mata Atlântica (IPMA) em um viveiro em terras da Usina Utinga Leão, no município de Rio Largo. O viveiro foi especialmente construído pelo IPMA para abrigar a ave.

O primeiro casal da ave tem quatro anos de idade e chegou ao Estado no dia 19, mas será apresentado em somente nesta sexta-feira (21) durante a reintrodução em uma solenidade especialmente organizada com a participação do governador Renan Filho (PMDB).

 De acordo com Fernando Pinto, coordenador do IPMA, essa é a primeira etapa para que posteriormente as aves sejam reintroduzidas na natureza.

“Nossa intenção é fazer com que os alagoanos conheçam essa ave que é autenticamente alagoana, só existia no nosso Estado. Em seis meses queremos levar mais três casais para fazer a reintrodução na natureza”, disse o coordenador.

Ainda segundo Fernando Pinto, a ação também é coordenada e organizada pelo Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA/AL), Ministério Público Estadual (MPE), Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), Sindicato do Açúcar e do Álcool (Sindaçucar) e Federação das Indústrias de Alagoas (Fiea).

O grupo é responsável pela construção do chamado Plano de Ação Estadual do Mutum-de-Alagoas.

BICENTENÁRIO

“O Mutum foi escolhido como a ave tema do bicentenário por causa da importância do animal para o Estado. Trata-se de uma das aves mais raras do planeta e representa um esforço que mostra, para todos nós alagoanos, que é importante de ser feito e que colabora com a preservação da biodiversidade”, explica Gustavo Lopes, diretor-presidente do IMA/AL.

O órgão é responsável pela gestão da fauna silvestre e tem acompanhado de perto todo o processo, colaborando com a regularização e licenciamento do viveiro, manejo do animal.

Além disso, também é resposável pelas sações de identificação e proteção das áreas onde poderão ser feitas, futuramente, as solturas na natureza, em um segundo momento do projeto.

“Agora, você só vai ter sucesso num projeto como esse se a população estiver sendo parceira desse trabalho. Porque não, através de um exemplo, de uma ave que estava simplesmente condenada a desaparecer, você mostrar que é possível reverter isso? É um exemplo de que muitas outras coisas podem ser feitas”, comenta Azeredo.

“Proteger a ave é preservar outras espécies que vivem em seu habitat”

Para Pedro Nardelli, criador de aves e responsável pela existência do Mutum, o mais importante da volta da ave é a preservação da cadeia alimentar.

“O mais importante do Mutum voltar não é o Mutum. Porque quando o Mutum abrir suas asas, debaixo das suas asas está toda a avifauna  alagoana. Se ele conseguir permanecer nas matas, sem ser molestado, obviamente todas as aves que estão abaixo da cadeia alimentar dele vão ficar protegidas”, diz Nardelli.

O criador, há 42 anos, conseguiu capturar as três Mutuns-de-Alagoas, no município de Roteiro, que foram levadas para um criatório autorizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Tendo sido dizimado pela caça indiscriminada e pelo forte impacto causado pelo desmatamento para a cultura da cana-de-açúcar, o animal foi extinto em ambiente natural e não é mais registrado na natureza há pelo menos 30 anos. A espécie habitava a Mata Atlântica, mais especificamente no Litoral Sul de Alagoas.

A reprodução em cativeiro e os estudos, com a colaboração de universidades, especialistas e organizações não governamentais, têm sido a causa fundamental da continuidade da espécie. Relata-se que existem hoje 230 animais em cativeiro.

Um dos principais responsáveis pela reprodução chama-se Roberto Azeredo, da Sociedade de Pesquisa da Fauna Silvestre (CRAX), de onde saiu o primeiro casal que habitará um viveiro construído especialmente para eles em Alagoas.

“O Mutum-de-Alagoas é símbolo de um trabalho muito maior. Você protegendo o Mutum-de-Alagoas e o ecossistema dele, o habitat dele, e está preservando as outras espécies que vivem lá também. Então, se você não pode trabalhar com todas, o carro chefe do trabalho está sendo o Mutum-de-Alagoas”, comentou Azeredo.

Espécie está entre dois tipos de pássaros que só existem em cativeiro

O primeiro casal será inserido em um viveiro de imersão, onde pequenos grupos, com até cinco pessoas, poderão observar cuidadosamente as aves. Isso porque “tem muita gente que nunca viu esses animais, nem sequer sabia da existência”, comenta Fernando Pinto.

Fernando ressalta que o Mutum-de-Alagoas é uma das duas aves no mundo que só existem em cativeiro, a outra é a ararinha azul. Também em todo o mundo, só existem duas espécies salvas a partir de um trio: o gavião que ocorre nas Ilhas Seychelles, na África, e o Mutum.

O viveiro está inserido em um centro de educação ambiental que leva o nome do Pedro Nardelli,  uma homenagem  justa  porque ele  foi o homem responsável pela continuidade da existência do animal.

O criador de aves e entusiasta das ações para a preservação da biodiversidade expôs que “se você mostrar todo o trabalho que foi feito pra chegar agora, depois de 42 anos, voltar às aves para a natureza. Será mostrado ainda que se não começarmos agora a trabalharmos com algumas outras espécies que estão em situação difícil certamente elas vão desaparecer”.

Pedro acrescenta que se não começar logo e esperar algumas décadas não teremos algum resultado positivo.

“Então, porque não começar agora? Porque não pensar na biodiversidade?”, questiona Pedro.