Cidades

Lei de 1990 sobre tombamento de prédios centenários não é cumprida em Maceió

Muitos proprietários de imóveis no Centro, Jaraguá e Farol ainda não se adaptaram à medida

Por Fonte: Tribuna Independente 09/09/2017 15h12
Lei de 1990 sobre tombamento de prédios centenários não é cumprida em Maceió
Reprodução - Foto: Assessoria

Além de sua paisagem natural, Maceió tem uma cultura marcante e um patrimônio histórico arquitetônico riquíssimo.  Já faz parte do senso comum que imóveis com alguma importância histórica precisam ser preservados. E uma das formas encontradas é o processo de tombamento através do poder público. Este impõe uma série de exigências para a manutenção do bem, agora pertencente ao Patrimônio Histórico, aos proprietários desses imóveis, sejam eles o Poder Público ou particulares.

Basta andar pelas ruas do centro e do bairro do Jaraguá que é possível notar prédios antigos com uma arquitetura de valor inestimável. Mesmo com esse pensamento normatizado de preservação, a maioria das pessoas sequer percebe a presença das edificações históricas. No Centro de Maceió, por exemplo, o que restou da construção original dos imóveis tombados está na parte de cima das casas, o que deixa a paisagem confusa diante de tantos letreiros e placas do comércio varejista.

Existe uma Lei aprovada pela Câmara de Vereadores e sancionada pelo prefeito de Maceió na década de 1990, de tombamento dos imóveis centenários na época localizados no Centro, Jaraguá e Farol, proibindo sua demolição e descaracterização, mas a lei não está sendo cumprida totalmente em Maceió, alguns proprietários ainda não se adaptaram as normas.

A equipe da Tribuna Independente percorreu algumas ruas do centro e do Jaraguá para mostrar como se encontram os prédios tombados. No centro, alguns prédios ainda possuem sua fachada original, mas elas ficam escondidas por causa das placas das lojas e anúncios publicitários. 

Segundo a arquiteta e urbanista mestranda em preservação do patrimônio cultural no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Daniella Acioli, que acompanhou a equipe, alguns proprietários estão seguindo as normas e respeitando a estrutura original da fachada que não pode ser reformada, apenas restaurada e colocando as placas de sinalização do seu comércio de acordo com que a lei de tombamento exige.  Mas segundo ela, alguns ainda fogem do padrão.

Para a arquiteta, a responsabilidade de manter os prédios com suas caraterísticas originais é conjunta, tantos dos proprietários quanto do Poder Público.

“A conservação dos prédios é preventiva, seguindo as diretrizes. A conscientização deve partir do dono. No entanto, a questão de preservação deve ser de gestão compartilhada”, disse Daniella.

PRESERVAÇÃO

De acordo com o arquiteto e urbanista Lucas Vicente, preservar um patrimônio histórico e cultural é manter vivo a cultura e história dos povos. Segundo ele, essa é a principal ideia para fazer um tombamento de prédios históricos.

“Preservar fachadas e locais históricos, além de deixar o espaço com uma poluição visual menos agressiva, traz turistas a região. Infelizmente na época do consumismo as propagandas das lojas querem chamar cada vez mais atenção. E isso afeta muito a história local. Com letreiros cada vez mais luminosos e maiores. Ao invés de as lojas se adaptarem as fachadas, as fachadas que sofrem modificações para que a propaganda se sobressaia”, Comentou Lucas.

O arquiteto disse que atualmente os proprietários não estão respeitando a lei e nem conscientes da importância histórica dos seus estabelecimentos e vêm fazendo transformações exageradas deixando que a história se perca.

“Muitas das fachadas coloniais do centro se perderam, já que foram abertas grandes portas para exposição dos produtos e passagem de consumidores. No Jaraguá, por possuir um comércio menor que no centro, ainda existem muitas fachadas preservadas, mas a lojas que existem, já modificaram sua frente para se adequar a uma propaganda mais visível. É possível manter a fachada original e garantir que seu produto e nome de loja sejam vistos, exemplo que ocorre em muitas cidades históricas tombadas no interior do Estado e outras cidades brasileiras”, ressaltou Lucas Vicente.

De acordo com Daniella, seguir as normas e manter os edifícios com sua característica sem precisar deixar de fazer seu negócio é muito fácil. “A lei explica como deve ser feito, de que maneira o proprietário deve agir. Para não descaracterizar o imóvel, é só colocar placas seguindo as normas e tamanho adequado, realizar manutenção que não deixe a estrutura comprometida. Os donos podem mexer dentro, mas não podem alterar o externo. Existem várias soluções. Eles também podem procurar os órgãos de conservação do patrimônio e tirar dúvidas. O dever de zelar pela história e preservar um patrimônio cultural cabe também aos donos e não só aos gestores do poder público, até porque existe uma ajuda dos órgãos uma vez que foi tombado”, explicou.

O jornalista e historiador Jair Pimentel, preocupado com o resgate da história e com as obras arquitetônicas, disse que vêm lutando e atualmente participa de uma campanha, que é exatamente fazer com que a Lei de Tombamento do Patrimônio Histórico do Centro, Farol e Jaraguá, seja cumprida.

“Essa Lei, foi sancionada pelo prefeito Ronaldo Lessa, na década de 1990, estabelecendo critérios para a preservação do que existia naquela época de imóveis construídos na segunda metade do século XIX até a segunda década do século XX, proibindo que tivesses suas fachadas modificadas ou simplesmente derrubados. Antes dessa legislação, dezenas de prédios já tinham sido descaracterizados e derrubados para dar lugar a outros modernos ou a estacionamentos. Os que restaram não puderam mais seguir o mesmo critérios anterior. Daí, a grande quantidade deles abandonados pelos proprietários, que mesmo com alguns benefícios concedidos pela Prefeitura, preferem que vá sendo destruídos aos poucos”, explicou Jair Pimentel.

Ainda segundo Jair, o poder público, no caso a Prefeitura, deve fazer com que a lei seja cumprida e não permitir a fixação de painéis que cubram a fachada dos prédios tombados, o que de acordo com ele não vem acontecendo no centro. “Bastaria apenas à fiscalização conversar com os proprietários e por último, adotar as penalidades devidas, com multas e a devida retirada das propagandas. Todos os prédios descaracterizados na fachada pertencem à iniciativa privada, os públicos cumprem a Lei. Lembro que existem bons exemplos de empresários que construíram imóveis no terreno em arquitetura moderna, mas mantiveram o espaço antigo e preservado. No caso de lojas do Centro, elas podem ter a parte térrea modernizada por questão de segurança, mas mantendo a fachada de cima”, explicou.

Para o sociólogo Jorge Vieira, mesmo que haja uma lei que garanta a preservação da arquitetura de prédios antigos em Maceió haverá problemas.  Segundo ele, em Alagoas, o senso de conservação ainda não está impregnado na cultura nem dos órgãos e nem da população.

Ruínas também são problemas comuns

No bairro do Jaraguá é muito comum se deparar com prédios antigos e que fazem parte do polígono de conservação em ruínas. Apesar de estarem com a estrutura original, eles estão comprometidos pela falta de conservação e restauração em suas estruturas.

(Foto: Sandro Lima)

Localizado em Jaraguá, prédio conhecido como Banco de Londres está abandonado há anos e com estrutura totalmente comprometida

O prédio conhecido como Banco de Londres, na Rua Sá e Albuquerque, no Jaraguá, por exemplo, está abanado há anos. Sua estrutura está totalmente comprometida, quase não tem telhado e a fachada está ficando  descaracterizada por conta da vegetação que já está tomando conta do lugar.

Outro exemplo bem emblemático é o edifício do Sindicato dos Estivadores, que, apesar de manter a fachada original da década de 60, passou por uma reforma no volume central e acabou ficando com traços mais modernos, quem olha pensa que são três prédios.

Para a arquiteta do Iphan, Daniella Acioli, os donos que não tiverem condições de manter o espaço, fazer a restauração e reformas necessárias devem acionar o poder público para fazer uma intervenção e vistoria necessária para que a obra não desapareça de vez.

REGISTROS

Segundo registros da Assessoria Especial de Preservação da Memória (Pró-Memória) da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), 49 imóveis foram tombados como patrimônio histórico no Estado. Desses, 25 estão localizados em Maceió.

RECONHECIMENTO

Além da lei municipal de tombamento de 1990 voltada para a preservação dos bairros de Jaraguá, Centro e Farol, Maceió também passou a reconhecer, em 1996, outras áreas da cidade, classificando-as como Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEP) e Unidades Especiais de Preservação (UEP).

Os imóveis que fazem parte das ZEP e das UEP da Prefeitura de Maceió, que não classifica seu processo como tombamento, somam – somente no Centro – 160 unidades, segundo dados da Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla). O total, das duas classificações, é de 443.

“Desde 1996, Maceió reconhece os conjuntos arquitetônicos formados em Jaraguá e no Centro como ZEP e, com o Plano Diretor, foram incluídos Bebedouro, Pontal da Barra e Fernão Velho, além das UEP. Elas são imóveis e espaços urbanos públicos, como suporte físico de manifestações culturais e de tradições populares, especialmente a música e a dança folclórica, a culinária e o artesanato, cuja importância histórica e arquitetônica foi reconhecida”, explica a Sempla.

No Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) constam nove imóveis tombados e oito pedidos em análise no Estado.

Órgãos realizam fiscalização através de denúncias

A Pró-Memória da Secult, setor responsável por avaliar, produzir pareceres e fiscalizar os imóveis tombados pelo Estado em Alagoas, firmando parcerias com outros órgãos, a exemplo da Serviços de Engenharia do Estado de Alagoas S/A (Serveal), informou que  as fiscalizações são feitas de acordo com a demanda ou denúncias e explicou que o direito à propriedade permanece inalterado após o tombamento.

Desta forma, cabe ao proprietário a manutenção e conservação do bem. Para realizar qualquer alteração no imóvel, o proprietário deve abrir processo no órgão municipal competente que irá comunicar ao órgão que efetuou o tombamento sobre o requerimento de interferência na estrutura.

E disse também que a preservação dos bens culturais, se dá, impedindo principalmente a sua destruição. Portanto, aquele que ameaçar ou destruir um bem tombado estará sujeito a processo judicial, que poderá definir multas, medidas compensatórias ou até a reconstrução do bem como se encontrava na data do tombamento, de acordo com a sentença final do processo.

O Pró-Memória explicou ainda que o proprietário que fizer alteração sem autorização será advertido e notificado para a regularização da estrutura. Caso o procedimento não seja efetuado, o proprietário sofrerá sanções e multas, conforme a natureza da infração.

PREFEITURA

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (Sedet) informou que a fiscalização dos prédios históricos de Maceió é feita rotineiramente para garantir a sua preservação.

Ainda segundo o órgão, de acordo com a legislação, os prédios históricos não podem ter a fachada modificada ou derrubada, mesmo pelos proprietários, a não ser em casos autorizados pelos órgãos responsáveis, pois cada situação do bem cultural é específica.

A Sedet disse ainda que a fiscalização também pode ser feita pela população e que o cidadão pode fazer denúncias sobre eventuais danos para agilizar as notificações, já que a legislação prevê penalidades em caso de descaracterização. As denúncias podem ser feitas diretamente na secretaria ou pelo telefone 3315-4747.

APLICATIVO

A arquiteta e urbanista, Karla Rachel Calheiros desenvolveu um aplicativo onde os cidadãos podem denunciar irregularidades em prédios históricos de Maceió. O aplicativo ‘Fiscalize Já’ ainda está em estudo mais já funciona em Android. De acordo com a arquiteta, ele funcionará como mais um mecanismo de ajuda na conservação do patrimônio histórico de Alagoas.

“O aplicativo é bem simples. As denúncias podem ser feitas de forma anônima pelo cidadão. Ele pode enviar até quatro fotos e dizer o tipo de denúncia. Ela será enviada automaticamente para os órgãos responsáveis. O objetivo do App é justamente mostrar os prédios descaracterizados ou em ruínas. Ele já funciona em Android”, explicou Karla.