Cidades

Mães ressurgem após a dor

Desafios de ter um bebê com microcefalia são superados diariamente por mulheres determinadas a vencer tudo pelo amor

Por Evellyn Pimentel/Tribuna Independente 13/05/2017 10h00
Mães ressurgem após a dor
Reprodução - Foto: Assessoria

A definição do que é ser mãe vai além dos limites convencionais para Iris Morgana, Edineide de Olivera e Ivonete Torres. Estas três mulheres tiveram que aprender a lidar com a chegada de bebês com microcefalia relacionada à zika em suas vidas e descobriram que o amor materno “tudo sofre, tudo espera, tudo crê, tudo suporta”.

Para Edineide de Oliveira, de 22 anos, mãe da pequena Maria Olívia de 1 ano, o amor de mãe é como o mito da fênix, se aperfeiçoa em meio as cinzas e ressurge ainda mais forte. A dona de casa conta que teve uma gestação tranquila, embora tenha apresentado sintomas de zika e, apenas no nascimento, descobriu que a filha tinha microcefalia.

“Para mim foi um choque. Eu não aceitei. Eu precisei de um psiquiatra, eu fiquei só pensando no que as pessoas iam dizer, que iam mangar da minha filha por conta do problema. Que não queria que ela tivesse nascido assim, eu não queria aceitar”, detalha a mãe da pequena Maria Olívia.

Edineide mora em Anadia e já tinha outro filho, José Edvaldo, de 4 anos. Ela conta que Olívia precisou ficar internada e foi aí que começou a entender que a filha precisava dela.

“Ela ficou internada aí eu fui vê-la e depois aceitei porque ela é minha filha, tem coisas piores que poderiam ter acontecido com ela. Ela foi a coisa mais importante que Deus colocou na minha vida, ela e meu outro filho”.

Hoje, Edineide fala que se considera uma mãe melhor. Duas vezes por semana ela sai de Anadia e passa as tardes na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Maceió (Apae) fazendo o tratamento da menina que inclui sessões de fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional.

Para a mãe, exercitar a paciência e o carinho com Olívia ajudou também no relacionamento com o filho mais velho.

“Eu não tinha paciência com ele [José Edvaldo]. Era muito estressada. Aí tive que aprender a ter paciência com ela por causa do tratamento e melhorei com ele também. Ele me ajuda com ela quando vê ela chorando. Briga comigo. Mudou muita coisa na minha vida, mas foi para melhor”, diz.

Com Iris Morgana, de 25 anos, o choque não foi diferente. Mesmo sabendo aos sete meses de gestação que a filha teria dificuldades, ela conta que viveu momentos de angústia quando Maria Vitória nasceu.

“Tive zika aos dois meses e descobri que Vitória tinha microcefalia aos sete meses. Aí eu fiquei desesperada. Tava um surto e ninguém sabia o que ia acontecer realmente com ela. A sensação foi muito diferente, estranha. Quando olhei para ela e vi que a cabecinha era tão pequena, que ela era tão pequena, confesso que me assustei. Nunca imaginei passar por isso”, detalha.

Iris revela que tem aprendido todos os dias a amar a filha. Mãe de outras duas crianças, Yasmin de 6 anos e Yago de 4, o Dia das Mães este ano para ela vai ser ainda mais especial. “Hoje é só amor e a cada dia que passa eu amo mais ainda. Hoje o meu Dia das Mães vai ser mais feliz. Passar o Dia das Mães com a minha filha que foi um presente de Deus. Eu só tenho a agradecer por ela”, explica emocionada.

Qual o resultado da equação amor multiplicado por dois? Para Ivonete Torres é ser avó da Lorena de 1 ano e 4 meses. Ivonete é quem acompanha o tratamento da neta e dá o suporte em casa, já que a mãe da menina engravidou pouco tempo depois que Lorena nasceu e fica impossibilitada de levar as duas crianças.

“Minha nora teve o primeiro filho, mas ele faleceu. Na segunda gravidez, da Lorena, aos sete meses foi descoberto. Nós ficamos sabendo depois, eu e meu esposo, e contamos para nosso filho, pai da Lorena. Minha nora quando soube ficou em pânico. Pouco tempo depois que ela nasceu [Lorena] minha nora engravidou outra vez. Ela é uma mãe especial e eu sou uma avó especial, uma avó-mãe”, resume.

Ao falar da menina Ivonete escancara o sorriso no rosto e logo vêm as lágrimas nos olhos. A avó-mãe comemora a vida da neta. “Então Lorena veio, muito linda, dos olhos azuis. Tudo na minha vida mudou. Veio perdão, amor demais. A Lorena é uma benção na família. Ela não é uma criança especial, ela é especial para mim”.

ENFRENTANDO A DOR

“Elas vivem uma espécie de luto com a notícia”, diz psicóloga.

A psicóloga Nair Costa da Mata, coordenadora do Programa de Intervenção Precoce da APAE (Pipa) explica que as mães de bebês com microcefalia passam por uma espécie de luto quando recebem a notícia. Lidar com a dor, segundo ela, é indispensável para prosseguir o tratamento das crianças.

“Quando chega um bebê na família com essa dificuldade é um choque. O primeiro momento é realmente muito difícil porque a rotina daquela mãe acabou. A criança precisa de mais cuidados, de mais tempo dedicado. A vida delas muda por completo”, destaca.

“Na verdade essas mães têm uma diferença muito grande das outras. Quando a mulher engravida ela sonha com um bebê que pareça com o pai e com ela mesma. Quando chega um bebês com dificuldade é um choque. É um luto mesmo porque aquela criança que ela estava esperando não chegou. No primeiro momento existe a rejeição, que é natural”.

Janaína de Alencar, coordenadora de psicologia da Apae reforça que essas mães precisaram aprender a lidar com a frustração para conseguirem cuidar de seus filhos.

“Precisa ser vivenciado esse luto. Ela cria um sonho. A mãe gera uma expectativa do filho, sobre a aparência física, sobre o futuro, sobre o que ela vai ser. E quando a mãe se depara com a situação que o filho não vai ser realizador do tão esperado sonho dela, existe um luto. O sonho é quebrado. Ela tem que vivenciar esse luto para poder ter uma boa relação com a criança. Através desse luto bem resolvido é que ela consegue lidar com a realidade não esperada”, acrescenta.

Apesar disso, as mudanças na rotina são inevitáveis. Acostumar a mãe e a família ao tratamento das crianças é um trabalho árduo, revela Nair. Para a psicóloga a mãe é peça chave na evolução no desenvolvimento dos bebês com microcefalia.

“O objetivo inicial do Pipa é trabalhar diretamente com  a mãe para que ela faça em casa esses estímulos. Todo atendimento é com a mãe na sala. O maior objetivo é esse porque a mãe fica o maior tempo em casa com a criança e é quem faz o tratamento evoluir. O importante é que a mãe não se sinta obrigada, para que o momento seja prazeroso tanto para ela quanto para a criança. Se ela for fazer afobada, cheia de coisas para fazer, não adianta. É preciso reservar um tempo para isso, é o que nós explicamos para essas mães”, ressalta.

Alagoas tem atualmente 90 casos de crianças com microcefalia relacionada ao vírus zika, segundo dados Secretaria de Estado da Saúde (Sesau). Foram notificados 376 casos e 51 permanecem em investigação, enquanto 235 já foram descartados. (E.P.)