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Depoimento especial ajuda a combater abuso sexual infantil

A iniciativa dos juízes foi apresentada durante o workshop “Um debate sobre a proteção integral da infância e da juventude”

21/06/2017 08h36
Depoimento especial ajuda a combater abuso sexual infantil
Reprodução - Foto: Assessoria

O depoimento especial, que consiste na escuta humanizada de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, tem sido usada estrategicamente para o combate e a prevenção do problema no Estado do Pará. A técnica passou a ser obrigatória com a Lei n. 13.431/2017, sancionada no último dia 4 de abril, e já vem sendo adotado amplamente pelos juízes brasileiros com base na Recomendação 33/2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A iniciativa dos juízes foi apresentada durante o workshop “Um debate sobre a proteção integral da infância e da juventude”, nesta terça-feira (19/6), em Belém/PA, realizado pelo CNJ.

A cidade paraense de Abaetetuba, que possui 82 ilhas, foi a primeira comarca da Região Norte do Brasil a realizar o depoimento especial de crianças vítimas de abuso sexual. No depoimento especial, a escuta só pode ser realizada uma vez, impedindo, dessa forma, a revitimização da criança, que não precisa reviver repetidamente o seu trauma.

Nos últimos anos, com base na recomendação do CNJ, a técnica tem se expandido e, pelo menos, 23 tribunais de Justiça já contam com salas de depoimento especial. No caso do juiz Delmar Barroso, da 3ª Vara Criminal de Abaetetuba/PA, a utilização da técnica começou em 2015 quando foram realizadas escutas de 45 crianças vítimas de abuso na cidade. De acordo com ele, 81% das vítimas é do sexo feminino, 98% está na faixa entre 10 e 14 anos e, em metade dos casos, o agressor está dentro da família.

Para incentivar a denúncia de casos de abuso – de acordo com Barroso, apenas 10% dos casos de abuso chegam às autoridades – o magistrado fez uma parceria com as escolas, capacitando professores para a identificação e escuta das crianças vítimas de violência sexual. “Se a criança conta para a professora, tem mais chance de a denúncia ir adiante do que se contar para um familiar, já que a professora não tem vínculo com o abusador”, diz. O juiz criou uma revista em quadrinhos no estilo mangá, distribuída nas escolas, que narra a história de uma criança abusada e indica os passos para denúncia do crime.

Exploração sexual na Ilha do Marajó

Em 2010, um repórter da Rede Globo foi à Portela, um dos 16 municípios da Ilha do Marajó/PA, investigar a exploração sexual de crianças, e perguntou a uma senhora por quanto ela venderia sua filha de 17 anos. A resposta foi: R$ 700. Olhando para outra criança, de cerca de dez anos, o repórter perguntou quanto ela cobraria para ele e um amigo passarem a noite com a criança e a mulher respondeu que por R$ 10 ou duas cervejas.

Quem conta a história é Dom José Luiz Azcona Hermoso, da Prelazia do Marajó, organismo que atua no combate da exploração sexual de crianças e adolescentes e do tráfico de pessoas no Pará e em Macapá/AP. “Há insuficiência de mecanismos de proteção para o público infanto-juvenil e quilombola nessas cidades. Em uma delas, o juiz deixou de atender a casos de abuso e exploração sexual infantil por 14 meses porque não havia promotor, e outra, com uma população de 20 mil habitantes, ficou sem delegado por oito anos”, diz Dom Azcona.

Melgaço é não somente a cidade mais pobre do Marajó como possui o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil – 50% da população é analfabeta e mais da metade vive com renda per capita inferior a meio salário mínimo. Segundo Dom Azconi, é muito comum encontrar em Melgaço crianças e adolescentes circulando entre os barcos, ambiente em que acontece a exploração sexual, muitas vezes em troca de restos de comida. “Uma sociedade que não é capaz de, pelo menos, defender as suas crianças e os seus jovens não tem futuro nenhum e não tem mais sentido na história”, diz Dom Azconi.

Saiba aqui como funciona o depoimento especial.

Cadastros para infância e juventude

O workshop de Belém é o terceiro evento realizado este ano com o objetivo de colher sugestões para melhoria do Cadastro Nacional da Adoção (CNA), do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA) e o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL). Todos eles são mantidos pelo CNJ e alimentados por juízes das varas de infância e juventude das cinco regiões do país.

O primeiro workshop ocorreu em Maceió/AL, em abril, durante o XX Fórum Nacional da Justiça Juvenil (Fonajuv) e, o segundo, no Rio de Janeiro/RJ, em maio, como parte do III Encontro Nacional da Justiça Protetiva. Ainda serão realizados eventos semelhantes em Curitiba/PR e Brasília/DF.

 

Luiza FarielloAgência CNJ de Notícias