Saúde

Inclusão de práticas terapêuticas no SUS divide opiniões

Entidades médicas criticam decisão do Ministério da Saúde; já para terapeutas benefícios são perceptíveis

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 17/03/2018 11h39
Inclusão de práticas terapêuticas no SUS divide opiniões
Reprodução - Foto: Assessoria
O Ministério da Saúde (MS) anunciou esta semana a inclusão de 10 novas Práticas Integrativas e Complementares (PICs) no atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Isto significa que estados e municípios receberão investimentos para desenvolver atividades consideradas terapêuticas. Com elas, atualmente 29 práticas terapêuticas estão incluídas na assistência do SUS. Em Alagoas, conforme o Ministério da Saúde, 73 municípios já realizam alguma destas terapias nos pacientes da rede pública. O problema é que o fato acendeu polêmica entre os profissionais que realizam as terapias e entidades médicas. A crítica gira em torno da comprovação científica dessas terapias e principalmente, a viabilidade financeira, tendo em vista o congelamento dos gastos com Saúde pelos próximos 20 anos. Para o presidente do Conselho Regional de Medicina em Alagoas (Cremal), Fernando Pedrosa  não há resultados científicos que justifiquem a utilização das PIC’s pelo SUS. A medida é parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde que existe desde 2006 e serve, segundo o Ministério, como estímulo às atividades terapêuticas. “Nós somos contrários e a razão disto é que não tem comprovação científica de que essas práticas trazem benefícios ao paciente. Outro ponto é que investir nisso significa desprendimento de recursos destinados ao pagamento dessas práticas que não há comprovação de que trarão qualquer benefício ao paciente”, critica o médico. Pedrosa questiona ainda o posicionamento do Ministério, tido como controverso na aplicação dos recursos. “Se o SUS já vive combalido da falta de recursos, isso vai acarretar em menos recursos para nascimento de bebês, para assistência básica. Os recursos são finitos. Não existem recursos que se multipliquem e se esse dinheiro está sobrando é porque o Ministério da Saúde e o Governo não estão honrando com a boa medicina. Porque se estão se dispondo a pagar o que não é comprovado cientificamente é porque o dinheiro está sobrando. E se está sobrando porque a saúde está tão ruim?”, argumenta. SINMED “É jogar dinheiro num ralo sem fim”, diz médico O Conselho Federal de Medicina (CFM) se posicionou contrário à decisão do órgão governamental, alegando falta de prioridades nos recursos do SUS. Posicionamento adotado também pelo Sindicato dos Médicos de Alagoas (Sinmed/AL) que se diz contrário à inclusão. Para o presidente da entidade, o médico Wellington Galvão, o investimento nesta área é comparado a ‘jogar dinheiro no ralo’. “Nós acompanhamos o Conselho Federal de Medicina, que tomou uma posição muito clara: Nós somos contra esse tipo de coisa. Está precisando se investir muito em saúde neste país e não se aplica. O SUS, com as deficiências que tem, onde as pessoas morrem sem assistência por falta de investimentos, aí se investir em práticas que não têm comprovação científica? Na realidade é jogar dinheiro em um ralo sem fim, quando na realidade deveria estar se aplicando em terapêuticas que têm comprovação científica”, diz. O médico é crítico ferrenho das terapias e afirma que outras necessidades, como o incentivo à pesquisa médica tradicional deveriam receber prioridade do Ministério. “Entendemos que essa é uma decisão absurda do Ministério da Saúde, do ministro, seja lá quem for. Absurdo e não tem respaldo nenhum. A medicina é dinâmica e os procedimentos e práticas médicas com comprovação científica estão aí precisando do apoio do ministério e não estão tendo. As pessoas estão morrendo, sem radioterapia, quimioterapia, medicação, faltando assistência e o Governo gasta dinheiro com baboseira, com publicidade e propaganda enganosa para a população. Isso é para enganar o povo, é mais uma atitude absurda e enganosa, onde práticas não comprovadas vão ser bancadas com o dinheiro público. Isso é para diluir o dinheiro público em coisas que não têm sentido”, reclama. MESTRE EM ENFERMAGEM “Existem evidências que comprovam a eficácia” No outro lado das discussões, há os profissionais que realizam e defendem as terapias.  É o caso da professora Vívian Silva, mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal). “Na realidade, nas práticas integrativas a gente traz evidências científicas na comprovação do uso dessas práticas. Não é balela, não é somente um saber popular, são coisas baseadas em evidências, testes laboratoriais. O problema é que a indústria farmacêutica não quer que isso dê certo e tem também as outras linhas que tentam ofuscar as coisas boas que as PIC’s trazem. Que são coisas tão simples, disponíveis na natureza, que não geram custos, efeitos colaterais e a gente está conseguindo em laboratório comprovar a eficácia e eficiência”, rebate. Vívian também é idealizadora de um projeto de saúde mental voltada para discussão e realização das terapias. Para ela, os benefícios vão além dos tratamentos, porque servem como prevenção. “O SUS em relação a ele abarcar as PIC’s, se você trabalha bem a promoção e proteção da saúde você reduz nos tratamentos, na quantidade de medicação, em tratamentos de alta complexidade que são caros, só que como todo sistema existe essa dificuldade para incorporar, principalmente no início”, pontua. Segundo o Ministério da Saúde, evidências científicas têm comprovado a eficácia dos tratamentos integrados, que é a junção da medicina convencional com as terapias. “Evidências científicas têm mostrado os benefícios do tratamento integrado entre medicina convencional e práticas integrativas e complementares. Além disso, há crescente número de profissionais capacitados e habilitados e maior valorização dos conhecimentos tradicionais de onde se originam grande parte dessas práticas”, pontua o órgão. Em relação a questão financeira, o Ministério diz que os recursos para as atividades são enquadrados pelo piso da atenção básica. “Na Atenção Básica, o pagamento é realizado pelo piso da atenção básica (PAB) fixo (per capita), ou por PAB variável, que corresponde ao pagamento por equipes de saúde da família, agentes comunitários e núcleos de saúde da família, ou ainda o programa de melhoria do acesso e da qualidade (PMAQ). Dessa forma, os procedimentos ofertados através da Portaria nº145/2017 estão dentro do financiamento do PAB e não geram recursos por produção”, esclarece. MINISTÉRIO DA SAÚDE Alagoas registra mais de 2,5 mil atendimentos em 2017 De acordo com o Ministério da Saúde, em Alagoas, apenas no ano passado haviam sido registrados mais de 2,5 mil atendimentos individuais envolvendo as terapias na rede de atenção básica. Ainda conforme o órgão, as práticas integrativas e complementares que já eram oferecidas no Sistema Único de Saúde são: ayurveda, homeopatia, medicina tradicional chinesa, medicina antroposófica, plantas medicinais/fitoterapia, arteterapia, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa, termalismo social/ crenoterapia e yoga. A Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) informou que cabe aos municípios executar as terapias complementares na atenção Básica, por meio de ações de promoção da saúde. “Um dos exemplos pode ser verificado no Posto de Atendimento Médico (PAM) Salgadinho, localizado no bairro Poço, em Maceió, mantido pela Secretaria de Saúde Municipal e que oferece aos usuários dos serviços de saúde o Programa de Homeopatia, sistema medicinal alternativo que contempla a totalidade do ser humano, em vez de tratar doenças isoladas”, esclarece o órgão. Os serviços são disponibilizados à população por meio de marcação de consultas pelo Complexo Regular da Assistência (Cora), mediantes encaminhamento médico. Em Maceió, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), iniciou as discussões em torno da adoção das práticas integrativas. A unidade do PAM Salgadinho é exemplo disso e a partir deste fim de semana realizará eventos com as novas práticas. “Na realidade a gente desenvolve no grupo de saúde do servidor e essas práticas já eram desenvolvidas no atendimento ao servidor, não da população. E agora a gente vai realizar voltado para a população, o primeiro evento neste sábado (17) e no outro sábado direcionado para a mulher. Amanhã vamos realizar meditação, yoga, massoterapia e constelação familiar”, diz a diretora médica da unidade Marluce Moura. Moura destaca ainda que os benefícios são perceptíveis, principalmente em doenças crônicas ou em estado avançado. “Existem muitos benefícios, a gente sempre teve servidores bem comprometidos e junto com seus tratamentos iniciaram as práticas e tiveram resultados positivos. Temos alas para diversos tipos de tratamentos, que realmente precisam de uma prática como essas, então tudo isso é benéfico. Elas entram como complemento ao tratamento”. Apesar disso, na opinião da diretora médica ainda falta respaldo científico, por isso a posição contrária do CFM. “O Conselho Federal de Medicina questiona, não a prática integrativa, mas a necessidade de implantar na nossa realidade. Infelizmente não existe nada científico, porque ainda ninguém enveredou por esse caminho de trabalhos científicos, para poder fazer estudo detalhado para ter essa visão”, afirma.