Saúde
Soropositivo relata convivência com a Aids, o preconceito e a discriminação
"As pessoas ainda se afastam daqueles que têm Aids", conta alagoano que convive com a síndrome há 12 anos
Tudo começou com uma diarreia que ultrapassou semanas, e neste tempo, ele emagreceu 11 quilos. Preocupados, seus amigos o levaram para ser atendido no Hospital Hélvio Auto, onde precisou ser internado. Entre os exames pedidos, o de HIV. Passado alguns dias, viria o resultado positivo para o vírus causador da Aids.
“Entrei rapidamente no hospital porque, se demorasse um pouco mais, eu poderia chegar ao local sem vida. Minha situação naquele momento era muito grave”, lembra.
Com a confirmação do diagnóstico, sua primeira reação foi ficar triste e com muito medo, mas logo procurou um psicólogo para esclarecer suas dúvidas. A busca por informação lhe deu segurança para contar à família e aos amigos mais próximos sobre o estado de sua saúde.
Esse diálogo, segundo ele, que já é complexo, podia se converter em algo muito complicado se não fosse bem administrado. O temor da rejeição lhe causava pânico.
No início, a família e os amigos estavam à frente de tudo, pois achavam que a doença era o fim da vida. Contudo, quando perceberam que Bento conseguia tomar a medicação e adaptar-se à nova realidade, resolveram se afastar, um a um.
“Nos locais onde eu tinha livre trânsito, hoje percebo que há olhares de pura recusa e de condenação. Não posso compartilhar do mesmo banheiro, da mesma xícara, ou de certas brincadeiras que antes me deixavam feliz. As pessoas ainda acham que um doente de Aids tem lepra, capaz de ser contagiosa, tirar a sensibilidade, deixar marcas, separar as pessoas e cheirar mal”, desabafou.
“Eu andava numa casa em que tomava café em xícaras de porcelana e bebia água em taças de cristais; mas, depois que contei para a pessoa ser soropositivo, ela simplesmente passou a servir as bebidas em copos descartáveis, alegando economia”, contou.
De acordo com ele, durante os seus relacionamentos raramente fazia sexo com proteção. Das vezes em que Bento diz ter se exposto ao risco de pegar HIV foi por confiar nos parceiros.
“Acredito que o meu ex-namorado era portador do HIV/Aids. Nosso relacionamento sempre foi baseado na comunicação e no respeito de ambas as partes. O motivo dele não ter contado nada para mim foi por medo de não aceitá-lo”, disse, ao revelar que o companheiro faleceu cinco anos após descobrir a doença, porque nunca quis aderir ao tratamento.
Para Bento, um dos principais desafios de um soropositivo são, principalmente, trabalho e relacionamento. No começo, ele chegou a ficar preocupado como seria sua vida com a síndrome e até que ponto ela iria adiante. Pensou muito sobre como iria se sustentar e ter estabilidade financeira.
Hoje, aos 50 anos, ele diz que é preciso ter uma regra de cuidados com a saúde, sobretudo com a ingestão dos medicamentos e da alimentação equilibrada.
“O tratamento avançou e colaborou para melhorar a qualidade de vida do paciente. Antigamente, as pessoas tomavam 30 comprimidos por dia. Eu tomo apenas três, mas os efeitos colaterais são fortes, especialmente no começo do tratamento. Às vezes eu observo que o meu glúteo está normal, mas outras vezes, não”, contou, ao acrescentar que a lipoatrofia (perda de gordura subcutânea, ou seja, a que se encontra logo abaixo da pele, podendo afetar todo o corpo, mas, em geral, é mais visível nas pernas, braços, nádegas e, principalmente, no rosto) tem um impacto importante na qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/Aids, causando-lhes problemas físicos, psicológicos e sociais.
Após a morte de seu companheiro, ele não teve mais um relacionamento duradouro. Tentou iniciar alguns namoros, mas que não foram para frente.
“Eu passei a ter mais cuidado com meus relacionamentos hoje em dia, principalmente pelo fato de revolta ou algo parecido. Inclusive, o risco de contrair uma DST é alto, devido à imunidade de um soropositivo ser muito baixa. Chega uma fase da intimidade do casal que é preciso revelar que é portador da doença, porque existem algumas fantasias que não envolvem somente a camisinha. No entanto, há pessoas que não conseguem ‘bancar’ essa situação”, disse. “Atualmente, estou solteiro, mas continuo tentando e uma hora dá certo”, acredita.
“Os jovens de hoje acham que estão imunes à contaminação. E, se contraírem o vírus, acreditam que é só tomar os remédios e levarão uma vida normal. E não é assim. Nunca é demais dizer que a melhor forma de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, como a do vírus HIV, é o sexo seguro, e para isso, o uso de preservativo é fundamental. Hoje, eu sei bem que não dá pra brincar com a saúde”, reconheceu, ao lembrar do antigo slogan de campanhas anteriores “Viver com Aids é possível. Com o preconceito não”.
A falta de humanismo e solidariedade mata
Para Simone Manzoni, psicóloga do programa DST/Aids da Sesau, o que se verifica na fala de Bento é que, apesar da identificação de sua luta para enfrentar a doença, o preconceito, a exclusão e o abandono vividos, geraram mais sofrimento psíquico do que propriamente estar com a síndrome. “A sua dignidade foi intensamente afetada. Bento passou a ser algo descartável e dispensável para a sociedade”, observou a psicóloga.
(Foto: Carla Cleto / Agência Alagoas)
De acordo com Simone Manzoni, um ambiente familiar amoroso, a presença dos amigos e o acolhimento dos serviços de referência são essenciais para a estabilização da saúde do portador do vírus HIV. “A discriminação é cruel e desumana e, portanto, deve ser combatida”, ressaltou.
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