Política

Defensor público é afastado de coordenação do Núcleo de Direitos Humanos

Ricardo Melro tem se destacado na defesa dos direitos humanos em ações que cobram responsabilidade da Braskem devido ao afundamento do solo

Por Thayanne Magalhães - repórter / Tribuna Independente 07/08/2025 07h54 - Atualizado em 07/08/2025 17h19
Defensor público é afastado de coordenação do Núcleo de Direitos Humanos
Ricardo Melro garante que a sua autonomia nas ações não será prejudicada; Defensoria diz que decisão não compromete atuação do órgão - Foto: Edilson Omena

O defensor público Ricardo Melro confirmou que foi afastado da coordenação do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de Alagoas, por decisão do defensor público-geral, Fabrício Leão Souto, mas afirmou que continua responsável pelas ações relacionadas ao caso Braskem, empresa acusada pelo afundamento do solo nos bairros do Farol, Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto.

A alteração administrativa envolveu também a retirada de três defensores que prestavam apoio direto ao trabalho. Em contato com a reportagem da Tribuna Independente, Ricardo Melro disse não admitir interferências em sua atuação, e que estará sempre ao lado da população que foi prejudicada para garantia de seus direitos.

“Sobre o desmonte no Núcleo, ele [Fabrício Leão Souto] me tirou da coordenação, mas sigo no caso Braskem porque sou o titular e continuo com todas as ações. O que ele fez foi retirar os três colegas que davam apoio e não eram titulares”, disse Melro.

O defensor público ressaltou que o momento da mudança gerou interpretações sobre o contexto. “O mais infeliz foi o momento. Pela manhã, anunciamos a apresentação da pesquisa; à tarde, veio a portaria. Soa, para todos, como retaliação”, afirmou.

Melro destacou, ainda, que a sua maior preocupação não é a função de coordenação, mas o que considera uma falta de apoio institucional para a condução das atividades. Ele citou a ausência de divulgação oficial sobre o caso e dificuldades para viabilizar a vinda de pesquisadores de outros estados, superadas com apoio do governo estadual.

“Apesar disso, sigo com minha independência funcional. Não admito interferência — seja de grandes ou pequenas autoridades. Se alguém se incomoda com minha forma de trabalhar, lamento. Vou continuar atuando da maneira que entendo ser a melhor para proteger a população”, declarou.

Nesta sexta-feira (8), o defensor público Ricardo Melro vai apresentar um novo estudo internacional sobre o afundamento de bairros de Maceió causado pela exploração de sal-gema pela Braskem. A pesquisa reúne análises técnicas e conclusões de especialistas estrangeiros sobre os impactos ambientais, sociais e econômicos do desastre, apontando riscos e recomendações para a reparação e prevenção de danos. O trabalho será divulgado em audiência pública, com participação de representantes da sociedade civil, autoridades e pesquisadores.

‘REPÚDIO À LISURA’

Em nota, a Defensoria Pública do Estado de Alagoas informou que as funções administrativas alteradas são cargos de confiança e de livre exoneração e nomeação, não comprometendo, em hipótese alguma, a atuação da instituição nas demandas relacionadas ao caso Braskem.

A instituição afirmou repudiar “qualquer insinuação ou ato que coloque em dúvida a lisura, a transparência e a competência” de seu trabalho, reforçando que atua de forma técnica e ética na defesa dos direitos da população alagoana, especialmente de pessoas em situação de vulnerabilidade.

A Defensoria destacou que a força-tarefa criada para tratar do caso Braskem “permanece intacta, com os mesmos membros atuando diariamente de forma técnica e incisiva” e que o trabalho em defesa da população segue “sério e contínuo”.

O órgão também informou que, quanto à solicitação de uso de recursos públicos em benefício de terceiros, foi aberto processo administrativo (SEI n.º 12070.0000001817/2025) e solicitada justificativa, que até o momento não foi apresentada.

A nota da Defensoria conclui reafirmando o compromisso da instituição com os princípios constitucionais que regem a administração pública e a defesa dos direitos da coletividade.

Mudança na Defensoria Pública ocorre às vésperas de apresentação de novo estudo internacional sobre desastre da Braskem.

Movimento diz que alteração da Defensoria é “tentativa de silenciamento”

A decisão da Defensoria Público do Estado em afastar o defensor Ricardo Melro da coordenação do Núcleo de Direitos Humanos tem repercutido desde a última terça-feira (5). A coordenadora estadual do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Neirevane Nunes, avaliou como arbitrária a decisão de retirar o defensor público Ricardo Melro da coordenação do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de Alagoas.

Para ela, a medida não tem justificativa e representa “mais uma tentativa de silenciamento das vítimas do crime da Braskem”, com o objetivo de enfraquecer as ações da instituição no caso.

Segundo Neirevane, a Defensoria Pública tem sido “a única instituição que, de fato, se empenhou na defesa dos direitos dos atingidos”. Ela também fez críticas ao relatório técnico elaborado pelo Comitê de Acompanhamento e Transparência (CAT), apontando o que considera lacunas na metodologia e na divulgação dos dados.

Entre as questões levantadas, está a ausência do protocolo utilizado para diferenciar fissuras e rachaduras de origem construtiva daquelas provocadas pela subsidência do solo. Neirevane afirmou que não foram apresentados os dados brutos para auditoria, nem os interferogramas originais e séries temporais, além da falta de margem de erro no uso dos equipamentos.

A dirigente questionou também qual foi a amostragem utilizada, destacando que o relatório informa 293 pontos vistoriados, mas sem esclarecer o critério de seleção ou o número total de imóveis em cada Área de Trabalho (AT).

Outros pontos citados foram a ausência de perfis de subsolo e informações sobre a variação do lençol freático, a periodicidade semestral das leituras das fissuras sem correlação com outros dados de campo, e a falta de integração no monitoramento. Ela também cobrou a inclusão de estudo pluviométrico, a análise da vulnerabilidade da população e a elaboração de um plano de ação emergencial, com base no princípio da precaução.

Por fim, Neirevane destacou a necessidade de transparência e defendeu que o trabalho seja submetido a auditoria externa, medida que, segundo ela, não consta no relatório divulgado recentemente.

AFUNDAMENTO DO SOLO

Em 2019, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) concluiu que a principal causa para o surgimento das rachaduras nos bairros do Pinheiro, Mutange e Bebedouro é atividade da Braskem na região para extração de sal-gema, um tipo de cloreto de sódio utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC.

O problema começou em fevereiro de 2018, após fortes chuvas e um tremor de terra. Desde então, a situação só se agravou, obrigando centenas de famílias a deixarem suas moradias por causa dos riscos de desabamento.

Segundo o relatório, a exploração de sal-gema, feita de forma inadequada, desestabilizou as cavernas subterrâneas que já existiam nos bairros, causando o afundamento do solo e, consequentemente, as rachaduras.