Política

Justiça manda Braskem pagar indenização a morador do Flexal

Juíza deu ganho de causa a comerciante, mesmo ele residindo numa área colocada fora do mapa de risco

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 10/07/2024 08h22 - Atualizado em 10/07/2024 09h07
Justiça manda Braskem pagar indenização a morador do Flexal
Justiça de Alagoas condenou Braskem a pagar indenização a morador do Flexal pela desvalorização do imóvel com a mineração - Foto: Edilson Omena

A juíza Eliana Normande Acioli, da 8ª Vara Cível da Capital de Alagoas, condenou a Braskem a pagar uma indenização ao comerciante Valdemir Alves dos Santos, pela desvalorização da sua casa localizada no Flexal de Cima, além de R$ 20 mil por danos morais. O valor perdido com a desvalorização do imóvel será estabelecido por peritos credenciados pela Justiça. A Braskem ainda não se manifestou, se vai recorrer ou acatar a decisão judicial.

Para as advogadas do Valdemir, a decisão é importante porque encoraja das vítimas da mineração e cria condições para outros moradores – que residem ou residiam fora do mapa de risco da Defesa Civil de Maceió – serem indenizados pela mineradora.

“Essa decisão abre um precedente importantíssimo. Até hoje a Braskem se segura dizendo que os Flexais não foram afetados pela subsidência do solo, mas foi sim. A área além de possuir inúmeras rachaduras, ficou isolada, sem serviços público, sem condições os moradores que comercializam na região pudessem manter seus negócios informais, pois todos os bairros adjacentes foram desocupados”, comentou a advogada Josefa Nakatani.

Segundo ela, essa decisão é primeira decisão judicial que reconhece o direito de um morador das bordas da área de risco delimitada pela Defesa Civil Municipal. “E veio de uma juíza estadual, diferente do juiz da 3ª Vara Federal. Foi uma grande vitória ao nosso ver”, acrescentou.

Questionada sobre a possibilidade da Braskem recorrer da decisão, a advogada que se for preciso também irá recorrer, para conquistar outros direitos do seu representado. “Nossos clientes merecem mais. Tenho certeza que eles irão recorrer, mas nós também”, revelou Josefa Nakatani. Mesmo assim, passível ou não de recurso, a decisão “não deixa de ser uma condenação muito boa”.
O resultado positivo, a advogada Josefa Nakatani dividiu com suas colegas das Waleria Ferreira da Silva e Edvânia Ferreira da Silva, “duas guerreias que atua desde de 2020, com milhares de moradores, numa luta árdua contra a gigante Braskem”.

Procurada para se posicionar a respeito dessa decisão judicial, a mineradora afirmou, por meio da sua assessoria de comunicação, que “só irá se manifestar nos autos do processo”.

Região dos Flexais, em Bebedouro, acabou ficando isolada e moradores não conseguiram realocação (Foto: Edilson Omena)

“Quando a Justiça é justa, não falha, que minha vitória sirva de exemplo”

O comerciante Valdemir Alves, que é militante da causa contra a mineração predatória e integrante do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), disse que recebeu a decisão judicial com alegria e humildade. “Quando a Justiça é justa, não falha. Espero que essa minha vitória sirva de exemplo para outros moradores, principalmente aqueles que não acreditam na Justiça e acham que a nossa luta não vai dar em nada”.

Vendedor ambulante, Alves vendia pipocas, churros e lavava carros na região de Bebedouro. Com o afundamento do solo e a expulsão dos moradores, ele perdeu a clientela e o sossego.

“Além de temer a queda da barreira e conviver com rachaduras dentro de casa, eu fiquei sem o meu negócio, sem os clientes. Com isso, perdi meu ganha pão e passai por dificuldades. Graças a ajuda de amigos, que estão juntos comigo nessa luta, estou conseguindo sobreviver, mas nunca perdi a esperança de vitória”, afirmou ele.

Valdemir disse ainda que estava muito feliz com a decisão judicial. “Foi um resultado maravilhoso. A Juíza entendeu que a Braskem tem que arcar com esse compromisso”, disse o comerciante, em entrevista ao Portal ICL Notícias. Ele sabe que a empresa pode recorrer e levar a disputa a instâncias superiores. “Mas foi um primeiro passo. Muita gente me dizia que levaria uns 15 anos”, comentou.
O comerciante é um dos moradores mais ativos na luta pela indenização justa nos Flexais. Ele desconfia que as câmeras instaladas pela Braskem ao redor de sua casa não são para garantir a segurança no bairro. A promotoria pública já entrou com uma ação para mandar retirar as câmeras alegando que estão ali para intimidar o morador, conforme revelou a repórter Heloisa Vilela, do ICL Notícias.

A advogada Josefa Nakatani afirmou que a Braskem, além de provocar a instabilidade no solo nos bairros que afundam em Maceió, ainda quer monitorar as comunidades isoladas, por meio de câmeras instaladas em locais estratégicos, na região dos Flexais. “Por isso, entramos com uma ação na Justiça pedindo que esse tipo de assédio seja interrompido”, revelou. Como se já não bastasse conviver com rachaduras em suas casas e ver aumentar a desvalorização de seus imóveis, os moradores dos Flexais, Quebradas, Rua Marquês de Abrantes e parte de Bebedouro, ainda estão sofrendo esse tipo de assédio moral, por parte da mineradora. A Braskem é acusada de instalar câmeras para vigiá-los, alegando questão de “segurança” como justificativa.

Maioria dos moradores reivindica a realocação e indenizações (Foto: Adailson Calheiros)

Região fica nas bordas da área do mapa de risco

A maioria dos moradores dessa região, que fica nas bordas da área mapeada pela Defesa Civil de Maceió, reivindica a realocação, com indenizações justas. Mas a Braskem nunca admitiu que a mineração também provocou danos nessas áreas, embora sejam evidentes os sinais dos efeitos deletérios da mineração predatória. Os senadores da CPI da Braskem, quando estiveram em diligência em Maceió, visitam o bairro e viram os estragos deixados pela “lavra ambiciosa”.

Não por acaso, o relator da CPI da Braskem, senador Rogério Carvalho (PT/SE), colocou no relatório final que a Defesa Civil Municipal deveria redefinir o mapeamento feito até então, para incluir outras comunidades no mapa de risco, a exemplo os moradores dos Flexais e de outras localidades, que ficaram de fora da chamada zona de perigo.

O caso

O caso Pinheiro/Braskem tornou-se conhecido após um tremor de terra sentido por moradores de alguns bairros de Maceió, em março de 2018. No Pinheiro, um tradicional bairro da capital alagoana, além dos tremores surgiram rachaduras nos imóveis, fendas nas ruas, afundamentos de solo e crateras que se abriram sem aparente motivo.

Os moradores do bairro relataram que após um forte temporal, em fevereiro daquele mesmo ano, danos estruturais no bairro – que já eram frequentes – começaram a se agravar, culminando no tremor sentido semanas depois.

Naquele momento surgiram as hipóteses de que haveria uma acomodação do solo, bem como, de que a antiga estrutura de esgotamento sanitário poderia ser a causa dos danos na superfície.
Ainda em 2018, foram identificados danos semelhantes em imóveis e ruas do bairro do Mutange, localizado abaixo do Pinheiro e à margem da Lagoa Mundaú; e no bairro do Bebedouro vizinho aos outros dois. Em junho de 2019, moradores do bairro do Bom Parto (vizinho ao Mutange, também à margem da lagoa) relataram danos graves em imóveis.