Política

Suruagy e Afrânio Lages abriram portas de Maceió à mineração

No artigo “Cidade, capitalismo e sofrimento”, pesquisadoras da Ufal confirmam história da indústria química na capital

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 26/03/2024 08h59 - Atualizado em 26/03/2024 15h54
Suruagy e Afrânio Lages abriram portas de Maceió à mineração
Salgema em Maceió fazia parte do Plano Nacional de Desenvolvimento, aprovado durante governo militar do presidente Ernesto Geisel - Foto: Reprodução

No artigo “Cidade, capitalismo e sofrimento”, as professoras da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Maria Ester Ferreira da Silva Viegas e Cirlene Jeane Santos Santos, confirmam a participação do prefeito Divaldo Suruagy como um dos responsáveis pela implantação da indústria química em Alagoas.

Foi com base numa autorização de Suruagy, então prefeito de Maceió, que empresário baiano teve acesso, em maio de 1966, ao cadastro predial com as ruas, endereços e nomes dos proprietários de centenas de imóveis nos bairros que afundam, na capital alagoana.

O artigo fala sobre as origens da extração mineral de sal-gema em Maceió e cita o ex-prefeito Divaldo Suruagy e o ex-governador Afrânio Lages como as principais autoridades de Alagoas à frente das tratativas para a instalação da Salgema.

Antes de assumir a Prefeitura, indicado pela Ditadura Militar, Suruagy trabalhou com Afrânio Lages na Companhia de Desenvolvimento Econômico de Alagoas (Codeal), responsável pela aprovação do plano de desenvolvimento econômico e social do Estado.

Anos 70

No artigo, as pesquisadoras afirmam que “a presença da Braskem em Alagoas remonta aos anos 70”.

À época, a empresa, que se instalou no local onde hoje mineradora opera a fábrica no Pontal da Barra, chamava-se Salgema Indústrias Químicas S.A e tinha como mentor o então presidente Ernesto Geisel.

“A Salgema teve o apoio do governo do então general Ernesto Geisel, durante a ditadura militar; nesse período, os Planos de Desenvolvimento eram arbitrários na sua gênese e execução. A indústria química foi utilizada como um dos principais carros chefes dos governos militares no quesito desenvolvimento”, destacaram as pesquisadoras.
Para elas, “o desaparecimento dos bairros incorre no surgimento de mais de 40 mil famílias em situação de deslocados, estes que estão sendo analisados como se fossem deslocados provenientes de um desastre ambiental natural, quando se configura como refugiados do desenvolvimento sócio metabólico do capital”, acrescentaram.

As professoras da Ufal argumentam que o artigo teve como motivação o debate sobre a condição dos deslocamentos populacionais forçados por causas ambientais, denominados “deslocados ambientais”, ou “refugiados ambientais’’, oriundos do processo sociometabólico do capital. Segundo elas, as rachaduras nos imóveis e o afundamento do solo nos bairros do Pinheiro, Farol, Mutange, Bom Parto e Bebedouro, ganharam visibilidade a partir de março de 2018, após uma série de abalos sísmicos.

Um ano depois, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) concluiu em laudo técnico que a principal motivação para o aparecimento das rachaduras era as atividades extrativistas realizadas pela Braskem ao longo de mais de quatro décadas.

“O risco se instalou como normalidade atingindo uma população de mais de 40 mil vítimas em uma tragédia geológica de grandes proporções”, observaram as professoras. “O percurso metodológico partiu do levantamento documental e bibliográfico sobre a temática; observação de campo; e acompanhamento diário dos noticiários e informações gerais sobre o processo de mapeamento e retirada dos moradores”, completaram.

Pinheiro foi onde aconteceram os primeiros abalos da mineração (Foto: Edilson Omena)

Tragédia nos bairros é reflexo do Capital e Estado na alteração do ambiente

Da opinião das professoras da Ufal, Maria Ester Ferreira da Silva Viegas e Cirlene Jeane Santos Santos a tragédia da mineração em Maceió “é uma constatação de como o Estado e o Capital são os dois principais agentes modeladores do espaço, que produzem e reproduzem a segunda natureza”.

“O afundamento dos bairros em discussão é um exemplo claro como a paisagem geográfica da acumulação do capital está sempre em transformação, em primeira medida sob o impulso das necessidades especulativas de maior acumulação, principalmente da especulação imobiliária e só secundariamente devido às necessidades das pessoas”.

INSTALAÇÃO

Segundo as pesquisadoras da Ufal, a instalação da Salgema em Maceió fazia parte do Plano Nacional de Desenvolvimento, aprovado durante o governo militar de Ernesto Geisel; era um dos principais eixos traçados pelos militares para a política industrial no Nordeste.

“A Salgema Indústrias Químicas se começou a operar em 1976, iniciando a produção de soda cáustica a partir do sal-gema, encontrado em grande quantidade nas minas do subsolo de Maceió, sobretudo no bairro do Mutange, sendo uma proposta estratégica do plano desenvolvimentista do regime militar”, destacaram as professoras.

“Em 1995, a Salgema já era responsável por cerca de 40% da produção de soda cáustica e cloro do País. À época da instalação da Salgema em Maceió, gerou conflitos e mobilizou diferentes atores em defesa do seu lugar de moradia”, completaram.

No artigo – apresentado no Simpósio Nacional de Gestão e Engenharia Urbana (Singeurb), realizado em Porto Alegre, no final de 2021 –, as professoras Maria Ester Ferreira da Silva Viegas e Cirlene Jeane Santos argumentam que a instalação da Salgema criava um conflito urbano envolvendo diferentes atores sociais, no caso os moradores do Pontal da Barra, em relação à duplicação do Salgema, na restinga do bairro.

“Em meados de 1980, Maceió tinha em média uma população de 478.345 habitantes, sendo caracterizada como uma cidade de porte médio, capital e sede administrativa do estado de Alagoas, bem como, por ser um entreposto de comercialização da produção agroindustrial do Estado”.

“A proposta da instalação do Polo Cloroquímico no Estado, mas precisamente na área urbana da cidade de Maceió é descrita pelos poderes constituídos como uma grande alternativa de desenvolvimento da economia local, afirmava-se que a integração da indústria sucroalcooleira local à moderna indústria química, causaria um grande impacto na população alagoana, por conta de uma absorção de mão de-obra direta e indireta na ordem de 5.500 a 30 mil pessoas”, argumentaram as professoras”.

“É fato que causou um impacto muito grande na população do estado, com hoje uma população de mais de 40 mil vítimas das rachaduras nos bairros envolvidos nesse crime ambiental descomunal”, acrescentaram.

Tecnoburocracia da petroquímica e governantes na escolha do Pontal da Barra

As professoras afirmaram ainda que, de acordo com as pesquisas que realizaram, a decisão da localização da Salgema na restinga do Pontal da Barra resultou da tecnoburocracia ligada a Petroquímica e do então governador Afrânio Lages, com a implantação e funcionamento se efetivado no governo de Divaldo Suruagy.

“O empreendimento, como já foi citado anteriormente, atendia aos objetivos do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), e se considerou para sua localização, a proximidade da matéria prima no subsolo de Maceió, e a facilidade de escoamento através do porto marítimo”, enfatizaram, concluindo que:

“A instalação da Salgema Indústrias Químicas S.A., na restinga do Pontal da Barra, região Sul de Maceió, à beira mar e próximo ao encontro das águas do mar com a lagoa Mundaú, foi fruto da imposição em pleno regime militar. Não se levou em conta a expansão urbana da capital, o correto zoneamento industrial, o potencial turístico da região e o ecossistema lagunar”.

Como se não bastasse “não houve planejamento, nem observância do conceito de desenvolvimento sustentável. Prevaleceram o custo-benefício dos investidores, a força de Brasília e a cumplicidade das autoridades locais”, afirmaram as professoras, citando o livro do jornalista Joaldo Cavalcante, ‘Salgema: do erro a tragédia’, publicado em 2020.
“A Braskem surge de uma ação organizada da Odebrecht, com compras de ativos em leilões e aquisições de empresas. A Braskem foi criada para aglutinar os investimentos realizados da década de 1990 a 2000 pela Odebrecht, e em um curto espaço de tempo se transformou na maior empresa petroquímica na América Latina”, destacaram.

Atualmente ganhou destaque frente à iminência de um desastre sem precedentes nas terras alagoanas, contudo, desde o período de instalação da empresa que é questionada, não somente em relação a sua localização, mas também em relação aos métodos de extração do Salgema.

As professoras citam uma matéria do jornalista Ediberto Ticianeli sobre os protestos que ocorreram no período de implantação da empresa, e voltavam a acontecer sempre que algum acidente ocorria.

Os mesmos protestos retornaram em 1985, com o “Movimento pela Vida”, em função da proposta de ampliação da capacidade operacional da Salgema. Apesar das manifestações populares, a Salgema teve sua planta ampliada. Três décadas depois, as consequências veem à tona, com os abalos sísmicos de março de 2018.