Política

De Divaldo Suruagy até 2024, são quase 60 anos de mineração predatória em Maceió

Extração de sal-gema foi liberada entre 1965 e 1966, pelo então prefeito da capital alagoana

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 23/03/2024 10h04 - Atualizado em 23/03/2024 10h12
De Divaldo Suruagy até 2024, são quase 60 anos de mineração predatória em Maceió
Fábrica da então Salgema Indústrias Químicas na capital alagoana, no início de sua implantação, no bairro do Pontal da Barra - Foto: Acervo Arquivo de Alagoas

Quem pensava que a sombra da mineração teria tomado Maceió, a partir de 1976 com a inauguração da fábrica da Braskem no Pontal da Barra, vai se surpreender e vê que o buraco é mais embaixo. Tudo começou dez anos antes, entre 1965 e 1966, com Divaldo Suruagy prefeito da capital alagoana. Foi ele quem autorizou as primeiras pesquisas sobre sal-gema nos bairros que hoje afundam em Maceió.

Como se não bastasse, em maio de 1966, Suruagy entregou a relação de todas as ruas, com endereços e nomes dos proprietários dos imóveis, ao empresário baiano Euvaldo Luz, que havia requisitado autorização no então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para pesquisar e explorar cinco lavras de sal-gema, em Maceió. Cada lavra com 500 hectares, indo do bairro do Poço a Bebedouro, passando pelo Farol e Pinheiro. Em atenção ao pedido do empresário baiano Euvaldo Luz, o prefeito Suruagy enviou ao requerente, por meio do ofício de 26 de maio de 1966, “o cadastro predial de várias ruas situadas nos bairros de Bebedouro e Farol”. No entanto, na documentação encaminhada ao empresário no Parque Hotel, onde ele se encontrava hospedado, constam também endereços do Centro, da Levada e do Poço.

Com base nessa documentação, Euvaldo traçou o plano de exploração da área, entre 1967 e 1968, sofrendo pressão para abrir mão das licenças, até ceder as lavras para a Salgema e se associar a ela no final dos anos 60. Essa decisão encontra-se registrada no ofício que Euvaldo protocolou no Ministério das Minas e Energia, em 14 de agosto de 1969, autorizando a Salgema Mineração Ltda a explorar as lavras que ele havia conquistado.

ÍNTEGRA DO DOCUMENTO

“Euvaldo Freire de Carvalho Luz, tendo tido aprovado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral o seu Relatório Único de Pesquisa para sal-gema em Maceió, referente às áreas do Decreto número 999.356, de 4/10/1966 e dos Alvarás números 288, 289 e 291, de 12/12/1967, conforme publicado no Diário Oficial da República em 31 de julho do corrente ano, vem apresentar o plano de bom aproveitamento da jazida e solicitar a emissão - do respectivo Decreto de Lavra, emitido em nome da sua sucessora, Salgema Mineração Ltda. autorizada a funcionar como empresa de mineração, tudo conforme aprovado pelo Alvara n9 778. de 18 de julho de 1968. Pede deferimento e assina: Euvaldo Freire de Carvalho Luz”.

Este documento, protocolado com carimbo de recebido pelo Ministério de Minas e Energia, com demanda ao DNPM, estava nos anais da Agência Nacional de Mineração (ANM), e só chegou à reportagem da Tribuna Independente graças a Lei de Acesso à Informação. Foi assim que um morador do Pinheiro, vítima da Braskem, conseguiu um verdadeiro dossiê do DNA da Salgema, com informações inéditas, de quando foram iniciadas as primeiras tratativas para a implantação da indústria cloroquímica em Alagoas.

Petrobras queria mesma área, por ser de atividade de exploração de petróleo

Em outro ofício, com carimbo de confidencial, o presidente do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) pede ao governo federal para tomar as lavras do empresário baiano e repassá-las para a Petrobrás. Essa intenção está consignada no Ofício DR-281/67, endereçado ao Ministério de Minas e Energia, com sede no Rio de Janeiro, em 8 do setembro de 1967, aos cuidados do ministro de Minas e Energia, deputado José Costa Cavalcante.

“Senhor ministro, por determinação do Conselho de Administração, reunido em 30/8/1967, temos a honra de transmitir a Vossa Excelência as considerações seguintes, relativamente ao Decreto nº 59.356, de 4 de outubro de 1966, que autorizou o Sr. Euvaldo Luz a pesquisar sal-gema nas áreas do poço petrolífero A1-2-AL, próximo de Maceió, na Bacia de Alagoas”, escreveu Arthur Duarte Fonseca, presidente do DNPM.

“Quando a imprensa, há tempos, divulgou notícias sobre a apresentação de um projeto à Sudene, pela Companhia Salgema Indústrias Químicas Ltda, para exploração do sal-gema de Alagoas, a Petrobras, pelo ofício de 23/5/1966, comunicou ao Sr. Superintendente da Sudene que a indústria petrolífera brasileira mantinha interesse na mesma área, por ser ela de atividade de exploração de petróleo”, destaca Fonseca.

“Convém, de início, assinalar que a Petrobras está ainda estudando a questão da cessão a terceiros de seus poços secos e abandonados com ocorrência de sal-gema. O A1-2-AL, embora perfurado pelo Conselho Nacional do Petróleo, pertence ao acervo da Petrobras, por força da Lei nº 2.004, e o Sr. Euvaldo Luz obteve a concessão sem que a Petrobras tivesse sido consultada acerca do assunto”, acrescentou.

“Por outro lado, em 20/9/1966, era encaminhado ao Conselho de Administração da Empresa o parecer do Grupo Técnico sobre a ‘Classificação das Bacias Sedimentares com Sais Solúveis, com Relação às Atividades Exploratórias e de Produção de Petróleo’. Por essa classificação não se prevê concessão a terceiros para pesquisa de sal-gema na bacia de Alagoas/Sergipe, prevendo-se apenas concessão para a área do SW do Recôncavo e para a bacia do Médio Amazonas”.

Alerta dizia que sal-gema poderia afetar campos petrolíferos na capital

No ofício, o presidente do DNPM afirmou ainda que “por estar a área de concessão [de sal-gema] acerca de 3 quilômetros dos campos de petróleo do Tabuleiro dos Martins e de Coqueiro Seco, temos sentido a necessidade de transmitir a Vossa Excelência a preocupação dos técnicos da Petrobras em relação a possível dano que a mineração de sal-gema, na área A1-2-AL, possa acarretar àqueles campos [de petróleo]”.

“Essa preocupação decorre da possibilidade de se provocar perfurações no sistema hidrodinâmico nos reservatórios de petróleo do campo do Tabuleiro dos Martins, principalmente durante o período em que se estiver utilizando a técnica de faturamento hidráulico para acelerar a mineração subterrânea de sal-gema, situado num nível estratigráfico que corresponde ao mesmo nível dos reservatórios petrolíferos do aludido campo”, alertou o presidente do DNPM.

Além disso, as informações do DNPM – estrutura de regulamentação e fiscalização ligada ao Ministério de Minas e Energia, que deu lugar à Agência Nacional de Mineração (ANM) – revelam que a área de concessão ainda não se encontra com suficientes informações para ser considerada como desinteressante para petróleo, “não se justificando a sua liberação total ou parcial para pesquisas de outros minerais”.

OUTRO CRIME

Por meio de ofício, de 5 de maio de 1966, o então prefeito de Maceió, Divaldo Suruagy, entrega ao empresário baiano Euvaldo Luz, a relação completa de todas as ruas dos bairros de Pinheiro, Farol e Bebedouro, junto com o cadastro predial, justamente aqueles atingidos pela mineração.