Cidades
Igreja processa padre suspeito de desviar R$ 3 milhões de projetos
Ação visa cobrar prestação de contas de recursos da Fundação Recriar voltados para beneficiar os dependentes químicos

A Arquidiocese de Maceió entrou com uma ação na Justiça estadual, no dia 22 de abril deste ano, cobrando a prestação de contas, por parte do tesoureiro e do conselheiro fiscal da Fundação Recriar, sobre os R$ 3 milhões que deveriam ser usados em pelo menos dez projetos sociais, voltados para dependentes químicos e pessoas em situação de rua.
“Tal iniciativa segue orientações firmes da Santa Sé, que, tanto no pontificado do Papa Francisco quanto, mais recentemente, no de Sua Santidade o Papa Leão XIV, tem reforçado, de maneira clara, o compromisso da Igreja com a transparência, a boa gestão dos bens e a responsabilidade administrativa”, justificou a Arquidiocese.
Em nota, a assessoria de comunicação da Arquidiocese disse que “a medida foi necessária diante da ausência de informações e documentos relativos àquela gestão, de forma que a ação visa, exclusivamente, assegurar que sejam devidamente prestadas as contas correspondentes”.
“Trata-se de um procedimento que busca garantir a lisura, o cuidado e a responsabilidade que devem nortear a administração de qualquer entidade”, acrescentou.
Na ação, impetrada pela Arquidiocese de Maceió, o arcebispo Dom Beto Breis, que assumiu o comando da Igreja Católica em março do ano passado, pede à Justiça que o tesoureiro da Federação da Rede Cristã de Acolhimento e Recuperação do Dependente Químico do Estado de Alagoas (Fundação Recriar), padre Walfran Fonseca; e o conselheiro fiscal da entidade, Ronnie Rayner Teixeira Mota, digam como gastaram o dinheiro que receberam para projetos sociais e prestem contas dos serviços oferecidos ao público alvo.
O processo foi distribuído no último dia 22 de abril para 6ª Vara Civil de Maceió e será julgado pelo juiz Ney Costa Alcântara de Oliveira. A Arquidiocese é representada pelo escritório do advogado Hugo Sarubbi Cysneiros, com sede em Brasília (DF). O valor da ação foi estipulado em R$ 3.120.000,00, que corresponde ao valor do dinheiro supostamente desviado da Fundação Recriar, que funcionava no mesmo endereço da Arquidiocese, na avenida Dom Antônio Brandão, no bairro do Farol, em Maceió.
COMUNIDADES
A Fundação Recriar, que funciona dentro da estrutura da Arquidiocese e tem como finalidade a promoção de ações humanitárias voltadas às pessoas em situação de vulnerabilidade social, elaborou seis projetos de formação de mão de obra, com cursos profissionalizantes para os usuários das comunidades terapêuticas.
A Recriar, segundo informação contida na ação, funciona como um grande “guarda-chuva” das comunidades terapêuticas, mantendo vinculadas à ela dez associações: 1) Associação Divina Misericórdia, denominada Nova Jericó e suas filias (masculina e feminina); 2) Comunidade Evangélica Sarar; 3) Casa Mãos de Alagoas; 4) Quebrando Correntes; 5) Fazenda Esperança; 6) Coração Misericordioso; 7) Comunidade Rosa Mística; 8) Casa Betânia; 9) Juvenópolis; e 10) Casa Dom Bosco.
Na gestão do padre Walfran Fonseca, como tesoureiro, e Ronnie Mota como conselheiro fiscal, a Recriar recebeu mais de R$ 3 milhões, para projetos sociais voltados às pessoas assistidas pelas entidades das comunidades terapêuticas. Recursos liberados pelo governo federal, por meio do Ministério de Desenvolvimento Social, com repasses de valores entre os anos de 2018 e 2024.
No entanto, quando Dom Beto assumiu a Arquidiocese e mudou a diretoria da Recriar, os novos gestores não tiveram acesso aos documentos e contas da entidade, razão pela qual, diante da necessidade de prestação de contas junto ao governo federal, o arcebispo não teve outra alternativa senão acionar a Justiça.
Ainda assim, a assessoria de comunicação da Arquidiocese afirma que a ação não está acusando ninguém de furto, nem de nenhum ilícito penal. “É uma ação de cobrança de prestação de contas. Em razão da ausência de informações [sobre o dinheiro recebido] impetrou-se essa ação para que eles [o tesoureiro e o conselheiro fiscal] prestem contas da gestão deles”, explicou a assessoria de Dom Beto.
Apesar de não admitir que os recursos foram furtados, a assessoria da Arquidiocese reconhece que houve desvio de finalidade e que há suspeita de dinheiro desviado, conforme registra esse trecho da denúncia, encaminhada à Justiça:
“Cumpre registrar que há inúmeros relatos referentes ao não cumprimento dos objetivos dos termos de fomento firmados, bem como relatos que tangenciam suspeitas ao desvio de verbas e ainda ao desvio da finalidade estatutária da Federação, para além de atos de favorecimento pessoal entre outros, praticados no ínterim relativo ao exercício da gestão anterior”.
Dinheiro era para cursos profissionalizantes e formação de mão de obra
Na ação, a Arquidiocese informa à Justiça que o padre Walfran autuava com diretor tesoureiro da Recriar, desde 2011; e Ronnie Mota como presidente do Conselho Fiscal, de 2015 a 2024. Quando Dom Beto assumiu o cargo de arcebispo de Maceió e soube do que estava acontecendo com a Recriar, decidiu intervir. A entidade sofreu uma espécie de ‘intervenção branca’ e teve sua diretoria renovada.
Quando de depararam com as falhas na contabilidade e nos projetos patrocinados pelo governo federal, os novos gestores da Recriar, nomeados por Dom Beto, decidiram cobrar a prestação de contas (ou a falta dela) na Justiça.
De acordo com a denúncia da Arquidiocese, sob direção do réu Walfran Fonseca dos Santos, a Recriar firmou dez termos de fomento (convênios) com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), para o recebimento de verbas públicas, com a finalidade de promover projetos sociais.
Desse total, destaca-se seis contratos ainda não encerrados, pendentes de prestação de contas. São eles:
01) Termo de fomento no valor de R$ 1 milhão, cujo objetivo era a ministração de cursos profissionalizantes nas áreas de corte e costura, instalação predial/encanamento, marcenaria, padaria, serigrafia e serralharia. O período de execução seria de 28 de dezembro de 2018 a 31 de dezembro de 2023, com prestação de contas em 17 de abril de 2024;
02) Termo de fomento no valor de R$ 500 mil, cujo objetivo era a ministração de cursos profissionalizantes de empreendedorismo, espanhol instrumental, inglês instrumental, marketing, português instrumental e técnicas de vendas. O período de execução seria de 19 de dezembro de 2019 a 19 de dezembro de 2020, com prestação de contas em 24 de abril de 2024;
03) Termo de fomento no valor de R$ 100 mil, cujo objetivo era a ministração de oficina de encanação, interpretação de texto, matemática básica, ortografia, padaria, redação e serigrafia, com data limite para a prestação de contas até 24 de abril de 2024;
04) Termo de fomento no valor de R$ 720 mil, cujo objetivo era a ministração de oficina de corte e costura, encanação e instalação predial, marcenaria, padaria, produção de doces, serigrafia e serralharia, com data limite para prestação de contas em 24 de abril de 2024;
05) Termo de fomento no valor de R$ 600 mil, cujo objetivo era a realização de atividades de cursos profissionalizantes visando a reintegração social de dependentes químicos recuperados e continuidade no funcionamento administrativo da instituição, com data limite para prestação de contas em 14 de abril de 2025;
06) Termo de fomento no valor de R$ 200 mil, cujo objetivo era a realização de atividades de reinserção social de dependentes químicos e dar continuidade no funcionamento administrativo da instituição, com data limite para prestação de contas em 12 de junho de 2024;
No total, “a Recriar teria recebido R$ 3,120 milhões, estando pendente ainda a prestação de contas referente aos valores relativos a pelo menos seis projetos da entidade, financiados pelo governo federal” – conforme informação contida na ação da Arquidiocese impetrada na Justiça.
Irregularidades foram registradas na gestão de Dom Antônio Muniz
A ação informa ainda que a falta de prestação de contas da Recriar ocorreu durante na gestão Dom Antônio Muniz, que renunciou ao cargo de arcebispo de Maceió no dia 3 de abril de 2024.
Com a chegada de Dom Beto, o novo arcebispo mandou afastar todos os diretores da Recriar e da Fundação Leobino e Adelaide Motta, além de fazer um remanejamento completo dos padres de todas as paróquias de Maceió. Com isso, o padre Walfran Fonseca foi afastado da Recriar, da Fundação Leobino e Adelaide Motta, onde exercia o cargo de diretor-financeiro, e da presidência da Associação Beneficente Paróquia de Santo Antônio.
Além desse processo da Recriar, ele também foi denunciado à Justiça estadual acusado de irregularidades na prestação de contas dos quase R$ 14 milhões da Associação ligada à Igreja de Santo Antônio, que funcionava em Bebedouro, na Praça Lucena Maranhão, mas foi transferida para a Santa Amélia, por conta do afundamento do solo provocado pela mineração da Braskem.
Walfran Fonseca também responde a denúncia de crime ambiental, no Ministério Público Federal, por ter exorbitado na extração de areia do Sítio Bom Retiro, que fica no Francês e pertence à Igreja Católica. O terreno, que tinha 2 mil metros de frente para o mar, estava arrendado à Mandacaru Extração de Areia, que só deixou de explorar a área após decisão judicial, em janeiro deste ano, a pedido da Arquidiocese de Maceió, na gestão de Dom Beto.
A Tribuna Indepenente tentou ouvir o padre Walfran, mas ele não deu retorno às mensagens.
Nota
A Arquidiocese de Maceió vem a público esclarecer que tramita na Justiça uma ação relativa à prestação de contas da gestão anterior sobre o projeto Recriar.
Tal iniciativa segue orientações firmes da Santa Sé, que, tanto no pontificado do Papa Francisco quanto, mais recentemente, no de Sua Santidade o Papa Leão XIV, tem reforçado, de maneira clara, o compromisso da Igreja com a transparência, a boa gestão dos bens e a responsabilidade administrativa.
Destacamos que a medida foi necessária diante da ausência de informações e documentos relativos àquela gestão, de forma que a ação visa, exclusivamente, assegurar que sejam devidamente prestadas as contas correspondentes. Trata-se de um procedimento que busca garantir a lisura, o cuidado e a responsabilidade que devem nortear a administração de qualquer entidade.
A Arquidiocese reafirma seu compromisso com a verdade, com a transparência e com o serviço ao povo de Deus.
Sobre a extração da areia, a atual administração da Fundação Leobino e Adelaide Mota determinou a suspensão imediata da atividade, bem como a realização de auditoria minuciosa sobre os contratos anteriormente firmados. A apuração objetiva verificar a destinação dos recursos auferidos e assegurar que todo valor tenha sido revertido para os fins institucionais. A suspensão foi determinada pelo presidente da entidade, o Arcebispo Dom Carlos Alberto Breis Pereira.
O contrato havia sido firmado com a empresa Mandacaru Extração de Areia e Comércio de Materiais de Construção Ltda, sob condições que se encontram atualmente rescindido, em processo de revisão e análise jurídica.
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