Política

Paulão diz que Arthur Lira age como “primeiro-ministro”

Parlamentar reconhece que governo enfrenta várias resistências devido à conduta do presidente da Câmara

Por Emanuelle Vanderlei - Colaboradora com Tribuna Independente 10/06/2023 09h08
Paulão diz que Arthur Lira age como “primeiro-ministro”
Deputado federal Paulão contextualizou o atual momento vivenciado na Câmara Federal em decorrência das cobranças de Arthur Lira feitas publicamente ao governo do presidente Lula - Foto: Edilson Omena

A correlação de forças entre o presidente da Câmara Federal e o Governo Federal tem tido destaque do debate político nacional. Arthur Lira (PP) manda recados ao presidente Lula (PT) sobre ter a maioria na Câmara e o poder de barrar as pautas defendidas pelo atual mandatário. O presidente da República, por sua vez, já entrou em campo e mostrou que não está disposto a aceitar todas as condições facilmente.

De acordo com o deputado Paulão (PT), da base aliada de Lula, Arthur Lira não quer perder o poder que recebeu na gestão Bolsonaro. “Antes, havia dependência do parlamento com o Executivo. Tinha que ir atrás de emenda [para atender seus aliados], presidente, ministros. O volume colocado no orçamento secreto [emendas do relator] foi tão grande que, com a inapetência do Bolsonaro, teve o Arthur Lira como ‘primeiro-ministro’, com autonomia para distribuir estrutura no Brasil todo. Arthur Lira, hoje, se comporta como se tivesse em um semipresidencialismo”.

Com posse de Lula em 1° de janeiro deste ano, houve mudanças. “Percebendo que não dá para governar com orçamento secreto, ele [Lula] fez modificação garantindo recursos para salário-mínimo, aposentados, e Bolsa Família. Mas criou uma nova estrutura de ministérios que haviam sido extintos por Bolsonaro, e esses foram criados sem dotação orçamentária”.

Como o Governo não tinha maioria consolidada no Congresso Nacional, o presidente da Câmara fez exigências, buscando recompor o poder.

“Fizeram deformação tirando poderes do Ministério do Meio Ambiente e esvaziando o Ministério dos Povos Originários. Essa luta insana não é só da Câmara, a Câmara é protagonista porque Arthur se comporta como primeiro-ministro. União Brasil tem três ministérios e vota contra o governo. Alfredo [Gaspar] vota contra governo, é oposição”, contextualiza o deputado Paulão em contato com a Tribuna Independente.

Também à Tribuna, o deputado federal Alfredo Gaspar nega que seja oposição, mas critica o partido do presidente de forma genérica. “Não sou oposição a qualquer iniciativa. O que for melhor para o país sempre contará com o meu apoio. Sou contra o PT e sua forma de governar, mas torço por um Brasil melhor. No tocante à relação com a Câmara dos Deputados, vejo um governo sem rumo, acostumado a práticas nefastas de um passado recente e disposto a comprar apoios”.

Oposição declarada, o deputado Fábio Costa (PP) também demonstra insatisfação com o presidente. “As mudanças promovidas pelo atual presidente e por seu ministro da Economia são as piores possíveis, sempre resultando em prejuízos para a população, como aumento da máquina pública, de impostos, taxação de comércio eletrônico de produtos internacionais e gastos absurdos com viagens. Sem deixar de lado as falas do presidente totalmente irresponsáveis e que envergonham a nossa nação”.

Costa entende que o governo não está indo bem. “Enfim, o governo não mostrou a que veio, não tem base e não tem a menor habilidade de diálogo, nem com os parlamentares de seu próprio partido, o que dirá com a oposição, que está fazendo um bom trabalho na Câmara”.

CORTINA DE FUMAÇA

Para o deputado federal Paulão, a bancada alagoana está em sintonia na defesa de pautas econômicas da elite, e ele é a única exceção. “Vê se eles têm briga no Banco Central? Tem muita briga de personalidade, é tudo cortina de fumaça”.

O petista reforça que todo esse tensionamento atinge o país. “Essa briga não interessa ao povo brasileiro. É um prejuízo para o Brasil, não é problema de bancada. Quem perde é a população”.

Isso porque, na concepção do parlamentar, pautas fundamentais estão sendo negligenciadas. “A gente poderia já ter discutido um projeto fundamental para o Brasil, a reforma tributária. Quem paga é o pobre e a classe média, quem tem tributo é o consumo, não a renda”.

Ele avalia que a maior parte do parlamento defende os interesses de uma minoria. “O projeto não é colocado em prática porque não tem interesse. Se arrecadar 3% das 40 pessoas mais ricas do Brasil, arrecada R$ 80 bilhões”.

A reforma é a grande prioridade do Governo para cumprir as promessas de campanha. “Se não tiver reforma como vai ter recurso para políticas públicas?”, complementa Paulão.

Questionando as isenções de imposto do agronegócio, Paulão defende a distribuição mais proporcional. “Quem é mais simples vai comprar um quilo de feijão, um copo com água, já tem tributação. Indústria paga, comércio paga, por que o agro não paga?”.

Para deputado, interesses do presidente da Câmara são prioridade


O deputado federal Paulão (PT) defende, ainda, uma participação maior do estado nas políticas públicas. “Os conservadores defendem uma visão liberal da economia, o Estado não ter papel. Não ter universidade pública, hospital público. Não tem SUS nos Estados Unidos, você morre em frente ao hospital e não é atendido. O Obama fez programa como o SUS para pobre, o congresso derrubou. Mesma moçada que tem discurso liberal, tem discurso incoerente. Porque o agronegócio tem subsídio anual de R$ 300 bilhões, só sobrevive com ajuda do governo”.

Posteriormente, o parlamentar destaca que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP) continua pautando as matérias no Legislativo para atender apenas os seus próprios interesses desde a gestão do governo Bolsonaro, da qual Lira foi aliado.

“Arthur Lira é pecuarista, primeiro projeto que colocou para aprovar na Câmara Federal foi autonomia do Banco Central. Único [de Alagoas] que votou contra fui eu. Foram três senadores e oito deputados a favor”.

As decisões do Banco Central, principalmente em relação à taxa de juros, tem sido alvo de protesto. Paulão reafirma a posição contra essa autonomia. “Acho uma excrecência, presidente do Banco Central tem mais poderes que o presidente da República. E ele não baixa a taxa de juros”.

CENÁRIO PRONTO

O orçamento secreto foi iniciativa do ministro de Bolsonaro, Paulo Guedes. “Ele sugeriu ao Rodrigo Maia [ex-presidente da Câmara Federal] que é carioca igual a ele, tem empresa de corretagem, e por ser jovem economista cria orçamento secreto. Na prática não pode operar, era o último ano da gestão dele. Rodrigo Maia tenta colocar em prática terceiro mandato dele, tenta dialogar, Arthur faz contraponto, consegue vencer batalha e impedir um terceiro mandato por falta de previsão legal”, disse Paulão.

Isso deixou o cenário pronto para Lira. “Já assume com ferramenta do orçamento secreto. Teve oportunidade de operar”.

Lira pretende institucionalizar esse formato em que o legislativo tem autonomia sobre o orçamento. Em 2021, quando havia na Câmara 126 pedidos de impeachment de Bolsonaro, Lira não apreciou nenhum deles e levantou a possibilidade de um novo sistema de governo.

“Podemos, sim, discutir o semipresidencialismo, que só valeria para as eleições de 2026, como qualquer outro projeto ou ideia que diminua a instabilidade crônica que o Brasil vive há muito tempo”, afirmou ele em suas redes sociais.

O Brasil hoje vive no presidencialismo. O presidente da República é eleito pelo voto direto da população e é, ao mesmo tempo, chefe de Estado e chefe de governo. No semipresidencialismo, surge a figura do primeiro-ministro, que comanda o governo enquanto o presidente se ocupa das tarefas de Estado”. Esse formato acaba com as eleições diretas para o governo do país. O primeiro-ministro (chefe de governo) é escolhido indiretamente pelo Legislativo, e o presidente da República eleito pelo voto popular deixa de tomar a maior parte das decisões.