Cidades

Arcebispo: Igreja não vende areia à Braskem

Dom Beto determina devassa nas contas para saber quanto foi arrecadado e onde foi gasto dinheiro do mineral extraído do Francês

Por Ricardo Rodrigues / Tribuna Independente 11/12/2025 09h24 - Atualizado em 11/12/2025 16h31
Arcebispo: Igreja não vende areia à Braskem
Extração irregular de areia realizada no terreno do Sítio Bom Retiro, localizado na Praia do Francês, em Marechal, está em investigação - Foto: Edilson Omena

O arcebispo de Maceió, Dom Beto Breis, garantiu, no começo desta semana, que a Igreja Católica não vende mais areia à Braskem, através da empresa Mandacaru Extração de Areia e Comércio de Materiais de Construção em Geral. A informação foi encaminhada ontem (10/12) à reportagem da Tribuna Independente, por meio de nota da assessoria de comunicação da Arquidiocese de Maceió.

“Ao assumir o governo pastoral, Dom Beto Breis determinou um levantamento completo da situação administrativa e financeira da Fundação Leobino e Adelaide Motta, ocasião em que surgiu a suspeita de extração irregular de areia na área. Imediatamente, o arcebispo ordenou auditoria interna, a suspensão de contratos considerados questionáveis e a adoção de todas as medidas judiciais necessárias para proteger o patrimônio da Fundação”, afirmou a assessoria de comunicação da Arquidiocese.

O pedido para investigar irregularidades nas contas da Arquidiocese e das fundações ligadas à Igreja Católica, durante a gestão do ex-arcebispo Dom Antônio Muniz e do cônego Walfran Fonseca, foi feito por Dom Beto, diretamente ao procurador-geral de Justiça de Alagoas, Lean Araújo. A solicitação foi feita logo depois que o arcebispo assumiu o comando da Cúria Metropolitana de Maceió. Com base nesse pedido, o chefe do Ministério Público mandou a denúncia para ser investigada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), sob o comando do promotor Napoleão Amaral Franco.

Segundo ele, a investigações continuam, mas ele não pode adiantar nenhuma informação sobre o trabalho de apuração porque o caso segue em segredo de justiça. Entre as denúncias de irregularidades investigadas estaria o dinheiro desviado da venda da areia, na gestão de Dom Muniz e do cônego Walfran à frente da Fundação, que explorava a atividade em parceria com a empresa Mandacaru.

PENALIDADES

Sobre o requerimento encaminhado pelo Ministério Público Federal de Alagoas, acerca das penalidades impostas à Arquidiocese por conta da extração irregular de areia do Sítio Bom Retiro, o departamento jurídico informou que o caso está em análise e será respondido formalmente às autoridades no prazo devido.

Nesse sentido, “a Arquidiocese reafirma seu compromisso com a transparência, a legalidade e a correta gestão dos bens da Fundação confiados à Arquidiocese de Maceió”.

Desde que assumiu a Cúria Metropolitana de Maceió que o arcebispo vem enfrentando dificuldade na prestação de contas da gestão anterior, capitaneada pelo ex-arcebispo Dom Antônio Muniz.

Por isso, ele solicitou ao Ministério Público Estadual e à Justiça que apurassem as irregularidades que teriam sido praticadas pelos gestores anteriores, tanto na gestão da Arquidiocese como na gestão Fundação Leobino e Adelaide Motta.

AÇÃO DO MPF

No final da semana passada, o MPF ajuizou ação civil pública (ACP) contra uma empresa de extração de areia (possivelmente a Mandacaru), a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL) por extração irregular de areia no município de Marechal Deodoro, numa região de especial interesse ambiental – as Dunas do Cavalo Russo – localizada entre a Praia do Francês a Barra de São Miguel, no Litoral Sul alagoano.

MPF pede à Justiça Federal liminar contra as licenças da ANM e do IMA

Na ação, o MPF pede à Justiça Federal a concessão de liminar para que a ANM e o IMA suspendam imediatamente quaisquer licenças e autorizações eventualmente ainda vigentes que permitam a atividade minerária na área, bem como se abstenham de renová-las. O MPF também solicitou que a empresa [Mandacaru] interrompa imediatamente a extração de areia, sob pena de multa diária.

No entanto, as atividades de extração de areia do Sitio Bom Retiro, que pertence à Igreja, já estavam paradas desse o início do ano, por decisão da própria Arquidiocese, com base uma ação judicial movida por Dom Beto. Em janeiro deste ano, ele encerrou o contrato com a Mandacaru que já durava mais de sete anos. O contrato havia sido renovado em 8 de abril de 2018, pelo cônego Severino Fernando de Sousa Neto, então presidente da Fundação Leobino e Adelaide Motta.

Para pôr fim ao contrato, Dom Beto teve que recorrer à Justiça porque a empresa Mandacaru se recusava a encerrar as atividades de extração de areia no Sitio Bom Retiro, que foi doado à Igreja Católica, no final dos anos 80, pelo médico e ex-deputado estadual Lourival de Melo Motta.

Solteiro e sem herdeiros diretos, Melo Motta deixou toda a sua fortuna de herança para a Igreja Católica, quando morreu em 1989. Entre os imóveis deixados de herança está o Sítio Bom Retiro, que quando foi entregue à Arquidiocese tinha 2 mil metros de frente para o mar, na Praia do Francês, indo das ruinas do Leprosário às proximidades das margens do Rio Niquim, na Barra de São Miguel.

DEGRADAÇÃO

Além da paralisação das atividades, o MPF pediu também que a empresa apresente, no prazo de 60 dias, Plano de Recuperação de Área Degradada (Prad) ao Ibama, com o objetivo de restituir as funções ambientais da área impactada, bem como promova a execução integral das medidas de recuperação após aprovação do plano.

A ação solicita ainda que, ao final do processo, a declaração de nulidade das licenças ambientais expedidas pelo IMA, bem como o cancelamento definitivo das autorizações minerárias emitidas pela ANM.

ENTENDA O CASO

A venda de areia de praia foi inflacionada pela Braskem, que começou a comprar o mineral em grande quantidade para tamponar as minas de sal-gema desativadas em Maceió. A exploração das jazidas de areia começou pela praia do Francês. Por isso, na ação encaminhada à Justiça, o próprio MPF reconhece que a extração irregular em Marechal Deodoro teria causado intensa degradação ambiental em área reconhecida judicialmente como de especial interesse ambiental, por sentença da Justiça Federal em processo anterior.
“A exploração teria ocorrido ao longo de anos, viabilizada por sucessivas renovações de licenças ambientais pelo IMA, sem a exigência do cumprimento integral de obrigações assumidas pelo empreendedor e sem a devida observância da legislação ambiental”, destacou o MPF.

Área de exploração é superior a 700 hectares

“A investigação foi conduzida no âmbito de inquérito civil instaurado pelo MPF, após representação que relatava possível crime ambiental em uma área superior a 700 hectares, situada na Praia do Francês, às margens da rodovia AL-101 Sul, em terreno pertencente a uma fundação ligada à Arquidiocese de Maceió”.

“Conforme apurado, a empresa responsável teria sido contratada pela Braskem para a retirada e comercialização da areia do local, com autorização do órgão ambiental estadual”, acrescentou.

Durante a apuração, o MPF verificou que os fatos guardam relação com termo de acordo firmado anteriormente em ação civil pública socioambiental, no qual a Braskem assumiu a obrigação específica de preenchimento de cavidades decorrentes da exploração mineral.

INDENIZAÇÕES

Na ação, o MPF requer ainda a condenação da empresa [Mandacaru] ao pagamento de mais de R$ 3 milhões à União, valor correspondente ao volume de areia extraído de forma irregular, conforme laudos técnicos da Polícia Federal. Também é pedida a condenação ao pagamento de indenização mínima de R$ 100 mil por danos socioambientais coletivos, a título de danos morais coletivos, dano intermediário e dano residual, com destinação ao fundo previsto na Lei da Ação Civil Pública.

“Caso seja constatada a impossibilidade de recuperação integral da área degradada, o MPF pede que sejam adotadas medidas de compensação ambiental, a serem definidas pelo Ibama. Nessa hipótese, a ANM e o IMA/AL poderão ser responsabilizados de forma subsidiária e solidária pelas obrigações ambientais e indenizatórias”, recomendou o MPF de Alagoas.

“A ação também requer a inversão do ônus da prova, para que os réus demonstrem a regularidade de suas condutas, além da aplicação de multas em caso de descumprimento das decisões judiciais”, concluiu a assessoria do MPF.