Política

Golpe foi em 1º de abril, dia da mentira

Historiador e cientista política comentam sobre a data que jogou o país no calabouço e lamentam a celebração da data pelo governo

Por Carlos Amaral 31/03/2021 08h22
Golpe foi em 1º de abril, dia da mentira
Reprodução - Foto: Assessoria
Por incrível que pareça, o revisionismo histórico parece ganhar mais força entre os brasileiros. Um dos períodos em que mais a turma do “não foi bem assim” mais gosta de dar “fatos alternativos” – como argumentou uma assessora de Donald Trump alguns anos atrás – é a ditadura civil-militar de 1964, a começar pela data, inclusive. O golpe que tirou João Goulart da Presidência da República e colocou o país em 21 anos de autoritarismo, torturas, mortes e perseguições políticas, ocorreu em 1º de abril – dia da mentira – e não em 31 de março. Quem atesta é o historiador Geraldo de Majella. “O golpe foi dado em 1º de abril, na madrugada daquele dia. Não há outra data a não ser esta. A narrativa dos golpistas que pôs o 31 de março como a data do golpe, mas ele ocorreu nas primeiras horas de 1º de abril. Não há dúvida quanto a isso na historiografia brasileira”, crava o historiador. Geraldo de Majella também fez parte da Comissão da Verdade de Alagoas, cujo nome homenageou um dos desaparecidos políticos do regime dos coturnos: Jayme Miranda. Mesmo sem muitos holofotes, o grupo criado em junho de 2013, segundo o historiador, apurou tudo – ou quase tudo – sobre a ditadura de 1964 em Alagoas. “O saldo da Comissão da Verdade de Alagoas foi positivo. Levantamos uma documentação inédita sobre o período da ditadura em Alagoas que, inclusive, precisa ser trabalhada por pesquisadores, pela imprensa e por historiadores. Há material farto sobre o que se desejar falar acerca da ditadura no estado”, diz. “Contudo, a Comissão foi boicotada no governo Renan Filho que não lhe deu o menor apoio. Sua estrutura material não existiu. No início, ainda no governo Teotonio Vilela, havia alguma estrutura mínima, de local, viagens para o interior para realizar entrevistas e transcrevê-las, mas no governo Renan Filho, o apoio foi praticamente inexistente, exceto por uma sala improvisada e sem estrutura no Palácio. Isso mostra como o atual governador enxerga aquele momento que, inclusive, o pai dele participou de forma significativa como estudante e deputado estadual. Em nenhum momento ele [Renan Filho] recebeu a Comissão da Verdade ou agendou o recebimento de seu relatório final”, completa o historiador. “É, no mínimo, lamentável”, afirma cientista política sobre comemoração a 1964   No último dia 17 de março, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) conseguiu na Justiça o direito de a Presidência da República comemorar, oficialmente, o golpe civil-militar de 1964. Por quatro votos a um, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) aprovou um recurso da Advocacia Geral da União (AGU) e derrubou uma decisão contrária da 5ª Vara Federal do Rio Grande do Norte que determinou, ainda em 2020, a retirada de uma publicação do site do Ministério da Defesa de exaltação ao “Movimento de 1964” por ser “nitidamente incompatível com os valores democráticos insertos na Constituição de 1988”. Para a cientista política Luciana Santana, não há nada a comemorar sobre aquele período. “É, no mínimo, lamentável, especialmente vindo de um presidente da República que deveria se preocupar primeiro com a pandemia, que tem acometido a população brasileira e gerado situações dramáticas para muitas famílias”, comenta. “Não é uma prioridade do Brasil ter qualquer tipo de celebração. Não precisamos comemorar nem rememorar nada. E não há nada para comemorar em relação a um dos piores períodos da História política brasileira, onde não havia democracia no país, não havia liberdade de expressão, onde não havia direitos reconhecidos. Fora todas as atrocidades causadas por aquele regime. É lamentável que o presidente, mais uma vez, se porte dessa maneira e não considere que está à frente de uma nação heterogênea onde princípios democráticos devem sobressair acima de tudo”, completa Luciana Santana. Já o historiador Geraldo de Majella considera a decisão judicial como algo bizarro, mas condizente com os dias atuais. “Essa decisão é uma coisa bizarra. Desde o final da ditadura que não se comemora aquele período. Só mesmo nesses tempos que vivemos, de bastante turbulência e de ameaças à democracia”, comenta o historiador. DEBANDADA Nesta segunda-feira (29), o então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, deixou o comando da pasta. Em carta aberta, ele afirmou ter atuado para preservar “as Forças Armadas como instituições de Estado”. Nesta terça (30), os três comandantes das Forças Armadas deixaram seus postos. Segundo informações da imprensa nacional, o motivo da renúncia coletiva foi discordância dp aparelhamento político dos militares. “O que ocorreu na segunda [29], no meu entendimento, é uma tentativa de manter um domínio sobre as Forças Armadas que ele não tem, ou não teve até há pouco”, comenta o historiado Geraldo de Majella. Já Luciana Santana não crê em autogolpe, como muitos analistas apontam para a possibilidade, mas reconhece haver quem deseje por isso no interior do Palácio do Planalto. “Não consigo perceber, ainda, tentativa clara de auto golpe. Claro que há desejos por parte do governo e de aliados mais próximos que têm simpatia pelo autoritarismo. Com certeza, isso deve estar na pauta do dia deles, mas não está na sociedade e nem nos demais poderes. Acredito que qualquer tentativa disso deve ser freada de forma bruta e bastante incisiva, seja pelos poderes, seja pela sociedade”, comenta a cientista política. ATO Circula pelas redes sociais a convocação para uma carreata, convocada por bolsonaristas, contra o lockdown, pelo tratamento precoce – e comprovadamente ineficaz e maléfico à saúde – contra a covid-19 e pela “substituição de todos os ministros do STF”. A concentração foi marcada para a frente do quartel da Polícia Militar, no bairro do Pontal da Barra, em Maceió.