Política

'Lava Jato não deixará saudades'

Enfraquecimento da força-tarefa liderada por Deltan Dallagnol é decorrente de rompimentos de todos os limites da legalidade

Por Carlos Victor Costa com Tribuna Independente 06/02/2021 09h20
'Lava Jato não deixará saudades'
Reprodução - Foto: Assessoria
O Ministério Público Federal (MPF) anunciou, na última semana, a dissolução da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, principal braço da operação no país. Criado em 2014, o grupo de procuradores coordenado por Deltan Dallagnol atuou na maior parte da operação no país e foi responsável pela prisão de nomes como o ex-presidente Lula (PT), o ex-deputado cassado Eduardo Cunha e o empresário Marcelo Odebrecht. No entanto, a Lava Jato sempre trouxe ao público os sentimentos de punir os corruptos, operações controversas, mídia e perseguição a políticos. Em Alagoas, a operação sempre teve os seus críticos e favoráveis. A reportagem da Tribuna Independente repercutiu a dissolução da força-tarefa com figuras do meio jurídico do estado. Para o desembargador e ex-presidente do Tribunal de Justiça (TJ), Tutmés Airan, o fim da Lava Jato era previsível. Ele ressalta que a força-tarefa não deixará saudades. “Fundamentalmente, ela cumpriu o seu papel de primeiro contribuir decisivamente para o golpe de estado travestido de impeachment da presidente Dilma Rousseff [PT], rompendo com todos os limites da legalidade, além de divulgar fora do contexto entrevistas ou diálogos que fomentaram a narrativa pró-impeachment e depois disso, prendendo o principal candidato à presidência da República e o impedindo de disputar a eleição. Feito isso, me parece que o papel dela estava cumprido. Daí a sua dissolução. De toda forma uma dissolução que não deixa saudade”. Tutmés pontua que a força-tarefa foi concebida para combater a corrupção, mas, o que ocorreu em quase sua plenitude foi o contrário. Ele elenca quatro situações. “Ela [a Lava Jato] corrompeu em primeiro lugar o sistema político criminalizando a atividade política e a partir da criminalização da atividade política, deu ensejo a eleição de um presidente que é uma aberração autoritária. Em segundo lugar, corrompeu o sistema jurídico, passando por cima de todos os limites, confundindo os papéis de acusação e de julgamento e produzindo condenações convenientes ao seu propósito político. Em terceiro lugar, corrompeu o sistema econômico porque destruiu cadeias produtivas inteiras que eram orgulho nacional, como a engenharia pesada, abrindo campo para que empresas internacionais entrassem no Brasil. E por último, fragilizou enormemente a Petrobras, produzindo condições para que a empresa estatal tivesse que pagar somas altíssimas em dinheiro de multas a partir de uma colaboração criminosa de agentes públicos brasileiros. Então, a herança do trabalho da Lava Jato é alguma coisa que precisa ser reflexiva para que algo semelhante jamais volte a acontecer”. Escândalos de integrantes foram preponderantes para dissolução Para a vice-presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), Fernanda Noronha, não há dúvidas que os escândalos envolvendo o então ministro da Justiça Sérgio Moro e os procuradores integrantes da força-tarefa foram preponderantes para a dissolução. E que isso pode ter sido desencadeado pelo protagonismo desenfreado que colocou o grupo em descrédito pelas inúmeras irregularidades e excessos ocasionados pelos seus integrantes. “Como consequência lógica, no mesmo dia em que a força-tarefa colocou um ponto final nas intermináveis investigações operacionalizadas pela Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal [STF] jogou mais uma pá de cal retirando o sigilo das mensagens da Operação Spoofing na reclamação proposta pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro Ricardo Lewandowski autorizou que a defesa do ex-presidente tivesse acesso integral às mensagens apreendidas, reacendendo na mídia mais um capítulo do escândalo envolvendo novamente o ex-juiz Sérgio Moro e procuradores atuantes na força-tarefa, mais especificamente Deltan Dallagnol. Desse modo, concordando com a fala do procurador-geral da República, Augusto Aras, procuradores ‘não são estrelas’ e o fim do grupo com a transmissão das atribuições ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado [Gaeco] foi a medida mais acertada para manter a segurança jurídica e restaurar a credibilidade das investigações”. A advogada, no entanto, salienta que é inegável que a força-tarefa teve um importante papel no combate à corrupção ao longo de seus desdobramentos no Brasil e no exterior. “Durante toda trajetória que perdurou sete anos foram mais de 1.000 mandados de busca e apreensão, 500 mandados de prisão preventiva e temporária, e dessa forma é importante esclarecer a população que as investigações continuarão e que serão conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado para manter a institucionalização nas demandas de complexidade”. De acordo com o advogado Welton Roberto, a dissolução da força-tarefa pode gerar um sentimento de impunidade, ou uma falsa e equivocada sensação de que não há mais corrupção no Brasil. “A dissolução vem bem na hora que o alvo estaria apontando para o Planalto e os filhos do presidente da República Jair Bolsonaro. A sensação de interferência política deixa dúvida acerca dos reais fins da operação”. Operação sempre foi criticada por políticos e também pela população A reportagem da Tribuna consultou também a cientista política Luciana Santana para que ela traçasse um panorama da Lava Jato no contexto político e se este fim da força-tarefa põe em descrédito a operação e acaba dando razão aos políticos que foram envolvidos. A cientista ressalta que quando foi criada, a força-tarefa foi muito idolatrada por um segmento específico da população. Mas que sempre foi colocada em xeque tanto pela classe política quanto por parcela da população também. “Desde 2018, para mim, já estava claro que o destino da Lava Jato seria esse. Qualquer hora iria acabar. Acho até que durou muito e não sei se coloca em descrédito a operação. O que tem colocado em descrédito hoje é justamente os indicativos de que existências em algumas manobras não muito legais dentro do processo”. Ela acredita que já era previsível pelo fato de que apesar do presidente Jair Bolsonaro ter sido eleito, defendendo justamente o combate à corrupção, desde que ele assumiu, os entraves para tratativa do tema e a própria relação junto ao ministro da época, Sérgio Moro, nunca foram tão harmoniosas ou tão alinhadas. “Com a indicação do procurador-geral da República, Augusto Aras, isso também acabou dando outros sinais de que ali o apoio seria mais reduzido em relação a qualquer força para combater ou ampliar a força da operação Lava Jato. Então, já havia esses indícios de que essa operação não teria a mesma força que teve ali ainda durante o governo Dilma e o governo Temer”. Segundo a cientista essa credibilidade da Lava Jato já vinha sendo arranhada. Que não é algo que só agora com o fim da força-tarefa que entra em descrédito. “Os questionamentos continuam. Não significa também que o que a Lava Jato fez vai cair por terra. Porque a gente tem aí vários empresários que foram condenados, vários políticos que foram condenados. Alguns continuam presos. Ainda para uma parcela da população é algo como se fosse um troféu, mas para quem é mais legalista e conhece bem as regras sabe que não é bem assim. Sabe que houve um atropelamento jurídico em relação ao processo e o próprio direito das pessoas acusadas de se defenderem nos processos. Então, não acho que vá mudar muito o cenário em termos de credibilidade ou não. O que eu acho que vai ficar é que apesar do fim da lava jato esse tema não morre aqui. O tema da lava jato não morre aqui. Ele ainda vai permanecer vivo aí”, finalizou a cientista política.