Política

Para reitora da Ufal, Medida Provisória é antidemocrática

Valéria Correia critica novas regras para nomeação dos dirigentes das instituições federais de ensino, publicadas na quarta (25)

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 27/12/2019 09h58
Para reitora da Ufal, Medida Provisória é antidemocrática
Reprodução - Foto: Assessoria
No dia 25 deste mês, o Diário Oficial da União (DOU) publicou mais uma Medida Provisória (MP) do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Desta, o texto trata da escolha e nomeação de reitores e diretores de instituições federais de ensino. Entre os pontos mais polêmicos da MP 914 estão o fim de eleições para diretores de unidades acadêmicas e da possibilidade de os conselhos das instituições elaborem suas listas tríplices. Outro ponto que tem chamado a atenção é o fato de textualizar o poder de o presidente da República nomear qualquer nome incluso na lista tríplice, prerrogativa que as normas anteriores já previam. Para a reitora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Valéria Correia, a MP 914 é antidemocrática. “Antes de tudo, é indispensável dizer que a MP é flagrantemente inconstitucional vez que já existia legislação que regulava o processo de consulta para dirigentes máximos das instituições de ensino federais. Não se vê qualquer necessidade de urgência, como prevê o art. 62 da CF, para que se justifique tal medida. O presidente deturpa, ao agir de tal modo, a finalidade das MPs. Então, o que o presidente busca com tal medida? Está claro que se trata de uma atitude antidemocrática que visa usurpar competência legislativa do Congresso”, afirma Valéria Correia. Além das universidades federais, a MP 914 também tem efeito sobre os institutos federais e Colégio Dom Pedro II, localizado no Rio de Janeiro. “Caso o presidente deseje criar nova legislação, deve fazê-lo seguindo os trâmites ordinários para sua proposição. Ao agir deste modo, quebra, portanto, um princípio fundamental ao Estado Democrático de Direito: o princípio da separação dos poderes”, completa a reitora da Ufal. Para ela, não há nada de positivo na MP 914, nem mesmo o fato de instituir oficialmente a consulta à comunidade acadêmica – as eleições para as reitorias. “O presidente e seu ministro da Educação adotaram durante todo o ano diversas ações em ataque à democracia acadêmica, à nossa soberania científico-cultural e, sobretudo, ao princípio da autonomia universitária, inscrita no artigo 207 da nossa Constituição”, afirma. “O presidente tem desrespeitado os processos de consulta interna e escolhido, na maioria das vezes, candidatos a reitores com pior desempenho nos processos de consulta eletiva. Ele busca ampliar ainda mais a tutela sobre as universidades e institutos federais, ao deixar a cargo destes reitores a escolha também dos dirigentes dos campi. Ou seja, os diretores passam a ser determinados pelo escolhido do presidente”, completa a reitora da Ufal. Tonholo aponta necessidade de novas normas O reitor eleito da Ufal, Josealdo Tonholo, até considera a necessidade de haver nova legislação que unifique as regras para escolha dos dirigentes das instituições de ensino superior federais, mas ele critica alguns pontos da MP 914 e o fato de não ter havido diálogo com as reitorias. “Primeiro, acho que estava precisando mesmo dar uma atualizada porque as regras estavam muito dispersas. A gente tem uma legislação de 1995 e, fora isso, um monte de nota técnica e cada uma falando uma coisa diferente, o que acabava virando um imbróglio de legislação. Agora, pelo menos, nessa nova MP, a gente tem algumas coisas mais claras. Ela praticamente regulamenta todo o procedimento de novo”, comenta. “Mas ainda é preciso maturar tudo. Como estamos em recesso, ainda não pudemos discutir a MP. Acho que isso deveria ter sido discutido, pelo menos, com a Andifes [Associação Nacional Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior]”, completa Josealdo Tonholo. Para ele, a pior mudança é o fim das eleições para diretores das unidades acadêmicas e campi, assim como o fato de se permitir que técnicos-administrativos possam assumir a função. “Acho que a grande mudança, que é preocupante, é que os diretores das unidades acadêmicas passam a ser escolhidos diretamente pelo reitor. Se fizer consulta oficiosamente, corre o risco de judicialização. Também se permite agora que diretores de campi sejam técnicos-administrativos, quando antes apenas docentes podiam ocupar esses cargos. Essa é uma mudança radical”, diz o reitor eleito da Ufal. ADUFAL Na avaliação de Jailton Lira, presidente da Associação dos Docentes da Ufal (Adufal), a MP 914 parece ser democrática, mas é o oposto disso. “O que parece democratizar a escolha dos gestores, é o oposto porque retira da comunidade acadêmica o direito de definir os gestores dos cursos e do conselho universitário, órgão máximo das instituições, o direito de elaborar sua lista tríplice”, afirma o presidente da Adufal. “Passamos por um profundo retrocesso no que se refere à autonomia universitária”, completa. Ele ressalta que o modelo de seleção e escolha dos dirigentes das instituições federais de ensino já devia ter sido superado, mas o que tem ocorrido é somente sua piora. “O modelo de organização de consulta à universidade acadêmica em que o conselho vai elaborar uma lista tríplice e o presidente da República nomear qualquer um dos 3 já é antiquado e devia ter sido alterado há muito tempo. Mas o Bolsonaro conseguiu piorar porque retira a autonomia dos conselhos universitários e, ainda por cima, retira a obrigatoriedade de eleição nas unidades acadêmicas”, diz Jailton Lira.