Interior

Areia extraída de Piaçabuçu abastece a Braskem e ameaça o Pontal do Peba

Embora autorizada pelo IMA e ANM, extração está avançando em direção à praia onde há desova de ovos de tartarugas

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 25/10/2025 14h30 - Atualizado em 25/10/2025 15h08
Areia extraída de Piaçabuçu abastece a Braskem e ameaça o Pontal do Peba
Extração de areia na Fazenda Várzea do Roçado, em Piaçabuçu, avança em direção à foz do rio, ameaçando as dunas do Pontal do Peba - Foto: Edilson Omena

Um dos mais belos cartões postais de Alagoas se encontra ameaçado pela extração predatória de areia, comprada pela Braskem: a paradisíaca praia do Pontal do Peba, na foz do Rio São Francisco, no município de Piaçabuçu, no Litoral Sul de Alagoas.

A jazida de areia explorada pela empresa LE Mineração fica numa área rural, próxima à praia e o rio, cercada por coqueiros e árvores frutíferas, num terreno encharcado; um cenário exuberante, rico em biodiversidade, numa propriedade cujo nome traduz

a identidade do local: Fazenda Várzea do Roçado.

Chegamos lá de carro, pela AL-101 Sul, indo em direção à Penedo, entrando à esquerda e seguindo por uma estrada de barro. Na entrada da fazenda, placas dos órgãos de fiscalização davam um ar de legalidade à exploração da jazida, que avança rumo à praia.

No caminho, de Maceió a Piaçabuçu, era grande a movimentação de carretas e caçambas, indo buscar areia ou vindo carregadas, daquela região, no Litoral Sul, cujo comércio do mineral se acentuou, depois que a Braskem passou a comprá-lo para tamponar as cavidades das minas de sal-gema, em Maceió.

SOLO

O professor Abel Galindo, especialista em solo, disse que tem vários trabalhos sobre o assunto e que o uso da areia para tamponamento das minas teria sido indicado por estudiosos no assunto.

“Não vejo nenhum problema na extração de areia para fins de preenchimento de cavidades salinas. Essas areias vão ficar submersas e bem dispersas”, afirmou.

No entanto, alerta para a necessidade da extração responsável e fiscalizada do mineral, a exemplo do ambientalista Alder Flores, ex-presidente do IMA, que também opinou sobre a extração de areia no litoral alagoano: “depende do local de extração, do sistema de licenciamento, das outras licenças de outros órgãos. Enfim  é uma série de fatores. Agora, não basta só licenciar, é necessário fiscalizar rotineiramente e atentar para o cumprimento das restrições e condicionamento da licença. Acho que em alguns casos existem o descumprimento das licenças emitidas”.

Na área da extração de areia aparecem piscinas de águas estagnadas (Foto: Edilson Omena)

Para Alder Flores, deve ser levadas em conta às restrições e condicionantes das licenças, para que sejam cumpridas integralmente, sob pena de multas, ou interdição do empreendimento.

“No entanto, às vezes isto não ocorre e como o órgão ambiental não pode estar em todo local, abusos acontecem. Por isso, além da fiscalização federal e estadual, é necessário fortalecer os órgãos municipais, visto que estão mais perto das ocorrências locais”, pontuou, acrescentando: “a atividade minerária requer muito controle ambiental”.

TAMPONAMENTO

Exploradas desde 1975, as jazidas de sal-gema, confinadas a cerca de 1.000 a 1.500 metros abaixo do solo, foram desativadas há pouco tempo e estão sendo tamponadas, desde fevereiro de 2020, com areia extraída de várias localidades.

A operação envolve mais de 30 cavidades e foi divulgada como medida preventiva, para atenuar os impactos do afundamento do solo, nos bairros atingidos pela mineração.

Empresa responde por crimes ambientais

Dos sete crimes - supostamente praticados pela Braskem e denunciados à Justiça Federal, pelo Ministério Público Federal (MPF), quatro tinham relação direta com o meio ambiente e possivelmente com a extração predatória de areia.

De acordo com a peça acusatória, apresentada na sexta-feira (17), com 390 laudas e quase 7.500 páginas de anexos, são imputadas à Braskem e seus colaboradores denunciados condutas lesivas, previstas na legislação penal, incluindo:

* Crime ambiental de poluição qualificada que torna uma área imprópria para ocupação humana;

* Apresentação de estudo ambiental falso, incompleto ou enganoso;

* Concessão irregular de licença ambiental;

* Crimes funcionais contra a administração ambiental.

A mineradora foi denunciada também por outros três crimes:

* Exploração de bens pertencentes à União sem a devida autorização;

* Dano qualificado a patrimônio público;

* Falsidade ideológica.

O MPF pediu ainda a quebra do sigilo processual e a juntada de novos documentos. Por conta do sigilo decretado, o MPF não pode disponibilizar a íntegra da denúncia e nem demais informações constantes no inquérito policial.

NOVOS CRIMES

Entre as denúncias encaminhadas ao MPF, que foram investigadas e contribuíram para a peça acusatória contra a Braskem, estavam a extração predatória de areia no Litoral Sul: na Praia do Francês, em Marechal Deodoro; em Feliz Deserto, às margens da AL-101/Sul; e agora em Piaçabuçu, nas proximidades da Praia do Pontal do Peba, na foz do Rio São Francisco, na divisa de Alagoas com Sergipe.

NOTA DO MPF

Questionado, por meio da sua assessoria de comunicação, se teria recebido alguma denúncia sobre a extração de areia em Piaçabuçu, ou se teria recebido algum relatório da Braskem dizendo a quantidade de areia comprada à empresa LE Mineração, dona da jazida localizada nas proximidades do Pontal do Peba, o MPF respondeu: “Em pesquisa no nosso sistema foi encontrada uma investigação em curso sobre seu questionamento, no entanto correndo sob sigilo a pedido do denunciante, razão por que não será possível fornecer informações a respeito”.

As denúncias de crime ambiental, por extração predatória de areia, no Francês e em Feliz Deserto, também foram anônimas, mas o MPF investigou e conseguiu a suspensão das licenças.

54 LICENÇAS

De acordo com o Instituto do Meio Ambiente (IMA) foram emitidas em 2024 pelo menos 54 Licenças e Autorizações para a extração de areia em Alagoas.

Na entrada da fazenda, as placas do IMA e da ANM mostram que a extração de areia foi licenciada (Foto: Ricardo Rodrigues)

Entre as áreas exploradas, pelas empresas mineradoras de areia, algumas já tiveram as atividades suspensas por suspeita de crime ambiental.

Foi o caso do Sítio Bom Retiro, que pertence à Igreja Católica e é administrado pela Arquidiocese de Maceió, por meio da Fundação Leobino e Adelaide Motta. Após a suspensão, ficaram as crateras e piscinas de águas paradas, na Praia do Francês, em Marechal Deodoro, às margens da AL-101 Sul. A extração no Francês quase acaba com as Dunas do Cavalo Russo, uma Área de Proteção Ambiental (APA).

“A legislação ambiental determina que, ao término da atividade, as empresas devem apresentar e executar um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), conforme o projeto aprovado antes do início da extração”, explicou a assessoria do IMA.

“É importante destacar que nenhuma dessas autorizações ou licenças foi emitida em nome da Braskem. No caso do sítio Bom Retiro, a licença permanece vigente, porém deve seguir todos os trâmites legais estabelecidos”, acrescentou.

“A licença referente ao sítio foi cancelada e o local deverá atender às adequações exigidas pela legislação antes de qualquer nova autorização. O Plano de Recuperação de Área Degradada também será submetido à avaliação conjunta do IMA e do Ibama”, concluiu.

LE Mineração pertence a Lula Leão

Mineradora é do mesmo grupo da Mandacaru, que já extraiu areia da praia do Francês, em parceria com a Igreja Católica

A LE Mineração, segundo informações dos sites de busca, está registrada no nome do empresário Luiz Phillipe Malta Buyers, mais conhecido como Lula Leão, cuja família era dona da antiga Usina Utinga Leão, com sede em Rio Largo, na região metropolitana de Maceió. Ele seria casado com Ana Cecília Pinto Gameleira Buyers, que figura como sócia, junto com Elderclenio Correia dos Santos, de uma outra mineradora, que também era cliente da Braskem: a Mandacaru Extração de Areia e Comércio de Material de Construção.

No contrato da Mandacaru com a Fundação Leobino e Adelaide Motta, administrada pela Arquidiocese de Maceió, para a extração de areia do Sítio Bom Retiro, localizado na Praia do Francês, em Marechal Deodoro, o empresário Lula Leão aparece como avalista da parceria, conforme assegura o Cartório do 2º Registro de Títulos e Documentos, em Maceió.

Isso mostra que o casal - residente no Residencial Granville, em Marechal Deodoro - vinha extraindo e vendendo areia de praia desde abril de 2018, quando o contrato foi assinado com a Fundação Leobino e Adelaide Mota, à época representada pelo cônego Severino Fernando de Sousa Neto, então residente e domiciliado na Rua Tavares Bastos, número 163, no Centro de Rio Largo.

No contrato, a arrendatária disse que pretendia explorar a retirada de areia fina salinizada inserida na propriedade da arrendadora, em uma área de 5,69 hectares, delimitada por um polígono com vértice e coordenadas, conforme a planilha anexa do Registro de Licença número 036/2013 do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) - uma autarquia federal substituída pela atual Agência Nacional de Mineração (ANM), com sede em Brasília (DF).

Caçamba da LE Mineração deixa o local da extração, em Piaçabuçu, carregada de areia, que era retirada do Francês pela Mandacaru (Foto: Ricardo Rodrigues)

O volume estimado de exploração, consignado no contrato, era de 174.348,49 metros cúbicos de areia de praia, de acordo com os direitos concedidos pela Portaria de Lavra, publicada no Diário Oficial da União, do dia 8 de outubro de 2013.

A estimativa das reservas poderia ser reavaliada a cada seis meses pelas partes, com o fim de redimensionar o potencial de exploração da área, com implicações nos direitos e deveres ora pactuados.

No contrato estava consignado também que a Mandacaru deveria entregar à Fundação, a cada seis meses, um relatório contendo informações detalhadas de suas atividades de exploração, contendo dados detalhados referentes aos resultados, investimentos, assim como outros assuntos relacionados às medidas sociais, ambientais e de segurança relativas à área explorada, no caso o Sítio Bom Retiro.

O prazo estipulado no contrato, para a exploração da área, era de 24 meses (dois anos), “a começar no dia 8 de abril de 2018 e a terminar no dia 7 de abril de 2021, podendo ser prorrogado por comum acordo entre as partes, por iguais e sucessivos períodos”.

Pela exploração da areia, a Mandacaru pagaria a Fundação o valor líquido - livre de tributos e despesas - de R$ 12,00 por cada metro cúbico de areia extraída. O pagamento deveria ser feito na conta bancária da Fundação no dia 10 do mês seguinte à medição do mês imediatamente anterior, sempre conforme os relatórios de notas de vendas.

O valor do metro cúbico seria reajustado anualmente, em percentual que venha ser acordado entre as partes. “Caso não haja acordo, será usado como base de reajuste o INCC - Índice Nacional da Construção Civil”, acrescenta o parágrafo terceiro da cláusula terceira do contrato.

Para saber a quantidade de metros cúbicos de areia extraídos do imóvel, a Mandacaru deveria manter, às suas custas, um servidor que acompanharia e supervisionaria a operação de exploração do Sítio Bom Retiro. Com base nesse trabalho, a Mandacaru deveria emitir um documento próprio em duas vias contendo a quantidade de metros cúbicos retirados do imóvel em caminhão caçamba.

Esse documento seria em duas vias para que fosse assinado pelos servidores da arrendadora e da arrendatária, servindo o documento como prova da quantidade de areia extraída pela Mandacaru, como parâmetro para o pagamento a ser feito à Fundação administrada pela Arquidiocese de Maceió.

O faturamento da Fundação com a venda da areia não era contabilizado, por isso estão implicados nas investigações sobre desvio de recursos da Arquidiocese, o ex-arcebispo Dom Antônio Muniz e o padre Walfran Fonseca.

A pedido do atual arcebispo, Dom Beto Breis, as supostas irregularidades - como a falta de prestação de contas, desvios de recursos e venda de imóveis da Igreja - estão sendo apuradas pelo Ministério Público Estadual, por meio do Gaeco, que é responsável pelo combate ao crime organizado.

MPF revela que a investigação corre em sigilo

O MPF em Alagoas disse que tem conhecimento das atividades da LE Mineração em Piaçabuçu. “Em pesquisa no nosso sistema foi encontrada uma investigação em curso sobre a extração de areia no Peba, no entanto correndo sob sigilo a pedido do denunciante, razão por que não será possível fornecer informações a respeito”.

Por meio de nota, o IMA confirmou que concedeu licença à LE Mineração para extrair areia na fazenda Várzea do Roçado, localizada em Piaçabuçu e sob nome do empresário Luiz Phillipe Malta Buyers, conhecido como Lula Leão.

O Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL) informa que a empresa LE Mineração possui licença ambiental vigente, concedida de acordo com todos os trâmites legais estabelecidos pelo órgão, incluindo a anuência da Agência Nacional de Mineração (ANM), necessária para a atividade de extração de areia no município de Piaçabuçu. O IMA ressalta que a destinação do material extraído é de responsabilidade exclusiva da empresa licenciada, conforme previsto na legislação ambiental. O Instituto reforça seu compromisso com a transparência e o cumprimento rigoroso das normas ambientais em todas as etapas do processo de licenciamento”.

Questionada se o IMA teria conhecimento de que a empresa licenciada, a LE Mineração, é do avalista da Mandacaru, denunciada por crime ambiental, praticado na extração de areia na praia do Francês, em Marechal Deodoro - a assessoria do Instituto não respondeu.

OUTRO LADO

O advogado da LE Mineração, Marcos Jatobá, disse que a extração está toda legalizada e que apenas 5% do total de areia disponibilizada. Ele confirmou que a areia é fornecida à Braskem desde o início de 2025 e que a área da fazenda tem 111 hectares. “A LE tem autorização para extrair um milhão de metros cúbicos de areia, mas até agora só retirou mil metros cúbicos”, afirmou.

A Braskem foi questionada sobre as empresas que vendem areia para ela, os locais de extração e a quantidade do mineral usado para tamponar as minas desativadas; e quanto já foi gasto na operação de tamponamento, mas a mineradora não quis revelar nada. Veja o que a empresa disse:

A Braskem informa que a areia adquirida junto a fornecedores para o preenchimento de cavidades é proveniente de jazidas devidamente licenciadas pelos órgãos competentes”.

As licenças liberadas - pelo Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) e pela Agência Nacional de Mineração (AMN) - para a extração de areia vendida à Braskem, até então, ou foram suspensas ou estão sendo questionadas, após denúncias publicadas pela Tribuna Independente.

A primeira delas, no final de janeiro de 2023, quando a extração de areia, executada pela Mandacaru, na Praia do Francês, dentro do terreno da Igreja Católica, chegava às Dunas do Cavalo Russo.

Foi suspensa também a extração de areia de Feliz Deserto, cuja jazida era explorada pela empresa Geomineração, cujos donos eram sócios de Sérgio Chueke, que também fornecia areia para a Braskem, extraída do Sítio Accyoli, vizinho ao Sítio Bom Retiro, no Francês.

Foram denunciadas também a extração predatória de areia, para abastecer a Braskem, em Satuba, nas terras que pertenceram à antiga Usina Utinga Leão, pela construtora MTSul; e em Coruripe, no Povoado Poxim, na Fazenda Águas Pitubas, que faz divisa com a fazenda comprada por Thereza Collor e o marido.

No ano passado, um acidente provocado por uma caçamba de areia, que saia da jazida do Poxim e acessava imprudentemente a pista da AL-101 Sul, matou uma turista mineira e o motorista do micro-ônibus, da empresa Look Receptivo.

Portanto, de 2023 para cá, ao invés de diminuir (por conta das denúncias), aumentou a movimentação de carretas e caçambas carregadas de areia pela rodovia que liga Maceió ao Litoral Sul alagoano.

Na falta do mineral, a Braskem já trouxe até um navio carregado de areia da Bahia, conforme confirmou a administração do Porto de Maceió. Tudo isso para tamponar a maioria das 36 minas de sal-gema, desativadas por decisão judicial.