Política

Fenaj: “jornalismo está sob ameaça”

Presidente da federação nacional, Maria José Braga acompanha greve dos jornalistas em Alagoas e avalia atual cenário da profissão

Por Carlos Amaral 29/06/2019 08h33
Fenaj: “jornalismo está sob ameaça”
Reprodução - Foto: Assessoria
Esta semana foi marcada pela greve dos jornalistas dos três maiores grupos de comunicação de Alagoas – Organização Arnon de Mello (OAM), Pajuçara Sistema de Comunicação (PSCOM) e Grupo Opinião – por proporem redução do piso salarial em 40%. Por conta disso, a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, esteve em Maceió para apoiar o movimento grevista. À Tribuna, ela fala sobre a situação nacional da categoria e do exercício profissional no país. Em sua avaliação, o jornalismo está ameaçado, seja por falta de investimento em qualidade de produto, seja pela situação política do Brasil. Tribuna Independente – Tivemos recentemente uma sequência de afastamentos de jornalistas por criticarem o governo Jair Bolsonaro (PSL) e mesmo ataques às empresas que publicam material contrário aos interesses do Planalto. Qual a sua avaliação da situação profissional dos jornalistas no país, há um movimento de censura?  Maria José – Não temos a censura instituída, mas nós, da Fenaj, acreditamos que a atividade jornalística no Brasil está sob ameaça em alguns aspectos: pela atividade econômica do jornalismo, onde as empresas de comunicação – por uma suposta crise financeira na qual nunca temos acesso às contas para saber até onde isso é real e quais seus motivos – deixaram de investir no jornalismo, e da pior maneira possível que é investir no jornalista. Houve um enxugamento muito grande nas redações do país nos últimos cinco anos e troca de mão de obra, de jornalistas experientes por mais jovens e mais baratos. Isso acarretou na perca de qualidade do produto oferecido à sociedade. Nesse sentido, a gente diz que há uma ameaça real de o produto ofertado contribuir para que a sociedade não ache o jornalismo necessário. É preciso investir na qualidade do jornalismo para que ele, de fato, cumpra seu papel social e o cidadão esteja disposto a pagar por ele. Tribuna Independente – E por que a senhora acha que as empresas tomaram esse caminho?  Maria José – Acho que por um equívoco de avaliação, pois vários grandes grupos internacionais estão investindo no jornalismo e conseguiram recuperar receitas, ampliar redações e dar um salto de qualidade nos produtos oferecidos. A gente tem, inclusive, experiências de grupos internacionais que passaram a atuar no Brasil com certo sucesso. Volto a dizer, a gente não sabe o tamanho do sucesso econômico porque nunca temos acesso às contas. Mas com sucesso de credibilidade e crescimento de público. Dou como exemplo o El País Brasil, que é um grupo espanhol e tem hoje um público leitor qualificado e significativo. Voltando, a outra ameaça à atividade jornalística é a frágil situação da democracia e do Estado Democrático de Direito no Brasil. A Fenaj, antes mesmo da eleição do presidente Bolsonaro, se posicionou contrária àquela candidatura devido aos seus posicionamentos e posturas antidemocráticas, o que está se configurando agora. Temos um presidente que discrimina jornalistas e veículos de comunicação, que está fazendo trabalho seletivo junto à imprensa, que desqualifica a imprensa, como um todo e os jornalistas em suas falas e, de alguma forma, incita seus seguidores a vigiarem jornalistas nas redes sociais e se contraporem a posições críticas ao governo, que se dá, na maioria das vezes, com agressões verbais e ameaças. Há uma intimidação permanente para que o jornalista não faça seu trabalho e não apresente à sociedade questões que são tratadas pelo governo. Tribuna Independente – Aqui em Alagoas, os três maiores grupos de comunicação – OAM, PSCOM e Grupo Opinião – propuseram redução de 40% do piso salarial. Cada estado do país tem seu acordo coletivo de piso salarial, mas como está essa discussão em nível nacional?  Maria José – A gente tem uma situação, realmente, distinta em cada estado brasileiro. Temos estados com piso único; estados com pisos diferentes por segmento da categoria, jornalistas de rádio têm um piso, de tevê tem outro, de assessoria, outro. E a gente tem diferentes valores desse piso entre os estados e às vezes no mesmo estado. A posição da Fenaj é lutar por piso único. Inclusive, temos uma luta pelo piso nacional. E piso tem de ser considerado piso mesmo, é o mínimo que o jornalista pode ganhar pelo seu trabalho, mas, infelizmente, as condições estão muito fragilizadas. Essa discussão do piso nacional está, praticamente, em banho-maria por causa da formatação ado Congresso e das próprias dificuldades que os sindicatos e a Fenaj estão enfrentando por causa da contrarreforma trabalhista. Tribuna Independente – O Supremo Tribunal Federal tirou a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista, mas há um projeto no Congresso para regulamentar isso. Como está seu trâmite?  Maria José – A Fenaj deixou essas grandes questões da categoria, que estavam em discussão no Congresso, repito, em banho-maria. Por quê? Por que desde que se articulou no Congresso o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff [PT], com a eleição do Eduardo Cunha [MDB, presidência da Câmara dos Deputados], entendemos que não havia mais condições políticas de trabalharmos para essas conquistas. A dificuldade para articular apoio das lideranças partidárias aumentou muito para votar a PEC do Diploma, que exigia 2/3 dos parlamentares. Não é uma votação fácil. Depois das eleições de 2018, estamos tendo de refazer o trabalho de mapeamento das bancadas para entender quem é quem e quais são suas posições. Mas, em principio, acreditamos que as condições não são favoráveis aos jornalistas, nem para nenhuma outra categoria de trabalhadores brasileiros. Há um conservadorismo maior nas bancadas no Congresso e há uma pauta do Executivo que é de desmonte do Estado brasileiro e de retirada de direitos. Não bastou a contrarreforma trabalhista, mas o governo Bolsonaro já tem decretos e Medidas Provisórias que prejudicam os trabalhadores e suas entidades representativas. Por exemplo, a Medida Provisória que proíbe a dedução em folha da contribuição sindical, mesmo a espontânea do trabalhador. Isso é um baque para as entidades sindicais, porque dificulta a arrecadação. E agora, tem a reforma da Previdência que se trata de um desmonte.