Política

Milhares dependem de decisão sobre 2ª instância, diz Associação

ACRIERGS critica posicionamento de Cármen Lúcia ao se recusar colocar tema em pauta, ‘talvez’ por antever reviravolta em favor de Lula

Por Lilian Milena com Jornal GGN 02/02/2018 08h44
Milhares dependem de decisão sobre 2ª instância, diz Associação
Reprodução - Foto: Assessoria
Ao se negar a colocar em pauta o debate sobre a execução da sentença após condenação em segunda instância, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, está sendo influenciada pela pressão externa, apesar de dizer o contrário em entrevistas recentes. A avaliação é da Associação dos Criminalistas do Rio Grande do Sul (ACRIERGS). Em uma ação protocolada nesta quarta-feira (31) na Corte e endereçada ao ministro Marco Aurélio Mello, relator da Ação Penal de Constitucionalidade 44, a organização pede ao magistrado para retomar o tema e, ainda, que conceda a liminar que impede a antecipação de execução de pena antes de esgotados todos os recursos nas instâncias superiores. O tema é motivo de polêmica no meio jurídico e gera divergência dentro da própria Corte. Em dezembro de 2017, Marco Aurélio Mello solicitou à presidente do Supremo colocar o assunto em pauta. Porém, recentemente,  durante um jantar com jornalistas e empresários, a ministra Cármen Lúcia disse que não reabriria a discussão por causa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). "O Supremo não se submete a pressões para fazer pautas", disse ao jornal O Globo, completando: "A questão foi decidida em 2016 e não há perspectiva de volta a esse assunto". Entretanto, para a Associação dos Advogados Criminalistas não é justo que as ações de pessoas sob julgamento fiquem em suspensão por causa do imbróglio que o Supremo tenta evitar para não acabar se envolvendo na questão Lula, colocando a Corte em xeque-mate: "Se as ações forem julgadas procedentes somente depois de efetivada a prisão do político visado, haverá quem diga que o Supremo atuou para soltá-lo; se forem julgadas improcedentes, dirão que o Supremo deliberou com o intuito de mantê-lo preso - e assim por diante". Associação pontua, ainda, que a fala de Cármen Lúcia tem caráter "discricionário e imotivado", exercendo um efeito exatamente contrário do que ela tenta transmitir: "aparenta ter sido emitida justamente para aplacar pressões exercidas por setores da mídia e da opinião pública; círculos claramente a expressarem que o pronunciamento definitivo nessas ações declaratórias terá cunho casuística”, caso a mudança de entendimento dos ministros carrete em obstáculo a prisão de Lula. Os advogados completam que, sem uma definição clara do Supremo, milhares de encarcerados estão sendo prejudicados em todo o país. "A nenhuma autoridade da República é dado o poder de suspender a jurisdição - muito menos, a jurisdição constitucional; muito menos ainda, ao custo de milhares de vidas a serem destruídas pelo cárcere antecipado”, pontuam. Os advogados alegam também que, ao evitar colocar o assunto em pauta, o que Cármen Lúcia pode estar antevendo é "uma reviravolta no entendimento". "E, caso seja verdade tal perspectiva, o retardamento da entrega jurisdicional talvez esteja ocorrendo porque a Colenda Presidência não concorda com a provável solução que será dada", mesmo que isso sacrifique "milhares de pessoas com penas criminais executadas provisoriamente, em franco desrespeito à Constituição Federal". Sujeitos a “loteria” do STF Em fevereiro de 2016, o plenário do Supremo aprovou o entendimento de que era possível a execução da pena após condenação em segunda instância. A discussão surgiu no julgamento do Habeas Corpus 1.262.292, e seis ministros acompanharam o relator, Teori Zavascki, formando a maioria: Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ficaram vencidos Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello. Em outubro de 2016, o tema foi novamente provocado na Corte nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, mas o Supremo manteve o entendimento anterior por seis votos a cinco. Naquele momento, Dias Toffoli, alterou seu voto, posicionando-se contrário a prisão antes de esgotados todos os recursos do réu no Superior Tribunal de Justiça. Apesar de não ter força vinculante, ou seja, a prisão não é obrigatória após esgotadas as instâncias ordinárias, juristas contrários alegam que o entendimento incentiva a adoção do posicionamento produzido na HC 126292 em tribunais de todo o país. Além disso, o tema não foi resolvido dentro da Corte e alguns Ministros apresentaram posições divergentes meses depois ao analisarem outros pedidos de Habeas Corpus, "trazendo um indesejável caráter lotérico à jurisdição criminal", completa a ACRIERGS na ação protocolada nesta quarta-feira. "Os jurisdicionados [pessoas sob julgamento] têm seus destinos atualmente sujeitos à sorte da distribuição dos processos da Corte, de modo que uns serão submetidos à execução criminal somente depois do trânsito da sentença contra eles prolatada, ao passo que outros serão presos logo depois de exaurida a segunda instância - tudo a depender do julgador escolhido pelo sistema eletrônico de sorteio". Janela de Lula  Juristas que avaliam a movimentação no Supremo Tribunal Federal afirmam que, se for colocada novamente em debate, a Corte poderá alterar seu entendimento favorecendo o ex-presidente Lula, desobrigando-o a cumprir pena com a determinação do TRF-4. Isso porque, em 2017, Gilmar Mendes também mudou sua posição ao julgar o Habeas Corpus 142.173, aderindo a posição de Toffoli. Além disso, houve mudança na composição do STF, com a entrada do ministro Alexandre de Moraes. Se o julgamento de um eventual recurso de Lula, por exemplo, recair sobre a 2ª Turma apenas o ministro Edson Fachin defenderia o cumprimento imediato da ordem de prisão após segunda instância. Mendes e Toffoli votariam que a pena só pode ser cumprida após julgamento pelo STJ, enquanto Lewandowski e Celso de Mello, após esgotados todos os recursos. As regras legais que dão base aos juristas contrários ao entendimento de que um réu condenado em segunda instância deve começar a cumprir pena estão no artigo 5º alínea LVII da Constituição que diz que "toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado". E na legislação infraconstitucional é o Código de Processo Penal em seu artigo 283 que trata da matéria: "Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva".