Política
Ciro Gomes: Elite amordaça política brasileira com censura e intimidação
Pré-candidato à Presidência da República tratou do atual cenário político e fez críticas ao Congresso Nacional: “Ou eu quebro ou serei quebrado”
Ciro Gomes (PDT-CE) é um dos pré-candidatos mais destacados à Presidência da República nas eleições de 2018. Com discurso desenvolvimentista e democratizante, ele conversou com a Tribuna Independente sobre a possível candidatura; projeto de país; mobilizações populares contra as reformas trabalhista e previdenciária que, em sua visão, são resultados do “golpe” que retirou Dilma Rousseff (PT) da Presidência; a relação entre as forças de esquerda no cenário político, sobre Lula e sobre a Lava Jato. De forma direta, Ciro falou do que pensa da política brasileira atualmente. “Se você imaginar um presidente como eu com esse Congresso que temos, não vai dar certo de jeito nenhum. Ou eu quebro ou serei quebrado”.
Tribuna Independente – Quando começou toda aquela campanha do impeachment e que os movimentos sociais tentavam fazer contraposição, você afirmou muitas vezes que era difícil convocar as pessoas para defender a democracia em abstrato. Agora, com as reformas trabalhista e previdenciária ficou mais fácil mobilizar?
Ciro Gomes – Sem dúvida. A concretude, a clareza do que se trata o organismo central do golpe acordou o nosso gigante, a nossa nação. No momento em que falo com você, eu estava ali acompanhando as coisas e conversando com companheiros do Brasil inteiro, meu coração tá na rua, rezando para que deus proteja nossos valentes que estão enfrentando a repressão. Mas acho que esse 28 de abril será uma referência histórica para o país.
Tribuna Independente – É possível reverter o que está em andamento no Congresso?
Ciro Gomes – O que está em andamento, eu acho que já ganhamos. Com tudo que estou vendo hoje [sexta-feira, 28], a questão da previdência eu acho que não prosperará, pelo menos da forma como foi feito. Para preservar protocolo, eles vão descaracterizar ao máximo para tentar livrar a cara adjetiva que conseguiram viabilizar, até porque a plutocracia que está por trás do golpe impôs isso ao senhor Michel Temer. Essa é uma das razões do golpe que é não só a previdência, mas também controlar o orçamento federal de maneira a gerar excedentes a qualquer custo social e politico para jogar no poço sem fundo da dívida pública. A PEC [Proposta de Emenda Constitucional 55] que congelou os gastos com saúde, educação, segurança por vinte anos foi uma violenta revogação da Constituição de 1988, mas o povo ficou em casa porque as grandes mediações não traduziram a concretude disso. Não deu para o povo entender o que significava. Porém, o que se mexe no concreto da relação de trabalho, e especialmente naquilo que é um valor clânico da nação brasileira que é a proteção dos nossos pais e dos nossos avós, o povo acordou.
Tribuna Independente – Numa entrevista sua à revista Carta capital, há dois anos, o senhor colocou que o povo brasileiro ainda não estava preparado para o Ciro Gomes presidente e que seu nome era mais para momentos de embate…
Ciro Gomes – Não é que não esteja preparado, o povo brasileiro é muito maior do que eu e espero que Deus um dia me permita o privilégio de servir a esse povo, sendo seu presidente. O que eu digo é a psicologia da política brasileira, que é amordaçada pela elite. A elite brasileira para preservar seus privilégios usa basicamente duas ferramentas: a intimidação e a censura. E o povo não sabe, na prática, o que está acontecendo. Por exemplo, se o povo soubesse que nesse ano, na medida em que se avança para desconstituir um mínimo de proteção ao trabalho, estão transferindo mais de meio trilhão de reais, de dinheiro do povo. Dinheiro que não está nas escolas, nas delegacias de polícia, nos postos de saúde e está indo para dez mil famílias de barões, que vivem do rentismo e da especulação financeira e tendo o governo como seu intermediário. Tenho certeza que se o povo brasileiro soubesse disso, a coisa não seria tão moderada como está sendo. E eu carrego a informação disso desde sempre, por isso que tendo sido ex-deputado, ex-prefeito de capital, ex-governador, ministro da fazenda e ajudado a fazer o Plano Real, ministro da integração nacional e ajudado a tocar projetos importantes para o país, de mim só se diz que eu sou ‘bocão’, agressivo.
Tribuna Independente – Por quê?
Ciro Gomes – Porque eles querem matar o carteiro para você não ler a carta. Essa é a questão. Em todas essas minhas experiências eu saí com grande aprovação popular, as maiores do país. Se eu fosse mesmo esse ‘bocão’ e descuidado com minhas palavras, provavelmente eu teria ficado como deputado estadual. O que eu digo são números. É verdade ou não que o país vai passar mais de meio trilhão de reais, de dinheiro do povo, este ano, no meio desse sacrifício, com 14,5 milhões de desempregados, o maior volume da História, milhões de brasileiros empurrados para o trabalho informal, para o biscate para poder dar o que comer a seus filhos, enquanto eu mostro tudo isso com números. Eu apontei, tendo ajudado a fazer o Real, a grande manipulação que o Fernando Henrique fez em troca da sua reeleição. Eu aceitei ser ministro do primeiro governo do Lula, mas quando começou essa esculhambação eu larguei, não aceitei mais. Com muita honra fui convidado por ele no segundo mandato e pela Dilma [Rousseff] nos dois mandatos e nunca aceitei. Venho me mantendo como lá trás, ainda jovem, não tenho empresa, não tenho rádio nem tevê, não sou sócio de nada e não tenho pensão. Não aceitei receber três pensões que as leis imorais do Brasil dão aos privilegiados: ex-governador, ex-prefeito e ex-deputado. Nunca aceitei receber.
Tribuna Independente – Sempre se fala que o campo da esquerda é dividido. Como o senhor vê isso, hoje há o seu nome e o do Lula colocados para a Presidência da República dentro do mesmo campo político?
Ciro Gomes – Nesse momento não tem nada demais, agora é o momento de ‘balé’. Se você olhar há quatro meses o que estava escrito nos jornalões de São Paulo e do Rio de Janeiro era que o Alckmin já seria o próximo presidente da República. Hoje ele sumiu porque inventou um farsante que está querendo comer o fígado dele e está cheio de denúncia da Lava Jato. Nesse país, as coisas do jeito que estão qualquer previsão de é precária, mas você pode entender o presente. O que está acontecendo? O Lula não tem outra forma de atuar no presente a não ser afirmar uma possível candidatura. Por quê? Porque ele precisa dar uma narrativa a seu partido, na medida em que ele é esse tipo de líder meio caudilho que não deixou nascer nada depois dele. Quem é o segundo petista se o Lula não for candidato e que sai naturalmente com 10% da força dele? Não tem. Essa é uma característica lamentável da política latino-americana que eu, por exemplo, sabendo disso, não cultivo. Não faço da política meio de vida e o Ceará, por exemplo, que é minha responsabilidade imediata, é governado por um grupo de jovens preparado e qualificados a quem dei voz, vez, capacitei, trenei, mostrei meus acertos e erros e hoje temos números importantes.
Tribuna Independente – O Lula está sendo perseguido politicamente?
Ciro Gomes – O Lula precisa dar essa narrativa ao petista e se afirmar como perseguido político, na medida em que, de fato, em parte importante da energia odienta que se levanta contra ele é perseguição política. Não digo da Justiça, porque todos nós homens públicos temos que nos ex-plicar. Ninguém tem o direito de ser imune e fazer o que bem entender. O Lula andou brincando de deus e está pagando um preço muito caro. Quem botou essa trupe de Michel Temer e Eduardo Cunha na linha sucessória do Brasil foi ele. Mas que ele tenha o direito de ser candidato.
Tribuna Independente – Mas se o Lula for candidato, o senhor também será?
Ciro Gomes – Eu, já disse e repito, não tenho vontade de ser candidato se o Lula for. Entenda bem, só serei candidato numa única condição: se o PDT quiser. E o serei com toda a disposição. Me preparei a vida toda para isso, mas sei o que me espera. Um cara que pensa o que eu penso, que fala o que eu falo e que tem os antagonismos que tenho, está condenado a uma trajetória quase inumana. E eu topo. Mas o Lula candidato, ele polariza o ambiente todo, a favor e contra. O ódio explode. O sectarismo político arrebenta. Esquenta tudo. E o povo vai ter dificuldade de me achar. Imagina eu dizendo: calma aí, vamos fazer aqui um projeto. O problema do Brasil é falta de capital doméstico, que se constrói assim, assado. Fica estranho. Mas vou lutar.
Tribuna Independente – Um projeto assim precisa de relação com o Congresso Nacional e o senhor tem dito que avisa às pessoas que prestem atenção em quem vão eleger como parlamentares porque será com eles que se vai negociar. Hoje o Brasil, com a realidade política que temos, permite um Congresso para materializar isso?
Ciro Gomes – Se você imaginar um presidente como eu com esse Congresso que temos, não vai dar certo de jeito nenhum. Ou eu quebro ou serei quebrado. Eu sou um velho político e não uma novidade que acabou de chegar. Sou uma pessoa treinada. O presidencialismo de impasse que temos no país, diz que o presidente eleito acaba construindo na origem do seu mandato uma maioria. Ela pode não ser a de 3/5, que também não precisa, mas não houve nenhum que não começasse com maioria, inclusive o Fernando Collor que quando sequestrou a poupança do país ninguém deu um pio. Porque quando o povo elege um presidente, meio que lhe dá um cheque em branco devido a esse defeito de não se informar pedagogicamente do que se trata. Eu já vou tentar atenuar isso informando ao máximo o que pretendo fazer, para que as pessoas que votarem em mim não o façam só porque gostam de mim, mas já sabendo o que quero fazer. Depois tem de negociar com base nas tradições federativas brasileiras. Ao invés do parlamento, que tem grupo de pressão, e a grande mídia que também serve a esses grupos de pressão, tem de negociar com os governadores. Hoje a Federação está quebrada, o que faz que qualquer governador, de qualquer partido, vá conversar com o presidente da República. E temos vários estados ingovernáveis. Há assuntos em que o presidente da República tem de abrir mão de sua própria ideia, como a previdência. Como presidente tem de marcar o início e o fim do debate. Chamar o povo, os intelectuais, os congressistas. Se o sistema representativo se sentir confortável, pronto passou. Se não, chama o povo em plebiscitos ou referendos. Como eu sei que tem de ser assim? Porque quem não fez perdeu. O Fernando Henrique não fez no segundo mandato e perdeu para o Lula. E o Lula não fez assim no segundo mandato e precipitou o país com a Dilma que resultou num golpe de Estado.
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