Polícia

70% dos processos nas varas da infância são casos de violência sexual

Operando há pouco mais de um mês no estado, Patrulha Menino Bernardo acompanha quatro vítima de abuso

Por Valdete Calheiros - colaboradora / Tribuna Independente 19/09/2025 09h01 - Atualizado em 19/09/2025 09h14
70% dos processos nas varas da infância são casos de violência sexual
Criada há pouco mais de um mês, Patrulha Menino Bernardo tem auxiliado as famílias das vítimas - Foto: Ascom PM/AL

Cerca de 70% dos processos que tramitam nas varas especializadas em infância e juventude são de violência e exploração sexual contra criança ou adolescente. A afirmação é da comandante do Batalhão de Polícia Escolar e gestora da Patrulha Menino Bernardo em Alagoas, major Noêmi Gomes Firmo Soares.

Operando há pouco mais de um mês em uma ação pioneira do governo do estado, a Patrulha Menino Bernardo acompanha, de perto, quatro casos, sendo duas vítimas meninos e duas vítimas meninas.

O caso mais recente diz respeito ao garoto de 13 anos que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) e que foi sexualmente violentado por um professor de Geografia, de 37 anos, na última segunda-feira. Este caso de estupro é um dos mais recentes cometidos contra um menor de idade na capital alagoana e que chocou à população.

O acusado pelo estupro passou pela audiência de custódia na manhã de ontem. A Justiça decidiu pela sua prisão. Em uma das suas redes sociais, ele se apresenta também como bacharel em Direito e educador socioambiental.

Após sua prisão, as duas escolas privadas em que o acusado lecionava a alunos dos 6º ao 8º ano, anunciaram, imediatamente, o desligamento do funcionário.

Em vigor desde o ano passado, a Lei nº 14.811/2024 dispões sobre a obrigatoriedade da certidão de antecedentes criminais para profissionais que trabalham com crianças e adolescentes em escolas públicas e privadas e outras instituições similares, sendo válida para professores e todos os demais colaboradores.

A medida faz parte da Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual, exige a apresentação e a atualização a cada seis meses dessas certidões, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A lei é válida para casos em que o processo foi transitado e julgado.

No caso do professor de Geografia, apesar de ter sido preso, anteriormente, duas vezes por armazenar conteúdo pornográfico e por praticar zoofilia, no ano passado, ele estava em liberdade, concedida pela Justiça. Sem o caso ter sido julgado, não havia ficha criminal que o desabonasse.

Formado pela Universidade Federal de Alagoas, ele teve vínculos com escolas públicas.

A reportagem do jornal Tribuna Independente apurou que ele combinou, em conversa com um amigo em um aplicativo de mensagens por áudio, levar uma galinha a um motel.

Antes do estupro contra o menor ser concretizado, o homem mantinha conversas, há alguns meses, com o adolescente por meio do aplicativo de mensagens Grindr, voltado para relacionamentos entre maiores de 18 anos. O professor tem um companheiro, usa, inclusive, aliança de casamento, e foi detido sob o olhar espantado da mãe que não conhecia a rotina criminosa do filho.

Segundo a mãe da vítima, laudos do Instituto Médico Legal (IML) confirmaram o estupro. Aos poucos, a família tenta voltar à rotina. O garoto voltou às aulas e aguarda o início das sessões com psicólogos.

ENTENDA O CASO

Na última segunda-feira, a mãe do menor procurou a polícia para denunciar que o filho foi vítima de estupro em Maceió. O autor do estupro estacionou o veículo na rua em frente ao residencial onde a família mora.

O acusado não era professor da vítima. O menor ficou com o criminoso por cerca de uma hora. Neste intervalo, o menino chegou a informar à mãe a localização em tempo real, junto à frase: “quero voltar para casa, mãe!” Depois dessa mensagem, a comunicação foi encerrada. Ao retornar para casa, depois de um longo abraço e lágrimas de ambos, o adolescente relatou o abuso à mãe. Contou que houve toques íntimos e penetração.

O próprio acusado levou o menino de volta para casa, deixando-o em um lugar mais afastado. O menino lembra de ser sido levado a um prédio e ter subido até um apartamento de escadas. A família acredita que o imóvel é do acusado.

Patrulha Menino Bernardo

Conforme a major Noêmi Firmo, a patrulha trava uma luta diária no combate a este tipo de violência. Uma peculiaridade da viatura é a cor laranja, para chamar a atenção para a cor que define o maio laranja, mês de campanha de conscientização e combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. “Em Alagoas, essa vigilância é diária”, frisou a militar. A Patrulha Menino Bernardo entrou passou a operar desde o último dia 1° de agosto.

Segundo ela, a sociedade também tem a responsabilidade de proteger esse público vulnerável. “Proteger criança e adolescente é um dever de todos. Então é importante a denúncia através do 181 ou o acionamento das forças de segurança através do 190.

No entanto, é ainda mais importante orientar, informar, proteger, isso inclui, sobretudo, o acompanhamento, o monitoramento do que os filhos acessam na internet”.

A Patrulha Menino Bernardo é inspirada nos moldes da Patrulha Maria da Penha que assiste mulheres vítimas de violência doméstica com medida protetiva de urgência emitida pela Justiça.

O nome da Patrulha é uma alusão ao garoto Bernardo Uglione Boldrini que ficou conhecido nacionalmente como “Menino Bernardo”. O adolescente tinha apenas 11 anos quando foi brutalmente assassinado. Seu corpo foi encontrado enterrado às margens de um rio, 10 dias após a comunicação de seu desaparecimento. Entre os quatro condenados pelo homicídio, estavam o pai e a madrasta do menor.

O caso emblemático que comoveu o país ocorreu no ano de 2014, na cidade de Três Passos, no Rio Grande do Sul. A brutalidade e repercussão mobilizou a opinião pública, ensejando na criação da Lei Menino Bernardo, que proíbe castigos físicos e tratamentos cruéis contra crianças e adolescentes.