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Guardiola, Gabriel Jesus, Neymar, Ganso... Tite abre o jogo em entrevista

Técnico da Seleção revela detalhes de conversas com treinadores, como Klopp, do Liverpool, e jogadores, como Ganso, do Sevilla, em sua passagem pela Europa

Por globoesporte.com 26/02/2017 17h11
Guardiola, Gabriel Jesus, Neymar, Ganso... Tite abre o jogo em entrevista
Reprodução - Foto: Assessoria

Tite dedicou as últimas semanas para observar in loco muitos de seus principais jogadores na Europa. Em sua última cidade do roteiro, Sevilha, concedeu entrevista ao jornal português “O Jogo”, onde abordou diversos temas e personagens: Copa do Mundo, Guardiola, Klopp, Ancelotti, Gabriel Jesus, Neymar, Ganso...A conversa com o ex-jogador do São Paulo se destacou entre tantas frases. Ganso tem tido dificuldades em sua primeira temporada na Europa e, atualmente, sequer faz partes dos planos do técnico Jorge Sampaoli. Como Tite tentou motivá-lo?

- Disse, logo no começo do papo: “Você é o jogador que me obrigava a dar uma orientação especial para o Ralf nos jogos contra o Santos e, posteriormente, o São Paulo”. É um meia que não pode ter espaço para jogar, é muito criativo. A capacidade de assistência dele é impressionante. Ele está com uma filha de menos de 30 dias agora, está num processo de adaptação, que também é um processo familiar. O Daniel Alves, por exemplo, demorou um ano e meio para desenvolver o futebol dele no Sevilla. É questão de tempo – afirmou.E o papo com Jürgen Klopp, treinador do Liverpool?- Nunca tinha trabalhado com Philippe Coutinho e Roberto Firmino. Conversei com o Jürgen Klopp, discutimos posições e funções. Depois, perguntei como fazer para acelerar o processo. Explicou: “O Coutinho é um menino fácil, é tranquilo, voz baixa. Agora, com Firmino, pode ir dentro dele mesmo, porque ele é street boy (garoto de rua, em inglês). Pode gritar, porque responderá.

Confira a entrevista completa abaixo:Messi é perfeito?

Perfeição não existe. Vamos fazer uma brincadeira: pegamos a criatividade do Messi, o lúdico, juntamos o um contra um do Neymar e misturamos com a verticalidade e os gols do Cristiano Ronaldo. Acrescenta, se possível, um pouquinho de Griezmann. Não seria humano (risos).Há um jogador completo?

Prefiro usar outro termo: plenitude técnica, mental e física. Messi e Cristiano Ronaldo estão na plenitude. Tomara que cresçam mais, mas, para mim, não vão crescer mais. Já o Neymar é diferente, está no processo de evolução. Está surpreendendo cada vez mais, agora com capacidade de assistência.Neymar tem chance de ser o melhor do mundo mesmo na "sombra" de Messi no Barcelona?

Questão de tempo. O declínio dos outros é inevitável, é psicológico. Não adianta fugir. Podemos encontrar formas de amenizar, mas não de travar. Reajustes também são importantes. O Cristiano Ronaldo, por exemplo, hoje volta menos, volta até a metade do campo.

Neymar já deu dez assistências com a camisa do Barcelona no Campeonato Espanhol (Foto: EFE)

 

Como foi a saída do Corinthians para assumir a seleção brasileira? Chegou a ser procurado antes pelo Porto...

Tínhamos estabelecido um plano no Corinthians, mas aí surgiu a seleção brasileira. Fui vaidoso, orgulhoso, sei lá, e interrompi o projeto no Corinthians para realizar um sonho pessoal.Tem a pretensão de chegar invicto à Copa de 2018?

Estou feliz pelos números. Antes, feliz pelo desempenho da equipe. Não me lembro de um desempenho ou um bom resultado que não tenha acontecido sem a equipa ter jogado bem. Nenhum! Somos uma equipa sólida, ofensiva e a marcar pressão. Estou sempre pensando no próximo jogo, já projeto os dois próximos (contra Uruguai e Paraguai, em março). É uma situação que já nos permite pensar matematicamente na presença no Mundial.

Como foi assumir uma seleção pressionada?

Ganhamos a Copa das Confederações de 2013 e, com isso, foi criada uma expectativa muito grande e forte para a Copa de 2014. Tudo que fosse menos do que o título e jogar com espetáculo era insuficiente. Foi desumano! Os jogadores e o treinador passaram por uma pressão desumana. Foi muito forte. Sente que já implantou o que queria na Seleção?

As pessoas me conhecem, sabem do que eu gosto... Estilo de jogo apoiado, uma equipe que saiba sair a jogar com triangulações e chamando o adversário, impondo velocidade e procurando recuperar a posse de bola no ataque. Um grande time precisa saber de três coisas: sair jogando, contra-atacar e fazer pressão média. É o que procuro e é isso que já temos.

Melhor do que isso é perceber que os jogadores entendem o que tem pedido...

O futebol é uma ideia e também uma metodologia. O treinador passa os seus princípios e aplica nos treinos. Isso, claro, sem se esquecer da gestão, do lado humano. Tive de reinventar-me na Seleção, porque venho de trabalhos em clubes. É diferente dar a metodologia e induzir a forma de pensar o jogo numa Seleção. O grande diferencial é o trabalho dos outros treinadores, quero que todos os atletas de alto nível tenham grandes treinadores. Exemplo: talvez o mais brasileiro dos ingleses seja o Liverpool. Joga apoiado com triangulações, 4-3-3 com movimentação, tendo o Philippe Coutinho como articulador para dois atacantes. É como o utilizo na Seleção, apenas no lado contrário. Procuro conciliar e aproveitar esses aspectos.

Para Tite, Liverpool de Firmino e Coutinho é o time inglês que mais se aproxima da seleção brasileira (Foto: Reuters)

 

O que você mudou na seleção brasileira?

Eu me abro, me exponho, não tenho medo de falar o que penso e o que quero. Elogio e crítico no mesmo tom. No intervalo de um jogo, ainda nesse período de adaptação, passei a minha verdade aos jogadores. Isso é fundamental. Disse: “Vocês estão acostumados com os seus treinadores falando a verdade?” Eles olharam, ficaram ressabiados, incrédulos... Insisti: “Os seus treinadores dizem a verdade?”. Continuaram quietos. Aí gritei: “Então eu vou falar! O time jogando para c...! Está jogando muito! É um 3 a 0 na Bolívia, que não teve nem sequer uma chance. Isso é reconhecimento!” Olharam para mim e pensaram: “Esse cara se expõe, é verdadeiro. Se elogia assim, critica assim também”. Já dentro de campo, procuramos informações com os clubes e os treinadores, as análises aprofundadas. Uma coisa é enxergar futebol, outra é analisar futebol. Os vídeos, os jogos, as posições, as funções... O jogador sabe que comigo jogará numa posição que gosta, que conhece e está acostumado. Digo: “Sei que você pode fazer, eu já vi, então vai fazer isso aqui”.

Como lidar com jogadores que não gostam de ouvir a verdade?

O lado didático é desafiador. Às vezes sou incisivo, às vezes sou brando e paternal. Nunca tinha trabalhado com Philippe Coutinho e Roberto Firmino. Conversei com o Jürgen Klopp, discutimos posições e funções. Depois, perguntei como fazer para acelerar o processo. Explicou: “O Coutinho é um menino fácil, é tranquilo, voz baixa. Agora, com Firmino, pode ir dentro dele mesmo, porque ele é street boy (garoto de rua, em inglês). Pode gritar, porque responderá.Como é o contato com os treinadores dos clubes?

Conversei com mais de 50 treinadores e continuo conversando. Não tenho vergonha nenhuma de fazer isso. Preciso disso para potencializar as características dos meus jogadores.Aceitaria uma eventual proposta de renovação da Seleção dias antes da Copa do Mundo?

Será mentirosa, pode esquecer (risos). A renovação estará sempre presa aos resultados. Não gostaria que acontecesse (oferta de renovação antecipada), prefiro esperar o fim da Copa do Mundo, porque aí, sim, poderei analisar tudo da melhor maneira possível. Mas uma coisa posso adiantar: atingi o máximo em termos de posição profissional.

Impressionado com a evolução do Gabriel Jesus?

É fácil falar agora, mas procure o que falei antes de ele chegar ao Manchester City. Vou repetir: a adaptação na Inglaterra será muito fácil. É educado, tem princípios, a mãe influenciou muito e, claro, o comportamento dentro de campo. É extremamente competitivo. O Felipe (zagueiro do Porto) tem muita velocidade, é extraordinário, mas ainda assim vi o Gabriel Jesus conseguir ganhar dele em alguns momentos (Corinthians x Palmeiras). Pensei: "Que jogador é esse?". Está em processo de crescimento e de afirmação. Mas isso também é mérito da formação do Palmeiras, sejamos justos. Foi trabalhado para, aos 19 anos, chegar ao Manchester City do Guardiola. É o Guardiola colhendo os frutos dos treinadores brasileiros (risos).

Gabriel Jesus está em recuperação de lesão até meados de abril, mas teve início empolgante no City (Foto: AFP)

 

Como vê o crescimento do Neymar na seleção?

Sem jogador de alto nível não há treinador que consiga atingir a excelência do trabalho. O Neymar está num processo cada vez maior de crescimento no Barcelona. No Santos, por exemplo, vi ele abrir mão do gol para forçar falta. Agora, ele vai para dentro do gol, é um jogador vertical. Desenvolveu uma capacidade de assistência muito grande, antes era apenas na base do um contra um. Hoje, ele é um grande assistente, a qualidade de passe dele me surpreendeu na seleção. É impressionante!

Como foi a conversa com o Ganso em Sevilha?

Disse, logo no começo do papo: “Você é o jogador que me obrigava a dar uma orientação especial para o Ralf nos jogos contra o Santos e, posteriormente, o São Paulo”. É um meia que não pode ter espaço para jogar, é muito criativo. A capacidade de assistência dele é impressionante. Ele está com uma filha de menos de 30 dias agora, está num processo de adaptação, que também é um processo familiar. O Daniel Alves, por exemplo, demorou um ano e meio para desenvolver o futebol dele no Sevilla. É questão de tempo. O Ganso deu um passo desafiador na carreira, precisava jogar em um grande centro. Está sendo desafiado a um processo novo, dentro de um futebol altamente competitivo. Repito: é questão de tempo. E vale dizer também que o Sampaoli tem dois jogadores do mesmo setor que jogam demais. O N’Zonzi joga demais! O Nasri, sinceramente... Não sei como saiu do Manchester City, joga muito também.Como vê a evolução de Felipe no Porto?

Felipe tem duas características fundamentais: sabe ouvir e é extremamente inteligente. Cresceu muito. E digo mais: vai crescer mais. A capa- cidade de impulsão dele é impressionante. Tem um grande poder de recomposição, muita velocidade, é extraordinário. E Alex Telles?

Tem uma cabeça boa e também cresceu. Estamos de olho. Mas é que no lado esquerdo temos o Marcelo, o Filipe Luís, o Wendell, o Fábio Santos, o Douglas Santos, o Emerson Palmieri...

Impressionado com Ederson no Benfica?

Estou acompanhando. O Taffarel esteve em Lisboa, está sempre o acompanhando. O Ederson f... o Aubameyang (risos), esperou até ao último segundo no pênalti. Tem um nível de concentração altíssimo. Um goleiro consegue isso apenas com velocidade de reação. Jonas ainda tem chance de ir à seleção brasileira?

Não descarto. Conheço o Jonas dos tempos do Grémio, faz muitos gols. Joga bem no apoio ao centroavante. Quando joga como nove, precisa de jogadores que o apoiem, caso contrário fica prejudicado. Todos os brasileiros jogando em alto nível na Europa estão sendo observados.Por que Elias deu errado no Sporting?

Não sei. Queria mesmo é que ele tivesse permanecido no Corinthians jogando em alto nível, porque hoje estaria na Seleção. Agora, no Atlético-MG, tem essa possibilidade.Por qual motivo Guardiola ainda não vingou na Inglaterra?

Muito pouco tempo. No futebol, infelizmente, existe uma cobrança por resultado imediato. Ele vai se ajustar e descolar, vai dar muito certo. Até mesmo para os extraordinários, o tempo é fundamental. Também criaram uma grande expectativa na Alemanha, mas acabaram um pouco frustrados porque o Bayern foi campeão apenas dentro do país. A expectativa em cima dele será sempre excessiva. Muita calma!Antes de Dunga, em 2014, houve um apelo por Guardiola na seleção brasileira. Gostou da ideia?

Agradou, claro. Guardiola, Ancelotti, Mourinho... Podem colocar tudo no Brasil. A competitividade em alto nível eleva a qualidade. Que a seleção alemã seja forte, que a francesa seja forte, que a portuguesa seja forte, que a Argentina seja forte... Isso gera futebol de alto nível.

Ederson, do Benfica, foi um dos observados por Tite e sua equipe na Europa: "Ele f. com o Aubameyang", brincou (Reuters)

 

Prefere a beleza do Sampaoli ou a eficiência do Simeone?

Juntava os dois.

Qual seria o resultado da fusão de Sampaoli e Simeone?

Ancelotti. É os dois juntos. Tem como ideia de futebol uma linha de quatro mais fixa, marcadora, conservadora, competitiva e organizada que une o lúdico, o criativo, o gol e a verticalidade do meio-campo para frente.

O Ancelotti é melhor treinador do que o Guardiola?

O Guardiola, do meio-campo para frente, é extremamente criativo, faz os laterais apoiarem com amplitude e cria superioridade numérica. Temos a mesma ideia de futebol: o meio-campo é a essência da equipe. O Ancelotti, por sua vez, consegue reunir a parte defensiva italiana com a parte criativa. Fez isso no Real Madrid, com uma linha de quatro que sofria poucos gols e, do meio-campo para frente, tinha Modric, Kroos, Isco, Bale, Ronaldo e Benzema. Do meio para frente sem um marcador de origem.

Acha que o Barcelona está perdendo o encanto?

Ainda faltam 15 rodadas na liga espanhola (NR: 14 depois de Atlético 1 x 2 Barcelona). Guarde o que vou falar: o título está em aberto. O Barcelona, quando conseguiu o triplete, também passou por momentos difíceis. Você não consegue fazer uma campanha top, top, top, excelência, excelência, excelência. Vai oscilar. Faço questão de assistir no estádio ao jogo de volta entre Barcelona e PSG. Porque não quero ter uma visão parcial da goleada do PSG, que jogou em casa, numa atmosfera altamente favorável. Às vezes você pega um dia menos inspirado, ruim... É humano, é futebol. Quero ter a referência do outro jogo, no Camp Nou, com outra atmosfera forte e uma indignação dos jogadores do Barcelona.

Carlo Ancelotti é a fusão de Simeone e Sampaoli, acredita Tite: brasileiro é fã confesso do italiano (Foto:  AFP)