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“GRACILIANO UM BRASILEIRO ALAGOANO – Memoria de Heloisa”

Por Assessoria 29/11/2022 09h05
“GRACILIANO UM BRASILEIRO ALAGOANO – Memoria de Heloisa”
Chico de Assis - Foto: Divulgação

O espetáculo teatral “GRACILIANO UM BRASILEIRO ALAGOANO” foi criado em 2003 por ocasião das comemorações dos 110 anos de nascimento do escritor, integrou no mesmo ano o projeto “Alagoas de Corpo e Alma” do governo de Alagoas, que percorreu o país divulgando as potencialidades do estado nos mais variados aspectos: turismo, negócios e da cultura (dança música, culinária, artes visuais e teatro).

Com a chancela do projeto “Alagoas de Corpo e Alma”, a peça Graciliano um Brasileiro Alagoano percorreu palcos de várias capitais pelo Brasil (Recife, Aracaju, São Luiz do Maranhão, Brasília e Belo Horizonte), tendo sua temporada encerrada no Teatro Sérgio Porto, no Rio de Janeiro.

Em 2013 comemorando 121 anos de nascimento do escritor, 80 anos da publicação do romance “Caetés”, 51 anos que o romance “Vidas Secas” recebeu o Prêmio da Fundação William Faulkner (EUA) como livro representativo da Literatura Brasileira Contemporânea, centenário do início de sua colaboração na revista humorística carioca “O Malho” especializada em satirizar fatos políticos da época onde o Mestre Graça usava pseudônimos ,e, celebrando os 60 anos de sua morte.

O grupo formado pelos atores alagoanos Chico de Assis e Paulo Poeta decidiu remontar do espetáculo GRACILIANO UM BRASILEIRO ALAGOANO a partir das cartas enviadas por Graciliano à Heloisa Ramos, sua segunda esposa, surgindo assim o espetáculo “GRACILIANO UM BRASILEIRO ALAGOANO – Memoria de Heloisa”.

O novo texto propõe um diálogo permanente entre as cartas, trechos de romances e momentos da vida do escritor. Buscando dar uma leitura de estética mais contemporânea ao espetáculo, o grupo convida um encenador Marco Antonio de Campos da Invisível Cia de Teatro de Alagoas, e, juntos propõe que o espetáculo traga a cena projeções de trechos dos premiados filmes dos cineastas Nelson Pereira dos Santos (Vidas Secas de 1963 que vencedor dos prêmios "Catholique International du Cinema" e "Ciudad de Valladolid" (Espanha) e Memórias do Cárcere de 1983), e Leon Hirszman (São Bernardo de 1980) baseados na obra de Graciliano possibilitando ao público viver a força do Mestre Graça nas diversas linguagens artística presentes no espetáculo.

O novo espetáculo cria uma atmosfera de celebração e mergulho na obra e biográfica do escritor alagoano oportunizando ao público uma reflexão sobre o Brasil daquela época. A Obra de Graciliano está traduzida em diversas línguas, mas ainda não ocupa seu devido lugar na educação, cultura e no cotidiano do nosso país, em outros países escritores do vulto do Mestre Graça, tem festivais anuais onde suas obras são apresentadas e discutidas em várias linguagens (teatro, cinema, artes visuais, musicas, palestras e seminários), valorizando a contribuição e influência cultural e política.

Neste contexto surgiu o espetáculo teatral multimídia passou a fazer parte das montagens da Invisível Cia de Teatro, GRACILIANO UM BRASILEIRO ALAGOANO - Memórias de Heloisa é sobre a obra do escritor nordestino, sertanejo de Quebrangulo/Alagoas nascido em 27 de outubro de 1892 e morto em 20 de março de 1953.

Mais que contribuir para a difusão da obra do Mestre Graça buscamos com este projeto o seu reconhecimento no Nordeste acreditando que o público depois de assistir ao espetáculo GRACILIANO UM BRASILEIRO ALAGOANO - Memórias de Heloisa, ficará com o desejo de se deliciar com a leitura de seus livros.

No entanto, a maior homenagem que essa nova montagem procura fazer é a memória de Heloisa Ramos, mulher de Graciliano. É comum ouvir- se, aqui e ali, a repetição da frase: Por traz de um grande homem há sempre uma grande mulher. No caso de Graciliano essa máxima comprova-se: Dona Heloisa esteve com Graciliano em todos os momentos. Foi um pilar importante para que o escritor realizasse sua obra.

Com este espetáculo o grupo espera contribuir para a divulgação da obra desse escritor que é, sem dúvida, um dos maiores escritores do Brasil e da língua portuguesa.

Ficha técnica:


Adaptação: Paulo Poeta
Encenação: Marco Antonio de Campos
Atores : Chico de Assis
Paulo Poeta
Arilene de Castro
Direção de Arte, Figurinos e Cenário: Beto Leão
Trilha Sonora: Paulo Poeta
Iluminação: Edner Careca
Vídeos: Yuri Magalhães
Operação de Áudios e Vídeo : Robério Wanderlei
Fotografia: João Erickson
Mário Vinícius (Marola)
Michele Castro
Produção: Patacuri – Cultura, Formação e Comunicação AfroAmérindia

Confira abaixo uma das cartas de Graciliano Ramos a Heloísa na íntegra.

És uma extraordinária quantidade de mulheres Heloísa:

Mandei-te uma carta pelo último correio e já a necessidade me aparece de falar novamente contigo. Se pudesse, empregaria todo o tempo em escrever-te, só para ter o prazer de receber respostas. Tenho tanto que te dizer… Nem sei por onde começar, fico indeciso, com a pena suspensa, vendo interiormente esses olhos que me endoideceram quando os vi pela primeira vez. Muitas coisas para dizer-te, mas coisas que só se dizem em silêncio e que talvez compreendas, se houver afinidade entre nós.

Santo Deus! Como isto é pedantesco! Eu desejava ser simples, dizer-te ingenuamente o que sinto e o que penso. Mas sentimento e pensamento, indisciplinados, não se deixam agarrar. Vou jogar aqui o que me vier à cabeça, à toa, sem ordem.

É verdade que és minha noiva? Não é possível, sei perfeitamente que tudo isto é um sonho, que vou acordar, que ainda estamos em princípio de dezembro, que tu não tens existência real. Esta carta nunca te chegará às mãos, porque não tens mãos, és uma criatura imaginária. A flor que me deste e que agora vejo, murcha, é simplesmente um defeito dos meus nervos. Beijando-a, tenho a impressão de beijar o vácuo. Já tiveste em sonho a consciência de estar sonhando? É assim que me acho. Vem para junto de mim e acorda-me.

Causaste uma perturbação terrível no espírito dum pobre homem que nunca te fez mal nenhum. Isto com certeza te dará alegria, porque todas vocês gostam de rasgar o coração da gente. Com esses modos românticos, esse rosto de santa que desce do altar, és uma fera. Vieste chamar-me para passar quinze horas a fio cercado de saias. E quando me tens seguro: “Ora meu caro senhor, deixe-se de histórias. Tudo isso foi pilhéria, não houve nada.”

Depois, uma reviravolta, estamos noivos. Ou não estamos? Ainda será engano meu?

Amo-te com ternura, com saudade, com indignação e com ódio. Confesso-te honestamente o que sou. Se te não agradam sentimentos tão excessivos, mata-me. Mas não me mates logo: mata-me devagar, deitando veneno no que me escreveres. Provavelmente sabes fazê-lo. Não devias ser como és.

Estou a atormentar-te, meu amor. Perdoa. Se não fosses como és, eu não gostaria de ti.

És uma extraordinária quantidade de mulheres. Quando me vieste pedir não sei que para o Natal, eras uma. Depois, em um só dia, ficaste duas, muito diferentes da primeira. Desejei ver qualquer das três e levei à casa do padre um bacharel que vendia livros. Apareceu-me outra. Daí por diante o número cresceu, cresceu assustadoramente. Na sexta-feira, antevéspera de tua partida, encontrei pelo menos vinte. No sábado, em nossa casa, havia uma na sala, outra na sala de jantar, dez ou doze ao pé da janela. És multidão. Como me poderei casar com tantas mulheres? O pior é que todas me agradam, não posso escolher.

Por que não te deixaste ficar mais uma semana? Por que não ficaste definitivamente?

Tenho recebido parabéns pelo meu novo estado, há quem suponha que me casei contigo. Era o que devíamos ter feito. Tudo tão fácil! E agora? Quanto tempo é necessário esperar ainda? Conheces algum padre que me possa casar sem confissão? Não estou disposto a ajoelhar-me aos pés de ninguém. Mentira: estou disposto a ajoelhar-me aos teus pés, a adorar-te.

Tenho o pressentimento de que te arrependeste do que fizeste. Está arrependida? Se estás, sê misericordiosa, não mo digas agora.

Quando me escreveres, dize-me com singeleza o que há em teu coração… contanto que não sejam coisas desagradáveis.

Que incoerências! Que disparates! Tudo por tua causa.

Adeus, meu amor. Recomendações a d. Lili (excelente amiga) e a todos os teus. Estou muito agradecido a teu pai por ter ouvido com resignação a arenga do padre Macedo.
Beijo-te as mãos. Teu Graciliano. Palmeira, 18 de janeiro de 1928.