Economia

Plano de reabertura econômica em Alagoas ainda precisa de ajustes

Às vésperas de divulgar novo decreto de isolamento, Governo de Alagoas ainda analisa os protocolos sanitários e de segurança

Por Carlos Victor Costa com Tribuna Independente 09/06/2020 08h17
Plano de reabertura econômica em Alagoas ainda precisa de ajustes
Reprodução - Foto: Assessoria
Ainda sem data definida para ser colocado em prática, o plano de retomada gradual dos setores econômicos que estão com suas atividades suspensas no em Alagoas por conta da pandemia do coronavírus foi divulgado pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur), integrante do Grupo de Trabalho que trata do tema. A divulgação ocorreu às vésperas do vencimento do atual decreto de isolamento social, que segue até esta quarta-feira (10). A proposta prevê a reabertura da economia em cinco fases que é representada por uma cor, que indica graus maiores ou menores de restrições, indo da fase vermelha – realidade atual –, até a branca – que prevê a volta da normalidade com o funcionamento de praticamente todos os serviços. À Tribuna Independente, o secretário de Turismo, Rafael Brito, ressaltou que a proposta de protocolo ainda passará por alterações. Ele explicou que neste momento, o governo está aguardando a devolutiva das instituições da iniciativa privada e também de alguns sindicatos de trabalhadores, “para que reunindo as ideias e todos os segmentos colaborando, o Grupo de Trabalho possa construir um documento final que atenda aos anseios da população por segurança sanitária e aos anseios da iniciativa privada, pela oportunidade de voltar a funcionar com seus negócios, manter os empregos e conseguir apontar para o final dessa crise”. Segundo Rafael Brito, o protocolo foi construído a partir das orientações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e da Organização Mundial de Saúde (OMS) e que tem como indicativo principal a segurança sanitária necessária para a volta dos estabelecimentos, com foco na redução de probabilidade de contágio dentro dos ambientes de trabalho com a retomada das atividades econômicas. “O trabalho inicial na construção da proposta foi realizado pelo Governo do Estado. Agora, está sendo apresentada aos setores e todos os posicionamentos serão levados em consideração. Em conjunto, dentro dos Grupos de Trabalho, vamos definir o que será mais adequado para a população”, pontuou. Questionada se a Fecomércio concorda com esse protocolo de retomada apresentado pelo governo, a assessora técnica da entidade, Andressa Targino, disse que é importante ressaltar que esse documento não representa o protocolo definitivo. Andressa salientou ainda que a expectativa é a de que os Grupos de Trabalho consigam elaborar os protocolos de retomada específicos de cada setor para apresentar ao Governo antes do fim da vigência do atual decreto, que ocorre na próxima quarta-feira. Planejamento é válido, mas o contágio é preocupante   A Associação Comercial concorda com um protocolo que inicie a retomada. De acordo com a entidade, este atual tem pontos positivos e outros que ainda estão em discussão. “Vale destacar que o governo sintetizou muitas das sugestões que foram feitas pela Associação durante as reuniões que aconteceram nestes mais de 75 dias. Apresentamos uma proposta de retomada por segmento, respeitando todos os protocolos sanitários que já estamos cumprindo nas empresas que necessariamente precisaram funcionar. O Estado tem demonstrado interesse em nos ouvir e isso é importante para voltarmos e amenizarmos os extensos danos já contraídos”, disse o presidente da Associação, Kennedy Calheiros. Calheiros, no entanto, ressalta que ainda não tem resposta quanto ao dia exato do retorno dos serviços. “Queremos e estamos prontos para retornar imediatamente. Muitas empresas neste tempo em que estão fechadas inclusive já fizeram muitas das adequações que serão necessárias para o momento da retomada. Várias medidas que foram tomadas pelo governo estadual foram sugeridas pela Associação Comercial”, salientou Kennedy. Integrante da diretoria da Sociedade Alagoana de Infectologia (SAI), a médica Luciana Pacheco acredita que é um planejamento ainda sem data marcada para o início, considerando o número de óbitos e a grande ocupação dos leitos. [caption id="attachment_380689" align="aligncenter" width="512"] Luciana Pacheco explica que as pessoas tendem a se infectar mais (Foto: Agência Alagoas)[/caption] “Mas o planejamento é válido para não ser executado de qualquer maneira quando houver um indicativo de flexibilização do distanciamento social. Quanto mais pessoas entram em contato entre elas maior o risco de contágio com consequente necessidade de leitos hospitalares e de UTI. Para abrir o setor econômico é preciso planejamento adequado, com medidas de proteção garantidas pelas empresas tanto para seus funcionários como para os usuários. E pelo número de casos e óbitos e projeções de epidemiologistas e matemáticos ainda não atingimos o pico da epidemia. Cautela é ainda a palavra a ser dita nesse momento”, ressaltou. Serviços não essenciais sentem impacto   De acordo com o economista Cícero Péricles, o debate para retomar a economia em Alagoas é necessário, mas particularmente para alguns setores que não foram contemplados na lista de segmentos flexibilizados nos decretos que prorrogaram o isolamento social, e continuam sofrendo perdas de faturamento. “As atividades agrícolas quase não tiveram interrupção. A indústria teve aprovada sua volta à normalidade quase imediatamente. Os chamados setores essenciais - farmácias, postos de gasolina, rede bancária, lojas de tecidos, papelarias e livrarias, estão funcionando. O problema está nas empresas não essenciais, como as do comércio e serviços, principalmente naqueles que têm movimento intenso de clientes ou que vendem para o consumo no local, a exemplo do varejo não alimentar, dos shoppings, galerias e da rede de restaurantes, bares e lanchonetes”. O economista avalia que essas empresas foram as mais atingidas e necessitam conhecer as regras, saber o que o setor público está pensando para as próximas semanas e, assim, planejar suas voltas. Ainda segundo Cícero Péricles, o debate está atrasado em Alagoas com relação aos demais estados nordestinos. Ele pontua que as decisões do decreto de 20 de março e das suas seis prorrogações afetaram, em muito, alguns segmentos econômicos, principalmente dos setores de serviço e comércio. Dados da pandemia devem ser inclusos   O professor e doutor em Física pela Universidade Federal de Pernambuco e Universidade de Barcelona, na Espanha, Sérgio Lira – que recentemente elaborou um estudo de divulgação feito em parceria com o presidente da Fapeal, Fábio Guedes, com o título “O desafio que se impõe: como, onde e quando retomar as atividades econômicas” -  destacou que nos protocolos até agora propostos faltam critérios objetivos claros para garantir uma reabertura segura do ponto de vista da epidemiologia. [caption id="attachment_380690" align="aligncenter" width="512"] Sistema de saúde pode sofrer colapso com um processo de reabertura da economia por causa da circulação de pessoas (Foto: Agência Alagoas)[/caption] “Estão delineando fases de reabertura e medidas de cautela a serem tomadas, mas estão faltando os dados epidemiológicos que garantirão o avanço para cada fase. Dessa maneira a discussão sobre a reabertura torna-se dissociada da nossa realidade epidemiológica. São Paulo, por exemplo, estaria reprovado nos critérios necessários para reabertura de acordo com os critérios de avaliação adotados por Nova Iorque, França e Reino Unido. Precisamos nos espelhar nas medidas de combate à pandemia que funcionaram nos demais países e permitiram uma reabertura segura”. Para ele, com o setor econômico aberto tende a contribuir com o colapso do sistema de saúde. Ele avalia que quanto mais gente circulando, maior a contaminação e sobrecarga do sistema hospitalar. “As análises de outros países também apontam que uma reabertura mal realizada leva a uma volta ao fechamento, então o processo econômico tardará mais a se recuperar. A ansiedade pela reabertura não pode impedir que tenhamos uma visão clara do panorama epidemiológico, precisamos de muita calma nessa hora” destacou o professor que faz parte de um grupo de professores da Ufal, dos Institutos de Física, Matemática e Computação que vem monitorando e fazendo previsões científicas para a epidemia no estado. Para o economista Cícero Péricles, reabertura das atividades econômicas em pleno crescimento da curva epidêmica é contraproducente, no sentido da saúde pública, segundo os infectologistas, porque aumenta ainda mais a possibilidade do contágio, e, segundo, porque os consumidores e clientes estão assustados diante do noticiário. “A volta dessas atividades deve ser um processo seguro, negociado com o estado, prefeituras e orientado pelo setor da saúde pública. A decisão de fechar os serviços não essenciais para se obter o isolamento social foi repentina, mas, sua volta será programada, escalonada. Não podendo ocorrer a situação extrema de retomar as atividades e voltar a fechar. Para a retomada são necessárias várias etapas. A primeira delas é começar um diálogo entre o estado e a setor empresarial com a apresentação de propostas, o segundo passo é a construção, aprovação e apresentação do plano de retomada com as linhas gerais, os protocolos e, principalmente, um calendário de reabertura. O terceiro é o da implementação gradual desse plano. Estamos ainda no primeiro passo”. Governos estão mais próximos dos limites fiscais e políticos   Por outro lado, o também economista Júlio Gomes avalia que nesse momento, diante da situação que está posta, não existem muitas alternativas. Na verdade, segundo ele, a questão não é exatamente sair das medidas de quarentena, mas basicamente a forma como se entrou nela. “Aos olhos de hoje, que de certa forma é um ponto de vista privilegiado, o ingresso nas medidas de isolamento foi ríspido e praticamente homogêneo a todas as unidades da federação, cada uma delas com realidades epidêmicas bastante distintas. As medidas protelatórias que estão sendo adotadas agora, como o uso geral de máscaras, o distanciamento das pessoas em ambientes públicos e o aumento das testagens, deveriam ter sido adotadas muito antes da opção pelo isolamento amplo. A partir do aumento de infectados e internações hospitalares é que as medidas de quarentena mais rígidas deveriam ser, progressivamente, adotadas”. [caption id="attachment_380691" align="aligncenter" width="512"] Para Júlio Gomes, as medidas mais rígidas adotadas atualmente já poderiam estar em prática há mais tempo (Foto: Edilson Omena / Arquivo)[/caption] A opinião do economista é de que os governos estaduais estão perto do limite político e fiscal, o que cerceia totalmente seus raios de ação. Segundo ele, tratando a reabertura econômica de maneira fria, enquanto as situações de colapso não ocorrerem ou forem suportadas pela população, certamente haverá uma breve e crescente recuperação da atividade econômica local. No entanto, em grande medida esse alívio não é sustentável e não seria, mesmo que o número de contágios e óbitos estivesse reduzindo. “Pode ser polêmico o que vou afirmar, mas a impressão que me passa é de que, diante da postura totalmente contrária do governo central, detentor de todas as ferramentas fiscais e monetárias capazes de causar algum efeito mais robusto no combate pandêmico, os governos estaduais e locais esperam agora por duas coisas: primeiro que o número de óbitos, o provável colapso hospitalar e o possível colapso funerário, produzam o efeito de provocar uma mudança de postura do governo federal [voluntária ou involuntária] e segundo um verdadeiro milagre, com a redução do número de contágios e óbitos”.