Economia

Informalidade bateu recorde em 2019

Veja histórias de quem trabalha por conta própria

Por G1 25/12/2019 14h31
Informalidade bateu recorde em 2019
Reprodução - Foto: Assessoria

O ano de 2019 foi marcado por um desemprego ainda resistente, mas com a quantidade de pessoas que trabalham por conta própria e sem carteira assinada, os chamados informais, batendo sucessivos recordes históricos. A taxa de informalidade no mercado de trabalho superou o patamar de 41%, a maior proporção desde 2016, quando o IBGE passou a investigar esse índice. Ou seja, de cada 10 trabalhadores ou empregadores, 4 estão atuando na informalidade.

O G1 entrevistou pessoas que encontraram no trabalho informal uma fonte de renda que ajuda na sobrevivência ou até no pé de meia. No entanto, a estudante do ensino médio, a universitária e o bacharel são o retrato de um mercado de trabalho que absorve mão de obra, mas nem sempre possibilita que os profissionais ocupem o espaço de acordo com sua formação ou seu propósito de vida. Além disso, eles acabam ganhando menos por não ter carteira assinada, que assegura os direitos previstos na CLT.

"O trabalhador desempregado passa a fazer bicos, trabalhar em novas atividades, abaixo do nível de qualificação e tempo disponível, mas ele aceita isso porque precisa gerar alguma renda para a família", afirma o Carlos Honorato, consultor econômico e professor da FIA e Saint Paul.

Queda na renda e aumento da carga horária

Julio Cesar Martins se tornou motorista de aplicativo por necessidade e continua em busca de emprego em sua área de atuação — Foto: Celso Tavares/G1

Julio Cesar Martins, de 48 anos, trabalha como motorista de aplicativo desde julho do ano passado. Pode-se dizer que a mudança na vida de Martins foi radical. Antes de dirigir pelas ruas de São Paulo, o bacharel em administração de empresas havia trabalhado como supervisor financeiro com carteira assinada e todos os benefícios trabalhistas a que um funcionário CLT tem direito, como 13º salário, férias e até plano de saúde. E ainda trabalhava em horário comercial, com intervalo para almoço e folga aos finais de semana. Além de contar com uma renda de quase R$ 10 mil.

Agora que está trabalhando na informalidade após ser mandado embora, Martins precisa trabalhar pelo menos 12 horas por dia para conseguir tirar em torno de R$ 6,5 mil por mês, sem descontar as despesas com o carro como combustível e manutenção. O administrador diz que em média sua renda caiu 70%. “Saio de casa todos os dias às 4h30 e vou até 16h. Tenho que pagar manutenção, combustível, multas, IPVA, licenciamento, limpeza, e o valor que recebo não bate com todos esses custos”, lamenta.

Martins conta que o desemprego o fez desistir do MBA em Gestão Financeira – ele conseguiu cursar apenas um semestre. Ele ainda teve que voltar para a casa dos seus pais depois de terminar um casamento de 24 anos em fevereiro de 2018.

Em meio a ajustes para se adequar a seu novo padrão de vida, ele paga o curso preparatório de vestibular para o filho, além de uma mesada toda semana. E está avaliando se compensa se cadastrar como microempreendedor individual (MEI) para contar para a aposentadoria o trabalho como motorista – ele já tem 28 anos de contribuição para o INSS.

Mas, apesar de ter feito um investimento para trabalhar como motorista, trocando seu carro antigo por um novo e mais espaçoso, ele continua enviando seu currículo para sites de emprego e redes sociais e ainda conta com uma ajuda extra dos passageiros com os quais faz networking. “Sempre que tenho uma oportunidade eu falo da minha área de atuação. E assim que surgir uma oportunidade novamente com certeza saio do aplicativo”, diz.

Trabalho na rua para ter liberdade

Gabriela Gomes dos Santos vende marmitas há sete meses numa região comercial da Zona Sul de São Paulo — Foto: Fabio Tito/G1

A estudante Gabriela Gomes dos Santos estreou no mercado de trabalho como informal. E aprendeu que a expressão “se virar”, tão usada nesses tempos de desemprego alto, pode trazer benefícios. A jovem de 16 anos vende marmitas há sete meses numa região comercial da Zona Sul de São Paulo.

“Gosto muito de trabalhar na rua, porque não gosto de me sentir presa. Tenho liberdade, posso sair cedo se eu precisar, e até folga quando vou viajar”, diz.

Gabriela trabalha para uma família que faz as marmitas em casa e as comercializa em alguns pontos da região. A jovem vende as refeições no período do almoço, durante 3 horas, de segunda a sexta.

A paixão por viajar foi uma das razões que a levou a buscar trabalho tão jovem. A vontade de ajudar nas despesas de casa e a dificuldade de ficar parada foram os outros motivos.

“O trabalho ajuda no conhecimento, a lidar com dinheiro e com as pessoas. Tinha dificuldade com isso, tem que saber lidar com as exigências dos outros”, afirma.

E o contato com os clientes a ajudou a conseguir outro “bico” aos finais de semana. A estudante revende bolos de pote e pães de mel que ela compra de uma mulher que conheceu durante a venda das marmitas. “Estava querendo viajar, aí comecei a vender para juntar mais dinheiro”, diz. A próxima viagem de Gabriela será em fevereiro para a Bahia, onde ficará 12 dias.

Além disso, Gabriela passou a vender maquiagem que ela compra em uma loja por um preço mais em conta. Com os três trabalhos, ela chega a tirar quase um salário mínimo por mês.

“Minha mãe me incentiva a trabalhar para eu poder fazer as coisas de que eu gosto porque ela não consegue bancar tudo. E eu quero ter meu dinheiro e minha independência”, diz.

À noite, Gabriela cursa o 1º ano do ensino médio. Agora a jovem aguarda o resultado do vestibulinho que prestou na Escola Técnica Estadual (Etec) para o curso de contabilidade.

A estudante diz que foi tranquilo conciliar os estudos com o trabalho. E, se passar na Etec, Gabriela já tem tudo planejado – ela fará o ensino médio na parte da tarde, após a venda das marmitas, e estudará contabilidade à noite. “Pretendo continuar no trabalho mais um ano e meio, que será o tempo para concluir a Etec”, afirma.

Além do curso de contabilidade, Gabriela tem planos de abrir uma agência de viagem - segundo ela, o trabalho na rua tem ajudado a alimentar seu sonho de empreender. Enquanto isso não acontece, ela já está programando sua primeira viagem internacional. "Quando fizer 18 anos, vou para a Disney. Já estou guardando dinheiro para isso”, avisa.

Paixão vira fonte de renda

Luana Rodrigues uniu o útil ao agradável e fez do seu trabalho de cuidar de cachorros uma fonte de renda — Foto: Fabio Tito/G1

A técnica de enfermagem Luana Rodrigues, de 30 anos, conseguiu trabalhar em sua área por 5 anos, até perder o emprego com carteira registrada. Para não ficar sem renda, aproveitou sua paixão por cachorros e se cadastrou em uma plataforma de intermediação de serviços de hospedagem e passeios. Há dois anos, ela oferece seus serviços para donos de cachorros que não têm tempo de cuidar dos bichinhos. “Sou apaixonada pelos cães, quando eu era mais nova meus pais não me deixaram ter um, e vi que seria muito bom ter essa oportunidade de cuidar de cachorros ainda ganhando dinheiro”, diz.

Luana conta que já chegou a tirar R$ 2 mil por mês hospedando os pets, quando dividia um apartamento com estudantes na região da Bela Vista, em São Paulo. “Esse dinheiro já me ajudou a pagar despesas mensais e ainda deu para fazer uma boa reserva”, conta.

Após ficar desempregada, voltou a morar com os pais na Zona Leste, e o número de clientes caiu consideravelmente.

Mas ela consegue compensar um pouco a perda de renda trabalhando na franquia de bolos caseiros da família, onde recebe R$ 300 por final de semana trabalhando no atendimento e na parte administrativa. E tira um pouco a cada mês dos investimentos que fez com as economias do trabalho como técnica de enfermagem e cuidadora de cachorros.