Ciência e Tecnologia

Ufal amplia pesquisa para desenvolver novos fármacos e conseguir a cura da ELA

Foco e persistência são os combustíveis dos pesquisadores que atuam no Laif, que trabalham com células de pacientes portadores da doença

Por Graça Carvalho / Ascom Ufal 16/05/2025 23h49 - Atualizado em 17/05/2025 01h05
Ufal amplia pesquisa para desenvolver novos fármacos e conseguir a cura da ELA
Pesquisadores no Laboratório de Inovação Farmacológica do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde - Foto: Renner Boldrino / Ascom Ufal

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença rara neurodegenerativa e, até o momento, incurável, continua desafiando pesquisadores dos quatro cantos do mundo. Em Maceió, foco e persistência são combustíveis dos pesquisadores ligados ao Laboratório de Inovação Farmacológica (Laif), em funcionamento, desde 2019, no Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) da Universidade Federal de Alagoas. O carro-chefe das pesquisas no Laif é a busca por novos fármacos para chegar à cura da ELA.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só aprovou o Riluzou e o Radicava (edaravona) para uso no tratamento específico da ELA. “São medicamentos que trazem um certo benefício, por alguns poucos meses, mas não a cura. Então, precisamos, sim, buscar a cura. E, para isso, é fundamental entender melhor a doença”, afirmou o coordenador do Laif, professor Marcelo Duzzioni, que desenvolveu uma metodologia mundialmente conhecida, mas inovadora, no Brasil, para esse estudo.

Nessa pesquisa, ele optou por um modelo à base de células-tronco pluripotente induzidas, as IPS. “Trabalhamos com células de pacientes com ELA, diferenciando-as em neurônios motores e, durante esse processo de diferenciação, geração desses neurônios motores, estudamos a busca de novos fármacos”, explicou Duzzioni, que é doutor em Farmacologia.

O laboratório não trabalha diretamente com o paciente, mas com células derivadas dos pacientes adquiridas em biobancos. Segundo Duzzioni, a ideia é testar os fármacos para verificar se eles alteram esse processo, inclusive variáveis estruturais, morfológicas, moleculares, bioquímicas, que a doença ou as células dos pacientes passam a desenvolver.

Pesquisadores do Laif trabalham com células derivadas dos pacientes da ELA, adquiridas em biobancos (Foto: Renner Boldrino / Ascom Ufal)

Com o desenvolvimento dos estudos, houve a necessidade de trazer para o grupo do laboratório especialistas na área. Há três anos, graças a uma parceria com a Fiocruz, a pesquisa conta com a atuação da pesquisadora argentina Mariana Amorós. Ela é responsável por essa parte da diferenciação e dos ensaios farmacológicos com as células, para a busca desses fármacos.

Amorós explica que emprega uma estratégia conhecida como molecular patterning para diferenciar células-tronco [células com capacidade de se tornarem qualquer tipo celular] de pacientes com ELA em neurônios motores, que são significativamente afetados, e, assim, poder estudar essa patologia. “Esse processo de diferenciação imita o desenvolvimento dos neurônios no corpo humano. Uma abordagem que nos permite não apenas criar neurônios motores, mas também vários outros tipos de células cruciais na ELA, utilizando diferentes combinações moleculares”, ressaltou.

Além disso, de acordo com a pesquisadora, ela toma como ponto de partida as células-tronco pluripotentes, e isso permite a geração de sistemas complexos que se assemelham às condições in vivo, incluindo organoides e culturas 3D. “Nessa abordagem, podemos imitar, de perto, os sistemas biológicos humanos e fornecer uma plataforma precisa para estudar os mecanismos da doença e tratamentos potenciais, buscados pelo Laif”, destacou a cientista argentina.

Com as células neuronais já diferenciadas, com as suas características fenotípicas bem definidas, a pesquisa está na fase de testagem da lista de fármacos do próprio laif e de outros laboratórios. “Recebemos, recentemente, o convite de um laboratório da Universidade Federal de Pernambuco para testar um composto que eles acreditam que pode vir a ter uma potencial atividade nessa patologia”, ressaltou Duzzioni.

Segundo o pesquisador, essa rede de comunicação é muito importante para o surgimento de novas parcerias, e isso se dá por meio das publicações dos trabalhos em revistas, ou até mesmo com a participação nos eventos científicos, a exemplo dos promovidos pela Sociedade Brasileiro para o Progresso da Ciência (SBPC), ou de congressos da área.

Desafios

Os desafios neste campo de pesquisa são numerosos, impulsionados pela complexidade da doença e pela natureza detalhada de técnicas de modelagem. Um grande desafio global é a padronização dos modelos experimentais — um passo crítico para alcançar descobertas significativas. “É por isso que somos participantes ativos de uma iniciativa muito importante, o "Projeto Mosaico", liderado por Bernie Zipprich, que foca em harmonizar métodos de pesquisa entre diversos grupos”, disse Duzzioni.

Professor Marcelo Duzzioni, coordenador do Laif, destaca importância de parcerias (Foto: Renner Boldrino / Ascom Ufal)

No Nordeste, por causa dos atrasos burocráticos, a importação de reagentes pode se estender a até oito meses, não muito distante de outras regiões. Outro desafio destacado é o acesso a técnicas avançadas, como ensaios de célula única – single-cell assays –, que, muitas vezes, obriga os pesquisadores a buscar colaborações em outras regiões com mais recursos, a exemplo do Sul e Sudeste do país. “Isso mostra a necessidade de uma distribuição mais democrática dos recursos científicos em todo país para garantir que todas as regiões possam progredir igualmente. Entretanto, reconhecemos os esforços do governo federal para reduzir essas diferenças”, afirmou a pesquisadora argentina.

Além disso, a escassez de bolsas de pós-doutorado e a sua curta duração (em geral 12 meses) também representam desafios significativos. Segundo Amorós, bolsas de pós-doutorado na Europa podem se estender por até cinco anos, proporcionando aos pós-doutorandos o tempo e o suporte necessários para se aprofundarem em suas pesquisas e entregarem insights e descobertas melhor fundamentadas, podendo trazer ganhos consideráveis para a área de estudo.

Abraçando a ELA

O Laif foi erguido, inicialmente, para o desenvolvimento de novos fármacos, mas está ganhando outras dimensões, uma vez que mais pesquisadores se engajaram para abraçar, o máximo possível, tudo o que diz respeito à ELA. Sem esconder o entusiasmo, Duzzioni relata que outras quatro pesquisas importantes estão em andamento no laboratório. Uma delas é a médica Patrícia Pereira Nunes, do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HU) da Ufal, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPGCS). A docente busca realizar o tão aguardado levantamento epidemiológico dos casos de ELA em Alagoas.

Saber quantos e onde estão os pacientes, por exemplo, é mesmo um desafio. Para o coordenador do Laif, a subnotificação atrapalha os avanços de pesquisas e de políticas públicas. Segundo ele, isso acontece, sobretudo, pelo fato de a ELA não estar na lista de doenças consideradas de notificação compulsória. “Se a ELA estivesse nessa lista, médicos, demais profissionais de saúde, ou os responsáveis pelos estabelecimentos de saúde públicos e privados seriam obrigados a comunicar casos suspeitos ou confirmados da doença”, afirmou Duzzioni.

Pesquisadores do Laif (Foto: Renner Boldrino / Ascom Ufal)

Outra linha de pesquisa importante ligada ao Laif é desenvolvida pelo médico e doutorando Yuri Toledo, também do Hospital Universitário da Ufal. Ele pesquisa a relação entre a disbiose intestinal [desequilíbrio na microbiota] e os casos de ELA. Já a mestranda Raíssa Torres, orientanda do professor Duzzioni, busca relacionar essa doença com os transtornos mentais, em particular, ansiedade e depressão, por meio de uma revisão sistemática da literatura.

Além deles, o laboratório conta com os graduandos Letícia da Rocha, aluna do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) da Ufal, Brunna Mylena Santos e José Elias Santos, voluntários. Mas todos envolvidos em trabalhos que dizem respeito à Esclerose Lateral Amiotrófica.

De paciente a pesquisador

O Laif conta ainda com a atuação do médico Hemerson Casado, paciente de ELA que recebeu seu diagnóstico há 12 anos. Desde então, concentrou sua energia mental e espiritual na defesa de políticas públicas para o acesso dos pacientes a medicamentos e terapêuticas alternativas, e, principalmente, ao incentivo a pesquisas que indiquem o caminho para a cura dessa doença rara.

Atualmente, Casado é doutorando do PPGCS e desenvolve no Laif um estudo de microRNAs, buscando alguma alternativa terapêutica para a ELA. “Recentemente publicamos um trabalho no qual mostramos alguns microRNAs desregulados na doença, e a ideia é desenvolver substâncias que possam modular a ação desses microRNAs e testar em laboratório essas substâncias”, revelou Duzzioni.

O Laboratório de Inovação Farmacológica foi criado do zero. Seu projeto teve como marco inicial o interesse do professor Marcelo Duzzioni pelas inciativas de Hemerson Casado para colocar a esclerose lateral amiotrófica na pauta das políticas públicas, em âmbito nacional e internacional. “Nosso primeiro contato foi no finalzinho de 2016. De lá para cá, temos conversado bastante, trabalhado bastante e aprovamos alguns projetos, dentre os quais um que tem o financiamento do Ministério da Saúde, que visa ao desenvolvimento de terapias alternativas para esclerose lateral amiotrófica, terapias à base de fármacos”, relembrou o coordenador do Laif.

Com o projeto aprovado no Ministério, em 2017, a partir de 2018, os recursos começaram a chegar à Ufal. Foram investidos cerca de R$ 2,2 milhões na aquisição de equipamentos, na melhoria do espaço e na compra de insumos.

Vivendo com ELA

Os sintomas da ELA começam a aparecer, quando um determinado tipo de células, especificamente os neurônios motores, começam a se degenerar, a perder a sua função. A pessoa passa a não controlar, de forma voluntária, os movimentos e, ao longo do desenvolvimento da doença, vai tendo prejuízos motores.

Mais adiante, outras complicações podem surgir, não somente relacionadas à parte motora. Podem também vir a sofrer de outros transtornos como, por exemplo, transtornos mentais, também justificáveis pela própria condição da doença, uma vez que o paciente fica impossibilitado de locomoção, de se comunicar, de respirar e seu convívio social fica limitado.

A partir de então, passa a depender de sonda para se alimentar e de outros aparelhos que garantem sua sobrevivência. O paciente fica prisioneiro do seu próprio corpo, onde ele permanece consciente, mas não consegue expressar suas ideias, seus pensamentos de forma voluntária.

Em alguns casos, consegue se comunicar com o piscar dos olhos, por meio de um código alfabético, ou até de dispositivos mais elaborados como programas de computador, softwares que detectam o movimento do globo ocular e transformam isso em palavras.