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Alagoas não possui lei que proíba criação de pit bull

Legislação que existe e obriga uso de focinheira e guia curta para cães de raças agressivas não é obedecida por alguns criadores

Por Tribuna Independente 27/09/2025 08h25 - Atualizado em 27/09/2025 14h36
Alagoas não possui lei que proíba criação de pit bull
Em Santa Catarina, a comercialização de cães da raça pit bull é proibida - Foto: Divulgação

Alagoas não tem legislação que regulamente ou até mesmo proíba a criação de cães da raça pit bull, a exemplo de outros estados brasileiros como Santa Catarina e Minas Gerais.

Em Santa Catarina, a comercialização de cães da raça pit bull é proibida. Há um prazo para que os tutores dos animais existentes providenciem suas castrações. E, em Minas Gerais, a lei proíbe a procriação e a entrada de pit bulls no estado, além de exigir o uso de focinheira e coleira com identificação para os cães já existentes.

Mundo afora, a criação de pit bull tem proibições ou restrições em cerca de 24 países, incluindo Reino Unido, Nova Zelândia, França, Itália, Espanha e alguns estados e cidades dos Estados Unidos e Canadá.

Em todo o país, quase diariamente, há registros de ataques de cães da raça pit bull a seres humanos, muitos inclusive, com mortes. Os ataques são registrados também contra animais de menor porte como cachorros de outras raças e gatos.

Em Alagoas, ao que se sabe, não há registro de mortes de pessoas em decorrência de ataques de cães da raça pit bull. Há de ataques, tanto a seres humanos quanto a animais. Estes sim, com registros de óbitos.

A consultora de saúde visual, Marylane Assunção de Castro, 46 anos, é tutora do Shingler. O pit bull tem dois anos de idade e está com a família desde os 30 dias de nascido.

A tutora garantiu que o animal vive harmoniosamente com um yorkshire, também criado pela família. “Aliás, vivemos todos com muita doçura. Criar um cachorro, não importa o porte do animal, é preciso fazer a coisa básica e simples, deixar o animal à vontade, fazer com que ele se dê com todo mundo, se ele, em algum momento, vier a estranhar alguém, o animal deve ser repreendido com voz de comando”, ensinou a família tutora.

Marylane de Castro, com o seu cachorro Shingler, diz viver uma relação com muita doçura e harmonia (Foto: Divulgação)

Segundo ela, um exemplo a ser seguido é não esconder o animal ao receberem uma visita, por exemplo. Um momento em especial requer um olhar mais atento, conforme Marylane de Castro.

“Um animal de grande porte não deve ser deixado sozinho com uma criança. O próprio peso do animal é superior ao da criança. Também não se pode criar um animal ensinando-o a atacar as pessoas como se ele fosse proteger, por exemplo, a casa de um suposto ladrão. Não se cria animal ensinando-o a ser brabo. Chega o ladrão envenena o animal e a valentia em um instante acaba. O cão é indefeso. Ele reage à maneira com a qual é tratado”, resumiu.

A médica veterinária Flavya de Melo Ramos Bernardo, explicou que quando falam sobre a raça American Pit Bull Terrier, muitas pessoas logo associam à agressividade e perigo.

“Mas será que essa rotulagem é justa?”, indagou a profissional. Segundo ela, este pode ser um dos maiores preconceitos contra a raça. “Na verdade, o Pit Bull foi criado para tarefas que exigem força, resistência e lealdade. Por sua aparência imponente, é muitas vezes mal interpretado. Seu temperamento, no entanto, é marcado pelo afeto e apego aos tutores. São cães que precisam gastar energia com brincadeiras e exercícios. Extremamente inteligentes, aprendem comandos com facilidade”.

Ainda conforme Flavya Bernardo, a agressividade não é característica da raça, mas sim consequência de má socialização, maus-tratos ou falta de adestramento.

Qualquer cão, completou, sem o ambiente adequado, pode se tornar agressivo. Criados em um ambiente equilibrado, são dóceis. Essa raça precisa de tutores responsáveis, que eduquem com firmeza, disciplina, carinho e atividades físicas.

Veterinária Flavya de Melo diz que há preconceito com os pit bulls (Foto: Divulgação)

“O pit bull tem sido vilão em muitas manchetes, mas seu comportamento depende diretamente da forma como é tratado. Se superarmos os estereótipos, veremos um cão extraordinário: cheio de energia, leal, amoroso e companheiro”, defendeu.

Contudo, nem sempre, temos exemplos de animais desta raça como exemplares dóceis. No início deste ano, um cão da raça pit bull atacou uma criança, que precisou de atendimento médico imediato. O tutor do animal foi preso por desacato e lesão corporal, após resistir à abordagem policial e se exaltar com os agentes. O fato foi registrado em um condomínio no bairro Cidade Universitária, em Maceió, no dia 03 de janeiro.

Caso emblemático

A escritora de livros infantis Roseana Murray, perdeu o braço direito e teve que se adaptar a uma prótese desde que foi vítima de um ataque de pit bulls, no dia 5 de abril de 2024.

Ao sair de casa cedo para ir à academia em Saquarema, na Região dos Lagos, Rio de Janeiro, ela foi atacada por três cães da raça pit bull, que estavam soltos na rua. Os animais pertenciam a um vizinho.

Ainda no leito do hospital, Roseana Murray teve a ideia de transformar dor em poesia, um livro infantil: “O Braço Mágico”.

Na época, os três tutores dos cachorros foram indiciados por lesão corporal gravíssima e maus-tratos dos animais. Chegaram a ser presos, mas acabaram liberados e respondem ao processo em liberdade.

ATAQUES EM ALAGOAS

No último mês de junho, o arquiteto Mário Jorge de Farias Melo viu seu cachorro sangrar até a morte depois de ser atacado por um pit bull em um condomínio, em Marechal Deodoro. Tanto ele quanto o animal estavam dentro de casa, quando foram surpreendidos pelo cão de grande porte que já foi abocanhado o cachorro menor.

O tutor entrou em luta corporal com o pit bull. Sem sucesso e machucado, assistiu seu cãozinho morrer a cada mordida. O arquiteto Mário Jorge está com acompanhamento psicológico desde então.

Praticamente no mesmo período, dois cães da raça pit bull mataram cachorro de rua em Maceió, no bairro de Ponta Grossa. Os animais estavam soltos na Rua Doutor Baltazar de Mendonça e chegaram a arrastar o corpo do outro cachorro pela calçada.

O ataque foi registrado por moradores do bairro, que tentaram intervir sem sucesso. Um motorista que passava pelo local buzinou e acelerou o carro na tentativa de assustar os pit bulls, mas também não surtiu efeito.

No mesmo mês, dois cães da raça pit bull atacaram e mataram um gato no meio da rua no Salvador Lyra, na parte alta de Maceió.

Arquiteto Mário Jorge viu um pit bull invadir sua residência, deixá-lo ferido e matar seu cachorro (Foto: Divulgação)

O ataque foi registrado por câmeras de videomonitoramento e por moradores da região. As imagens mostram os dois cães soltos e o momento que eles atacam o gato.

Há um mês, um pit bull abandonado no Loteamento Nascente do Sol, no bairro Benedito Bentes, em Maceió, tem assustado moradores locais ao atacar animais. O cão estaria na localidade há algum tempo e, segundo relatos, passa fome. A região é conhecida por receber animais abandonados, inclusive outros cães da mesma raça.

A população diz evitar sair às ruas com seus animais para prevenir novos incidentes. Moradores já entraram em contato com os órgãos responsáveis para o resgate, mas até o momento não houve resposta.

Em janeiro deste ano, uma criança foi atacada por pit bull em um condomínio na Cidade Universitária, em Maceió. O tutor do animal foi preso após ameaçar e xingar os policiais militares que foram para a ocorrência. Ele admitiu que estava sob efeito de álcool.

LEGISLAÇÃO EM AL

Em Alagoas, não há, ainda, legislação que proíba a criação de pit bull. No entanto, desde julho vigora no estado, a Lei n ° 9.622 que obriga uso de focinheira e guia curta para cães de raças agressivas.

A legislação, de autoria do deputado Bruno Toledo (MDB), estabelece regras rigorosas para o trânsito de cães de raças consideradas potencialmente agressivas em espaços públicos ou de uso comum, como praças, praias, shoppings, áreas de lazer e condomínios.

A lei exige que os cães das raças citadas – e suas variações – utilizem obrigatoriamente coleira, guia de condução curta (com até 1,5 metro de comprimento) e focinheira ao circularem em locais públicos. A medida tem como principal objetivo proteger a integridade física da população e evitar acidentes provocados por animais com comportamento agressivo.

A nova lei se aplica expressamente aos seguintes cães: Mastim Napolitano; Pit Bull; Rottweiler; American Bully; American Staffordshire; Bull Terrier; Terrier Americano, Fila Brasileiro e Dogo Argentino.

Além dos equipamentos de segurança, a Lei também determina que esses cães devem ter adestramento básico comprovado, com certificado emitido por profissional ou instituição habilitada. O documento poderá ser solicitado por qualquer autoridade competente.

A responsabilidade pela obediência à norma é do tutor, guardião ou qualquer pessoa que esteja conduzindo o animal, mesmo que o dono não esteja presente.

Em caso de descumprimento, a lei prevê advertência escrita, apreensão do animal, apreensão com multa de 50 UPFALs (Unidades Padrão Fiscal do Estado de Alagoas) e multa dobrada em caso de reincidência.

A circulação sem os dispositivos de segurança será permitida apenas em casos excepcionais, como para alimentação, atendimento emergencial ou outras necessidades justificadas – e, ainda assim, os equipamentos devem ser recolocados imediatamente após a situação ser resolvida.

Existe um projeto de lei nº 913/2024, de autoria do deputado estadual Cabo Bebeto (PL), que estabelece normas rigorosas para a criação e circulação de cães das raças American Pit Bull Terrier, Fila, Rottweiler, Dobermann, Bull Terrier, Dogo Argentino e raças afins em Alagoas.

A proposta não proíbe a criação desses animais, mas impõe regras para prevenir acidentes graves ou fatais, conciliando o direito dos tutores com a segurança da sociedade. Entre as principais medidas, estão: a circulação restrita, obrigatoriedade do uso de focinheira, guia curta (até 1,5 metros) e condução por pessoas com força física compatível; proibição em locais públicos de lazer, como praças e parques, salvo em eventos licenciados (exposições, por exemplo) e ambientes seguros: residências e estabelecimentos com cães das raças citadas devem contar com muros, grades e sinalização adequada; avaliação veterinária: cães agressivos devem passar por laudo técnico emitido por médicos veterinários.

Segundo Cabo Bebeto, o projeto atende ao interesse público, busca preservar a integridade física da população e garante uma convivência segura com cães de grande porte ou potencialmente agressivos. O projeto segue em tramitação e ainda será apreciado pelos demais deputados da Casa.

OAB ESCLARECE

Apesar da legislação existem muitos questionamentos sobre a convivência segura entre moradores e cães, especialmente em condomínios. Conforme o advogado e presidente da Comissão de Direito Condominial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Alagoas), Francisco Vasco, os tutores têm a obrigação de garantir que seus pets não prejudiquem a segurança e o bem-estar dos moradores do condomínio.

Ele explicou que essa responsabilidade está respaldada pelo Código Civil, que determina que o dono do animal responde pelos danos causados por ele.

“Os tutores devem respeitar as regras da convenção e do regimento interno do condomínio. Geralmente, esses documentos exigem o uso de coleiras em áreas comuns, proíbem a circulação em locais específicos e obrigam a limpeza imediata de dejetos. Além disso, é fundamental garantir o bem-estar dos próprios animais, conforme prevê a Lei de Crimes Ambientais, evitando qualquer situação que configure maus-tratos”, ressaltou.

Para a Comissão de Direito Condominial da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL), a lei é uma alternativa fundamental para contribuir com a redução de acidentes envolvendo animais de grande porte ou raças com histórico de agressividade, bem como para a promoção da segurança coletiva, especialmente em áreas residenciais.

De acordo com o presidente da Comissão de Direito Condominial, Francisco Vasco, a nova legislação busca ainda alinhar deveres e responsabilidades aos tutores de animais no estado.

“A lei visa padronizar condutas e responsabilidades, atribuindo deveres específicos aos tutores e guardiões desses animais, de modo que sejam adotadas medidas preventivas para reduzir acidentes e conflitos em espaços compartilhados. Trata-se de um movimento legislativo que busca reforçar a segurança pública, mas que também demanda reflexão sobre sua aplicação prática no contexto urbano e condominial”, explicou.

O presidente da Comissão sugeriu ainda que moradores e síndicos de condomínios e conjuntos habitacionais estimulem a adequação dos regimentos internos à nova legislação e orientem seus condôminos sobre as novas regras.

“A Comissão recomenda que os condomínios promovam a adequação dos seus regimentos internos e encaminhem comunicados aos condôminos, especificando sobre a obrigatoriedade do uso de coleira, guia curta e focinheira para animais das raças citadas quando estiverem nas áreas comuns. Também é importante que síndicos realizem campanhas educativas para informar moradores e funcionários sobre a nova norma, minimizando conflitos internos e reforçando a cultura de prevenção. O fato de as penalidades serem de competência do poder público estadual, não exclui a possibilidade de os condomínios aplicarem suas medidas próprias previstas em regimentos internos”, considerou.