Cidades
Americana do Hope finca raízes em Maceió, se apaixona e ajuda a fundar curso superior
Enfermeira Barbara Allen trabalhava em hospital de Chicago, nos Estados Unidos, antes de vir ao Brasil com o navio Hope em 1973, se apaixonar por aqui e atuar na fundação do primeiro curso superior de Enfermagem em Alagoas

Era um dia ensolarado de novembro do ano de 1973 quando quatro jovens — duas enfermeiras americanas e dois jovens estudantes de medicina alagoanos — foram até o início da Praia de Pajuçara, em suas areias, para se despedir do Navio Hope, o navio-hospital dos Estados Unidos que foi um divisor de águas para a saúde dos alagoanos, especialmente nas áreas de Medicina e Enfermagem, como a Tribuna contou nas duas edições anteriores, nesta série de reportagens (esta é a terceira e o link para as anteriores está no final do texto) sobre o Jubileu de Diamante dos 75 anos da Faculdade de Medicina de Alagoas (Famed).
Entre esses jovens, ainda que o coração estivesse apertado já batendo uma saudade estranha dos colegas daquela tripulação do navio épico, estava Barbara Allen, que antes de o Hope aportar em Maceió, trabalhava em uma UTI de um hospital particular na cidade de Chicago, nos Estados Unidos.
Cinquenta e dois anos depois daquela despedida ao Navio Hope, a Tribuna localizou esta personagem que foi peça fundamental junto com outras colegas de profissão americanas para a criação do curso superior de Enfermagem em Alagoas, até então uma lacuna enorme na saúde dos alagoanos. Àquela época, o máximo que se tinha na área eram esforçados profissionais técnicos auxiliares de enfermagem ou formados pela vida, com precários conhecimentos tecnológicos e que a trupe do Navio Hope trouxe a Maceió naquele longínquo 1973, em sua temporada de dez meses atracado por estas plagas.

Aquela jovem e bonita senhorita americana, alta, de cabelos lisos, meio ruivos, fincou raízes em terras alagoanas ao decidir casar-se com o então estudante de medicina e que estagiava no sexto ano de medicina, em pleno Hope, Sérgio Pinto de Campos, e aqui escolher para viver até os dias atuais.
“Nós estávamos sentados lá na areia, os quatro, e quando vi o Hope chegar à linha do horizonte daquele mar de Maceió, olhei para o meu eu e perguntei: ‘pelo amor de Deus, o que nós estamos fazendo? O que que eu estou fazendo da minha vida?’”, confessa a agora senhora já “alagoana” Barbara Pinto de Campos.
Mas no final, como ela mesma responde: “Foi obviamente a resposta certa, a resposta de que Deus realmente quis cumprir com a minha vida”. O casal tem três filhos, todos nascidos em Alagoas.
Já com certa facilidade em ‘arranhar’ o inglês, Sérgio conseguiu falar a língua e externar seu amor pela jovem enfermeira americana que, em contrapartida, não conhecia quase nada de Brasil, como a grande maioria daquela comitiva de cerca de 300 pessoas, entre funcionários, médicos e enfermeiros do Hope.
“Me interessei pelo projeto Hope. Então, fui informada depois, mais ou menos 2 meses, que eles me selecionaram para participar, acompanhar essa viagem para Maceió, Alagoas, no Brasil. Então a primeira coisa que fiz foi pegar o mapa. ‘Onde está? Onde é esse fim de mundo?’”, conta Barbara, ao se divertir.
“Naquela época, lá nos Estados Unidos, o que a gente sabia sobre português nas nossas aulas de geografia era onde ficavam Lisboa, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília e só”, completa a enfermeira.
E foi mesmo pela boca, além de falar inglês, que o apaixonado jovem alagoano Sérgio conquistou de vez o coração da enfermeira americana: “Olha, ele me levou para uma sorveteria em um passeio que demos para eu conhecer a cidade e experimentei um sorvete de um tal ‘milho verde’, numa sorveteria chamada Guti-Guti. Foi uma das coisas mais gostosas que experimentei e que não existia nos Estados Unidos”, conta Barbara.

Uma lembrança, porém, desagradável, que nunca saíra da cabeça daquela moça americana na experiência do navio atracado no Porto de Jaraguá foi ver uns certos “bichos enormes” que passavam pra lá e pra cá entre os depósitos de açúcar instalados no porto e que assustavam a enfermeira. “Eram uns ratos enormes, cujas cenas nunca vi nos Estados Unidos”, ri Barbara, ao recordar a inusitada experiência de avistar camundongos.
Mas afora as delícias gastronômicas e as cenas dos ratos, a missão de Barbara por essas bandas junto com as colegas americanas era mesmo fincar aquelas que seriam as raízes do primeiro curso superior de Enfermagem em Alagoas, com técnicas modernas e tecnológicas avançadas, de ponta, no ramo da Enfermagem trazidas pelo Hope. E tudo isso foi possível quando, dez meses depois de atracado no Porto de Maceió, a enfermeira-chefe do Hope, Venita Mason, da Filadélfia, perguntou quem gostaria de ficar na capital alagoana. Apenas Barbara e outra colega, Helene Bolton, disseram sim e aqui se casaram. Mas Helene, anos depois, voltou aos Estados Unidos. Mas Barbara ficaria para sempre para fazer história.
HU: DE UM ESQUELETO DE TIJOLOS A UM MODERNO HOSPITAL
Naquele longínquo 1973, já decidida a ficar em Alagoas, a então enfermeira Barbara Allen seria testemunha ocular da história e dela também participar ativamente. Com a criação da Faculdade de Medicina de Alagoas (Famed), em 1950, foi iniciado o projeto de construção do Hospital Universitário (HU). Nessa época, a Santa Casa de Misericórdia de Maceió apoiou a primeira turma de médicos, que se formou em 1954. Em princípio, o projeto elaborado foi para a construção do Hospital das Clínicas, mas, quando a Faculdade de Medicina passou a fazer parte da Ufal, foi elaborado um projeto mais arrojado, no qual a Cidade Universitária contemplou a construção do Hospital Universitário. As obras foram iniciadas na década de 1960, mas só foram concluídas em 1992.
“Mas quando chegamos aqui naquele início de anos 1970, o Hospital Universitário era só tijolos à mostra, um esqueleto, um elefante branco, como os brasileiros dizem”, conta Barbara.

Ou seja, foi somente com o resultado do intercâmbio científico entre a Universidade Federal de Alagoas, Secretaria de Estado da Saúde e a Universidade de Harvard (EUA) e a vinda do navio Hope a Maceió que se alavancou, finalmente, o início das atividades no hospital. O Hope impulsionou investimentos em pesquisas, capacitação dos profissionais da área de saúde e também realização de atendimento a milhares de pessoas necessitadas de cirurgias, exames, próteses, e outros serviços.
Atualmente aos 52 anos de muita história, o HU é exemplo de dedicação, cuidado ao próximo, superação, ensino, pesquisa e extensão e de excelência em saúde.

“Lembro-me de que tinham os auxiliares de enfermagem varrendo aquela área que hoje em dia é o ambulatório e ali começaram algumas obras no térreo, na clínica médica, na clínica cirúrgica e aí depois vieram a construção do segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto andar, que isso subiu, né?”
UM MARCO NA ENFERMAGEM
Agora com a aceleração da estrutura e das atividades do Hospital Universitário, outro divisor de águas foi a implantação do Curso Superior de Enfermagem. “Começamos praticamente do zero.
“Chegamos aqui em 1973. Foi inacreditável porque não existia uma escola de nível superior de enfermagem em Alagoas. Todo mundo que chegou para trabalhar aqui naquele ano e que tinha uma formação superior se formou ou no Recife ou na Bahia”, relembra Barbara.
“Todos os hospitais funcionavam com auxiliar em enfermagem. O máximo que se chegava àquela época era auxiliar”, completa. “Para se ter uma ideia, implantamos um setor de recuperação pós-anestésico, pois não existia isso aqui não. O paciente saía da cirurgia e voltava para o quarto, então era uma coisa precária, era tudo muito pela experiência e o esforço mesmo, sem técnicas mais avançadas”, lembra a enfermeira americana.
O fato é que com a evolução da Escola de Enfermagem em Nível Superior, os pacientes alagoanos tiveram pela primeira vez o que se poderia chamar de um bom hospital, com setores UTI, recuperação, cirúrgico, todas as áreas com ao menos uma enfermeira. “Era como a gente estava acostumada nos Estados Unidos”, diz Barbara.
“Então, essas primeiras enfermeiras foram absolutamente primordiais para ajudar a criar a escola e ali já com a implantação do primeiro vestibular para a área”, conta a americana, a mostrar para a Tribuna as fotos das primeiras formandas já em 1977.
E destaca Barbara: “Mas quero ressaltar que os profissionais, tantos médicos como auxiliares de enfermagem, os pacientes que aqui encontramos foram fundamentais para que a experiência do Hope desses frutos com excelentes resultados. Então nossa missão foi completa”, finaliza Barbara.
O fato é que a Escola Superior de Enfermagem com o Hope foi uma experiência fundamental, tanto para as enfermeiras americanas e, principalmente, para as futuras enfermeiras alagoanas para os anos subsequentes a 1973. Um dos pontos fundamentais foi a instalação de um posto de saúde no bairro do Pontal da Barra, durante a estada do Hope, como relata o livro “O Navio Hope: Um novo encontro entre a Enfermagem Brasileira e a Norte Americana”, das autoras enfermeiras Regina Maria dos Santos, Yanna Cristina Moraes e Renata Fernandes do Nascimento.
A obra (imagem abaixo) é leitura obrigatória para quem quer enveredar no Curso de Enfermagem e saber da história e evolução da profissão.

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