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Máfia da Areia: a serviço da Braskem em Feliz Deserto

Extração da praia do município foi confirmada pelo IMA; MPF informa desconhecer situação

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 10/07/2024 09h35
Máfia da Areia: a serviço da Braskem em Feliz Deserto
Extração de areia no Litoral Sul se expandiu pelos municípios para fechamento das minas da Braskem - Foto: Edilson Omena/Arquivo

A atividade de mineração sempre esteve associada à contravenção, por isso são muitas as denúncias de empresas inescrupulosas que exploram o setor e vivem mudando de nome para burlar a fiscalização, no intuito de continuarem praticando a chamada “lavra ambiciosa”.

Essa denominação ganhou destaque no noticiário nacional com a CPI da Braskem, que enquadrou a empresa como criminosa, indiciou onze dos seus principais colaboradores e mandou que poder público refizesse todos os acordos firmados com a mineradora, incluindo o que deu direito a empresa comprar areia da onde bem quisesse, desde que a extração estivesse “legalizada”.

Por isso, dentro do plano de desativação das minas para a estabilidade do solo, apresentado pela Braskem e aprovado pelo Ministério Público Federal de Alagoas (MPF/AL), a operação de tamponamento das cavidades, iniciada em fevereiro de 2020, é a mais perigosa e a que querer mais atenção das autoridades, principalmente da Defesa Civil Municipal.

No entanto, em quatro anos de operação pouco se sabe a respeito das atividades ou dos resultados dela. O que salta os olhos é a quantidade de areia já utilizada para tampar as 35 minas de sal-gema desativadas, verdadeiras cavernas, algumas com tamanho superior ao estádio do Maracanã, como já chegou a ser noticiado.

A retirada de areia para fechar as minas, exploradas pela Braskem durante mais de 40 anos, começou pela Praia do Francês, em Marechal Deodoro, onde a atividade predatória deixou um passivo ambiental difícil de ser revertido ou mitigado.

No final de janeiro do ano passado, a reportagem da Tribuna Independente noticiou a extração de areia nos Sítios Bom Retiro e Accyoli, às margens da AL-101/Sul, logo após o trevo do Francês, indo em direção à Barra de São Miguel. A denúncia de crime ambiental está sendo investigado pelo MPF/AL.

Depois disso, a extração de areia à serviço da Braskem se espalhou por outros municípios, chegando mais recentemente aos municípios de Coruripe e Feliz Deserto, no extremo do Litoral Sul de Alagoas.

Em Coruripe, a extração de areia acontece na Fazenda Águas de Pituba, localizada no povoado do Poxim. Foi da jazida dessa fazenda, que pertence a Haroldo Pacheco Nunes, da onde saiu a caçamba carregada de areia que provocou o acidente com o micro-ônibus, num trecho da AL-101/Sul.

Nesse acidente, que deixou uma turista morta e cerca de 20 pessoas feridas, envolveu-se também uma carreta que transportava areia retirada da jazida localizada em Feliz Deserto. A exemplo de Coruripe e Marechal, o município foi escolhido para contribuir com esse passivo ambiental, patrocinado pela mineradora. De acordo com moradores da região, o local já está bastante degradado.

NOTA DA BRASKEM

“A Braskem reitera que a areia adquirida junto a fornecedores para o preenchimento de cavidades é proveniente de jazidas devidamente licenciadas pelos órgãos competentes”.

“Um cenário terrível está se formando no pequeno município, que hoje desabrocha para o turismo internacional. Um crime ambiental à luz do dia. E o que é pior, com a cumplicidade das autoridades”, denuncia um morador de Coruripe, que passa pelo trecho, quase todo dia, em direção à cidade de Penedo. “É uma pena, porque Feliz Deserto teria grandes possibilidades de receber investimentos imobiliários de peso, mas esse futuro promissor está ameaçado”, completou.

A exemplo da extração de areia no Francês e nas terras da Usina Utinga Leão (entre os municípios de Rio Largo e Satuba) a retirada de areia em Feliz Deserto também tem autorização do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA).

Na quinta-feira (27/6), em resposta a uma consulta da reportagem da Tribuna Independente, o Instituto conformou, por meio da sua assessoria de comunicação, a extração de areia em Feliz Deserto. A assessoria do IMA confirmou também que a areia seria para tamponar as minas de sal-gema desativadas pela Braskem. No entanto, o Instituto não revelou a quantidade de areia já retirada, nem a quantidade que ainda será extraída.

A movimentação de carretas, lotadas com toneladas de areia, fazendo o trajeto Feliz Deserto/Maceió, aumentou tanto, na AL-101 Sul, que a rodovia já começou a sentir os efeitos nocivos no asfalto.

Carretas carregadas de areia danificam rodovia

“É grande a quantidade de buracos, principalmente na faixa da direita, indo em direção a Maceió, que é por onde as carretas trafegam carregadas de areia”, comentou um empresário da região, dono de postos de combustível. Ele conta que, logo após o trevo de acesso à cidade de Feliz Deserto, uma verdadeira cratera se abriu na pista. “Possivelmente, fruto do peso das carretas da Braskem que passam por ali”.

PREJUÍZOS

Volume da destruição aumenta cada vez mais e os prejuízos vão ficando pelo caminho. Os moradores de Feliz Deserto dizem que não sabe se a prefeitura está recebendo algum dinheiro da Braskem para retirar areia do município.

“A gente só ver a movimentação das carretas, saído da praia carregada de areia. Que tem alguém ganhando dinheiro com isso tem, mas a gente não sabe”, comentou um comerciante da cidade, que trabalha com material de construção, mas pediu anonimato para evitar retaliações. Segundo ele, todos os dias, a quantidade de areia retirada de Feliz Deserto equivale a 600 mil/m3, ou 1.700 toneladas.

Diz que essa quantidade equivale uma piscina olímpica cheia de areia. “É como se a Braskem estivesse abrindo uma piscina olímpica por dia em Feliz Deserto. Se a retirada de areia continuar nesse ritmo vai provocar um verdadeiro crime ambiental nessa região, que está próxima à Várzea da Marituba e deveria ser preservada”, observou o comerciante.

Segundo ele, a retirada de areia está deixando um cenário de crateras, verdadeiras piscinas cheias de água das chuvas, às margens AL-101/Sul. Com isso, a rodovia hoje serve de paredão de contenção da pressão da água, que formou um açude sujeito a rompimento, preocupando os moradores que passam pela região.

“Os motoristas que realizam o transporte alternativo entre Penedo, Piaçabuçu, Feliz Deserto, Coruripe, Jequiá da Praia e Roteiro denunciam que a pista de rolamento vem sendo destruída em todo o trecho, por onde passam as caçambas da Braskem, que fazem o transporte da areia 24 horas por dia”, relatou um funcionário de um posto de combustível em Coruripe.

“A esposa do meu patrão, essa semana mesmo, perdeu o pneu do carro dela, de noite, quando caiu num buraco da pista”, comentou o frentista. Segundo ele, é grande a quantidade de carretas que passam em frente ao posto de combustível onde trabalha, próximo à entrada do povoado Lagoa do Pau.

MPF diz não saber da extração de areia em Feliz Deserto

“As estimativas realizadas, são de cerca de 720 viagens por mês”, comentou o comerciante de Feliz Deserto, mas sem saber precisar ao certo a quantidade de caçambas que saem de Feliz Deserto em direção à Unidade da Braskem no bairro do Mutange, em Maceió. Cada caçamba transporta em média 25 metros cúbicos de areia, ou seja, cerca 70 toneladas, mas, nesse período invernoso, com a areia molhada, o peso triplica. Isso é o bastante para destruir a pista de rolamento por onde essas caçambas passam. O pior é o que estão deixando, no pequenino município de Feliz Deserto, um cenário lunar, com muitas crateras e água cercando a cidade”, concluiu o comerciante.

MPF

Apesar de ser o órgão fiscalizador (direta ou indiretamente) da operação tamponamento, o Ministério Público Federal de Alagoas (MPF/AL) disse que não tem conhecimento da extração de areia em Feliz Deserto.

A assessoria de comunicação do órgão, disse em nota, que solicitou à Braskem informações sobre fornecedores de areia contratados, “tendo a empresa informado, em dezembro de 2023, que o fornecimento estava sendo realizado pelas empresas Sinai Gestão Patrimonial Eireli e MTSul Construções Ltda”, esta última em Sociedade de Cota de Participação com Usina Leão. No entanto, não revelou da onde a área estava sendo extraída e a quantidade autorizada.

Sobre a extração de areia na Paria do Francês – que ameaça a fauna e a flora da Área de Proteção Ambiental (APA) das Dunas do Cavalo Russo, em Marechal Deodoro –, a assessoria do Ministério Público Federal informou que “em janeiro de 2024, a Justiça Federal atendeu aos pedidos liminares do MPF, formulados em ação civil pública, e determinou a suspensão de quaisquer licenças e/ou autorizações vigentes em favor de empresa mineradora de areia e seu proprietário, por extração irregular”.

No entanto, de acordo com moradores da região, a extração de areia continua nas Dunas do Cavalo Russo, em Marechal Deodoro, como comprova o empresário Mauro Vasconcelos cujo terreno, que ele disputa na Justiça com a Igreja Católica, é um dos pontos de extração de areia, na Praia do Francês.