Cidades

“Sururu está sumindo porque não tem alimento”

Conforme pesquisador, não houve alteração na lagoa após evento na mina 18; impacto futuro não é descartado

Por Tribuna Hoje 18/12/2023 13h34 - Atualizado em 18/12/2023 19h12
“Sururu está sumindo porque não tem alimento”
Escassez do sururu na Lagoa Mundaú preocupa quem sobrevive da pesca - Foto: Edilson Omena/Arquivo

“Não houve nenhuma alteração na laguna após o fenômeno da mina 18.” A informação é do professor e pesquisador da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Emerson Soares, durante entrevista coletiva à imprensa realizada na manhã desta segunda-feira (18) na Sala dos Conselhos Superiores da universidade, localizada no primeiro andar do prédio da Reitoria, no Campus A.C. Simões, no Cidade Universitária, em Maceió. O professor confirma que a pesquisa da Ufal é financiada pela Braskem, mas garante que há independência. “A empresa não interfere.”

A mina 18 da Braskem rompeu no início da tarde do último dia 10, formando uma turbulência na lagoa Mundaú e deixou pescadores e toda a comunidade preocupada com a possibilidade de um desastre ambiental na região, como a mortandade de espécies aquáticas, entre elas o sururu. 

Professor da Ufal, Emerson Soares, durante a divulgação de dados mais recentes sobre pesquisas na laguna I Foto: Sandro Lima

Vídeos de pescadores denunciando a mortandade do sururu chegaram a circular nas redes sociais. Mas o professor destaca que o sururu está sumindo porque não tem alimento para ele, devido à lagoa estar poluída. O molusco não se desenvolve devido à quantidade de poluentes contaminantes, esgoto, soterramento que vem do Rio Mundaú no período chuvoso e falta de Fitoplâncton, que produz oxigênio na água e serve de alimento para o molusco. Há ainda outro fator que vem contribuindo para o desaparecimento do sururu que é o surgimento da espécie exótica, o sururu branco. “É uma série de poluentes, como agrotóxicos, esgoto, soterramento. A laguna tem um acúmulo de problema. O sururu está morrendo não é da noite para o dia.”

Conforme Emerson Soares, já existem duas espécies exóticas competindo por alimento com o sururu nativo. “Ela [espécie de sururu exótico] é altamente adaptável às condições atuais da lagoa. Com um agravante, o sururu nativo tem a exploração pelos pescadores e o exótico não”.

A gerente do Laboratório do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL), Ana Karine Pimentel, destaca também que a laguna já sofria alguns níveis de degradação. “O parâmetro físico-químico que a lagoa tem hoje é o mesmo que tinha antes do colapso”, salienta.

Os pesquisadores da Ufal e o IMA não descartaram a possibilidade de o fenômeno da mina 18 impactar o Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba (CELMM) no futuro e informaram que vão seguir com o monitoramento da água.

A coletiva foi convocada pela Ufal e IMA com o objetivo de divulgar as análises realizadas pelas duas instituições, no mês de dezembro, antes e depois do evento da mina 18 da Braskem, localizada na Lagoa Mundaú, no bairro do Mutange.

Os pesquisadores da Ufal fazem o monitoramento constante da Lagoa Mundaú. Conforme informações da universidade, o projeto Laguna Viva realizou coletas de água, sedimento e organismos aquáticos nos meses de fevereiro, junho e setembro de 2023. Em caráter emergencial, outras três coletas de água foram feitas nos dias 2, 7 e 10 de dezembro, em parceria com a Defesa Civil do Estado de Alagoas, além da coleta regular do projeto, em toda a laguna, no dia 11 de dezembro de 2023, cujas análises ainda estão sendo processadas nos referidos laboratórios.

CASO MINA 18

A Defesa Civil de Maceió emitiu alerta no dia 28 de novembro para o possível colapso da mina 18, localizada no bairro do Mutange, recomendando que a população não devia transitar nem navegar no entorno da área desocupada. Antes a região já havia registrado cinco abalos sísmicos. O órgão chegou a decretar situação de emergência e determinar a evacuação de moradores que ainda residiam na região. A mina 18 é uma entre as 35 exploradas pela Braskem para retida de sal-gema.

ENTENDA O CASO

O processo de afundamento de solo, apontado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) como decorrente da extração de sal-gema, vem afetando aproximadamente 57 mil moradores nos bairros do Bebedouro, Bom Parto, Mutange, Pinheiro e parte do Farol desde que o problema começou. A situação de calamidade pública dos bairros foi decretada no fim de 2018 e renovada várias vezes.

Desde o dia 3 de março de 2018 quando um tremor de 2,5 na escala Richter foi sentido no bairro do Pinheiro e adjacências a escalada de rachaduras em imóveis e vias não parou de se intensificar. O abalo foi sentido em vários bairros de Maceió. Devido ao problema, os moradores da região precisaram deixar seus imóveis. A destruição deixou a paisagem de bairros fantasmas.

Em 2020, um acordo judicial firmado entre órgãos de controle e a Braskem estabeleceu a retirada de 17 mil pessoas das áreas de maior criticidade dos bairros do Bebedouro, Bom Parto, Mutange e Pinheiro. À época, o bairro do Farol ainda não apresentava o problema. Além de retirar as pessoas, a Braskem teve que indenizar as famílias afetadas pelo afundamento do solo. As ações previstas no acordo poderiam levar até dois anos para a conclusão. Mas muitas famílias ainda não foram indenizadas.

Em cronograma divulgado pela Braskem e órgãos de controle em 2020, a saída dos moradores das áreas consideradas de risco deveria ocorrer até o dia 1º de abril de 2021. No entanto, um relatório do CPRM pedia que a área de desocupação fosse expandida devido à aceleração do processo. As análises do CPRM em 2020 apontavam que entre os anos de 2016 e 2019 já houve 70 cm de afundamento.

Em junho de 2020, uma modificação no nível de risco determinou a desocupação de mais de 1.900 imóveis nas regiões monitoradas. De lá para cá o problema se agravou ainda mais e já afeta mais de 57 mil pessoas.

Durante anos, os moradores do Flexal de Baixo e Flexal de Cima, em Bebedouro, que foram afetados pelo isolamento social decorrente do esvaziamento da região vizinha, e do bairro do Bom Parto, que teve apenas parte de sua área incluída no mapa de risco, vêm lutando para serem incluídos no Programa de Compensação Financeira da Braskem. Mas não tiveram sucesso.

Na quinta-feira (30/11), a Defesa Civil de Maceió divulgou atualização do mapa de risco do afundamento dos bairros. Neste novo mapa, está incluída a área do Bom Parto. O novo Mapa de Linhas de Ações Prioritárias versão 5 foi atualizado em colaboração com a Defesa Civil Nacional e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).O documento foi base para Justiça Federal determinar, através de liminar obtida pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL) e Defensoria Pública da União (DPU), a inclusão de área do Bom Parto no programa de realocação da Braskem e que a mineradora adote providências.