Cidades

Como medo de um grande desastre, moradores de áreas de risco transportam o que podem

Risco de colapso na mina 18 da Braskem, no Mutange, faz residentes em regiões próximas saírem de suas casas

Por Tribuna Independente 01/12/2023 10h03 - Atualizado em 01/12/2023 16h12
Como medo de um grande desastre, moradores de áreas de risco transportam o que podem
Nos bairros adjacentes à mina que ameaça “engolir” o solo, famílias desocupam suas casas, como nos Flexais - Foto: Edilson Omena

Moradores que ainda vivem em bairros afetados pela atividade de mineração da Braskem estão deixando seus imóveis com medo do risco iminente de colapso da mina nº 18, mantida pela Braskem, na região da Lagoa Mundaú, próximo ao antigo campo do CSA, no bairro do Mutange.

“Eu moro nessa casa há 30 anos com a minha família. Na noite de quarta-feira, eu tive que fugir, pedi a um dos meus filhos para me buscar e passar a noite na casa dele porque não foi fácil para mim e não está sendo há dias. Eu tenho pressão alta, estou operada, ainda nem tirei meus pontos, com a anestesia doendo e tive que correr. Não tenho mais condições de ficar aqui. Eu vou pagar aluguel porque meu filho mora em apartamento e não tem condições, só cabe ele e a família dele”, contou a aposentada Madalena Cardoso.

Para Madalena, a Braskem acabou com as vidas dos moradores do bairro. “Meu marido morreu há dois anos, infartou por causa da dona Braskem. A Braskem acabou com a gente. Estou levando uma parte dos meus móveis e outra parte estou doando porque, se deixar, eles vêm e assaltam. Aqui é terra sem lei. Agora, a gente espera receber os nossos direitos, nossos valores porque gastei muito com a minha casa. Quero ser indenizada, eu e meus filhos porque não temos condições. Como vou comprar um imóvel em outro lugar?”, indagou.

A açougueira Maria Janaelia também decidiu sair de casa por conta própria com o marido e a filha, mas, os outros familiares que também moram no Flexal continuam sem ter para onde ir.

“Nossa família toda mora aqui no Flexal. São cinco casas. Um amigo que cedeu a casa para nós todos, mas não tem condições porque são muitas pessoas. Minha irmã está indo e vai ver se arruma outro cantinho para a gente ir. A Defesa Civil esteve quarta à noite aqui, não falou com ninguém, só disse que, quem quisesse ir para escola, tinha dois ônibus para o Benedito. Quem vai? Para depois, quando retornar, não ter nada nas casas. Eu não quero deixar minhas coisas que suei para conquistar. Então, fica difícil para a gente. Acho que eles querem tirar aqui a população dentro de caixões”, disse a irmã Maria Jucinéia.

dona de casa Alaine Maria da Silva mora com a mãe e o filho Manoel Joaquim, de cinco meses, em uma vila de casas no Flexal (Foto: Edilson Omena)

A dona de casa Alaine Maria da Silva mora com a mãe e o filho Manoel Joaquim, de cinco meses, em uma vila de casas no Flexal. Ela contou que não sabe o que fazer, com medo de continuar e ser atingida por uma tragédia ou ir para uma das escolas que estão servindo de abrigo e ter o imóvel saqueado.

“Cheguei aqui quando tinha 13 anos, já moro há 16 anos. Nunca pensei que aconteceria algo assim. Fiquei a madrugada de quinta-feira sem dormir, preocupada. Eu não temo tanto por mim, mas sim pela vida do meu filho porque em caso de enchente ou afundamento, eu tenho como correr, mas e o meu filho? E a gente não aceita ir para abrigo porque tem medo de sair e ter nossas coisas roubadas. A gente só sai para um lugar certo, com as nossas coisas”, afirmou.

A comerciante Marcela Almeida reforçou que querem realocação com indenização justa. “Moro aqui há 37 anos, com minha família toda. Eu, meu marido, meus dois filhos e minha mãe. Estamos todos com medo e não temos condições de sair. Estamos na expectativa de ser realocado. Isso é o que mais queremos”, disse.

O agente de portaria Ronaldo Vicente Ferreira mora há 45 anos no Flexal e disse que os nervos estão à flor da pele, desde que a Defesa Civil informou do risco iminente de colapso.

Ronaldo conta que várias famílias estão saindo por conta própria (Foto: Edilson Omena)

“A gente não sabe quando vai acontecer e aí vem o risco de vida. Nós temos muitas pessoas idosas, com problemas de saúde, dificuldade de locomoção. E eu ainda tenho meus animais, que não posso sair sem eles. Tem muitas famílias que estão se mudando por conta própria, com medo do que pode acontecer. As outras têm medo, mas não têm para onde ir. Só com a indenização justa”, contou.

Para a moradora Jocilene Maria do Nascimento, estão brincando com vidas. “Todo mundo está amedrontado. Quando viu as viaturas, os ônibus, causou pânico nas pessoas. Se você está para prevenir, como a Defesa Civil, é para chegar, ir de casa em casa e contar o que está acontecendo, mas nem isso. Chega quase onze da noite para dizer que quem quiser entre no ônibus, que é uma medida de prevenção. Qual é o medo aqui? Nós já estamos isolados, aí todo mundo sai e quem tem alguns pertences deixa e aí? O pessoal vem pela lagoa para roubar as casas, vem pelo quintal. Além dessa catástrofe que está acontecendo, ainda tem roubo. A situação é terrível. Se é para fazer o correto, realoque. Depois que acontecer uma catástrofe vai fazer o quê?”, questionou.

Escolas

Segundo a Prefeitura de Maceió, seis escolas da rede pública de ensino estão prontas, desde a última quarta-feira (29), para receber as famílias residentes nas áreas próximas à mina 18, da Braskem, que apresenta risco de colapso.

Além dessas seis, outras três unidades escolares estão de “sobreaviso”, caso seja necessário. A logística foi organizada pela Prefeitura de Maceió, por meio da Secretaria Municipal de Educação (Semed) e das demais pastas integrantes do Gabinete de Crise.

A transferência deve ser orientada pela Defesa Civil, que pode ser acionada pelo telefone 199. As nove escolas estão estruturadas ainda com carros-pipa, colchões, alimentação, equipes de saúde, equipes da Guarda Municipal e de assistência social para receber até 5 mil pessoas vindas das regiões do Mutange, Bom Parto e Flexal de Baixo.

As escolas para onde as famílias já podem se dirigir são: escola Professora Maria José Carrascosa, no Poço; escola Rui Palmeira, no Vergel; escola Antídio Vieira, no Trapiche; escola Pompeu Sarmento, no Barro Duro; escola Lenilto Alves, no Jacintinho; e escola Brandão Lima, no Benedito Bentes.