Cidades

Grupo de pesquisa da Ufal realiza monitoramento costeiro e descarta risco de tsunami em Maceió

Pesquisador Henrique Ravi Almeida alerta que ocupação desordenada e mudanças climáticas preocupam mais

Por Thâmara Gonzaga / Ascom Ufal 10/03/2023 23h28 - Atualizado em 10/03/2023 23h33
Grupo de pesquisa da Ufal realiza monitoramento costeiro e descarta risco de tsunami em Maceió
Pesquisadores durante trabalho na praia de Ponta Verde - Foto: Ascom Ufal

É a maré baixa! Já afirmava grande parte dos alagoanos diante de um vídeo, que circulou bastante nas redes sociais no final de fevereiro, em que se levantava suspeitas sobre a possibilidade de ocorrer um tsunami na orla de Maceió. Apontando para o fenômeno da maré baixa, especificamente na região do Farol da praia de Ponta Verde, ponto turístico da capital alagoana, a gravação questionava o grande recuo das águas do mar, o que acabou provocando temor e insegurança na população.

O professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Henrique Ravi Almeida, é líder do Grupo de Estudos Integrados ao Gerenciamento Costeiro (Geigerco) e explica que o ocorrido é um movimento natural de subida e descida do nível do mar, sem nenhuma relação com tsunami. “Em Alagoas, esse movimento ocorre duas vezes por dia, com intervalos aproximados de seis horas entre o nível alto, denominado de preamar, e o baixo, chamado de baixa-mar”, esclareceu o docente. E continua: “Essas marés são denominadas de marés semidiurnas e sua amplitude, diferença entre o nível de preamar e baixa-mar, é de, no máximo, dois metros”.

O pesquisador ainda cita a influência do Sol e a da Lua sobre esse fenômeno. “Essa maré é influenciada, diretamente, pelas forças de atração do Sol e, principalmente, da Lua sobre nosso planeta, sendo denominadas de marés astronômicas. Visto que as fases da Lua, as maiores preamares e baixa-mares ocorrem nos momentos de Lua cheia e nova, sendo esse movimento natural e denominado de maré de sizígia”, informou.

Ao falar sobre a extensão do recuo do mar em Maceió, o professor Ravi informa que, realmente, há registros recentes de recuo de um quilômetro ou mais em trechos do litoral da capital, mas ele ressalta que os recuos do mar não ocorrem de forma igual em toda a extensão litorânea. “Isso depende da altitude da plataforma continental rasa, ou seja, da superfície do leito marinho, principalmente, próximo à costa, bem como da localização geográfica da região e do regime de marés”, disse.

E esclarece: “Um exemplo são as macromarés registradas no extremo Norte do país, com grandes amplitudes de marés. Já no extremo Sul, ocorrem micromarés. No caso de Ponta Verde, no local onde apresentou este recuo do mar superior a outras regiões próximas, a plataforma continental rasa possui relevo horizontalizado, com baixa declividade, e com altitude batimétrica [profundidade do mar] inferior a outros trechos do litoral da mesma praia, o que provoca sempre um recuo maior nesta região do que em outras, até mesmo em marés que não ocorrem em Lua cheia ou nova”.

Ainda sobre o teor do vídeo divulgado, o pesquisador afirma que “o argumento de que o mar recuou mais de um quilômetro no litoral da praia de Ponta Verde é falho, visto que ela possui mais de seis quilômetros e apenas nesta pequena região onde há o Farol, com extensão inferior a um quilômetro, é que ocorre este recuo extenso, que pode alcançar um ou mais quilômetros, principalmente, em marés de sizígia”.

Ele acrescenta que as marés de sizígia ocorrem da mesma forma, ou até de maneira mais intensa, em trechos do Litoral Norte de Alagoas, podendo chegar a mais de dois quilômetros em marés negativas. Como exemplo, o professor cita os grandes recuos observados no período de baixa-mar nas praias de Paripueira, Japaratinga e Maragogi.

O pesquisador ainda comenta que, nos vídeos disseminados nas redes sociais, há a alegação de que o mar em Maceió nunca recuou tanto como foi registrado este ano reforça que “a maré sempre baixa muito em marés negativas, porém o recuo depende das características da plataforma continental rasa em um determinado local, sendo que este evento ocorre normalmente durante o ano”.

E orienta: “Quem vive no litoral já está acostumado com o recuo mais intenso em determinadas regiões. Para saber o momento que haverá as maiores baixa-mares, é só consultar a tábua da maré disponibilizada pela Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha do Brasil.” Para conferir, clique aqui

Ele aproveita para fazer o alerta sobre o perigo de compartilhar e dar créditos a informações sem embasamento. “O que chama a atenção destes vídeos é que muitos são gravados por pessoas que não residem em Alagoas, principalmente, turistas que não percebem a dinâmica da maré durante o ano. Outros vídeos são gravados por pessoas leigas, objetivando gerar pânico na sociedade”, alertou.

Fato esclarecido! Como explicado pelo pesquisador, o movimento de maré baixa já é bastante conhecido por moradores e pescadores da capital alagoana que aproveitam as águas baixas para caminhar e conhecer a beleza do local. Agora, quem for curtir a baixa-mar, é importante observar o horário que a maré volta a subir para garantir o retorno com segurança.

Ocupação desordenada e mudanças climáticas preocupam mais

Ravi é doutor em geociências e coordena, atualmente, uma pesquisa que busca mapear manchas de inundação na região do litoral da praia de Ponta Verde. Ele pretende alertar autoridades, Defesa Civil e também a população em geral sobre áreas que podem ser atingidas por enchentes. O docente da Ufal ressalta que a ocupação desordenada dos espaços públicos e as mudanças climáticas geram muito mais preocupação quando o assunto é o litoral brasileiro.

“A tendência de elevação do nível médio do mar vem chamando cada vez mais a atenção da comunidade científica e da sociedade, principalmente, as residentes nas regiões litorâneas, uma vez que as alterações climáticas e suas consequências afetam diretamente a vida dessa população e, de modo indireto, as demais regiões interiores, visto a intensificação de eventos climáticos extremos”, alertou.

O docente Henrique Ravi reforça que não existe risco iminente de Maceió ser atingido por um tsunami. “O último relato sobre tsunamis na costa do Brasil é de 1755. O mesmo tsunami que atingiu e destruiu Lisboa, em Portugal, cruzou o Atlântico e atingiu de forma secundária a nossa costa”, contou, acrescentando que “fora esse relato, não há estudos recentes e evidências científicas que indiquem a possível ocorrência de tsunamis na costa do Brasil”.

Ao retomar à questão do vídeo que circula com especulações sobre o assunto, o docente destaca, ainda, a dificuldade de se prever tal fenômeno. “Tsunamis são eventos provocados, geralmente, pelo deslocamento abrupto entre placas tectônicas. Sendo que este tipo de movimento não pode ser previsto, como no caso de atividades vulcânicas. Desta forma, não há porque se cogitar se poderá haver um tsunami ou não, visto que não é um fenômeno recorrente no Oceano Atlântico. Dessa forma, esse tipo de notícia é descabida e sensacionalista, o que pode gerar medo ou pânico na população”, afirmou.

Mais sobre o grupo de pesquisa

O Grupo de Estudos Integrados ao Gerenciamento Costeiro (Geigerco), coordenado pelo professor Henrique Ravi Almeida, existe desde 2019 e está vinculado ao curso de Engenharia de Agrimensura e Cartográfica do Campus de Engenharias e Ciências Agrárias (Ceca) da Ufal.

O grupo tem três linhas de pesquisas: Gerenciamento Costeiro, Morfodinâmica dos Sistemas Deposicionais e Sistemas de Geoinformação Costeira e Marinha. “As linhas pretendem contribuir cientificamente com o desenvolvimento de pesquisas aplicadas à Gestão Integrada da Zona Costeira (GIZC) do estado de Alagoas, caracterizar a dinâmica sedimentar dos sistemas deposicionais marinhos e transicionais responsáveis pelos processos de erosão, transporte e deposição ao longo da compartimentação litorânea”, explicou o pesquisador.

Também está no rol dos objetivos do grupo, segundo o docente, “utilizar imagens obtidas por sensores remotos, aéreos e orbitais, por Sistema de Informação Geográfica (SIG) e ferramentas de geoprocessamento para a construção de banco de dados integrado à dinâmica das feições costeiras e marinhas e consequente representação cartográfica”.

Atualmente, o grupo de pesquisa desenvolve projeto de iniciação científica, por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) da Ufal. Trata-se do Mapeamento de manchas de inundação e da dinâmica posicional da linha de costa ao longo da zona costeira de Maceió-AL – estudo de caso: praia de Ponta Verde.

Este ano, o grupo publicou o capítulo de livro Inundação da Zona Costeira frente à elevação do nível do mar: estudo de caso Praia de Pajuçara, Maceió–AL, referente aos trabalhos realizados durante o Pibic 2022.

O Geigerco também publicou o artigo Determinação da vulnerabilidade costeira em praias arenosas ao sul de Alagoas – Brasil: subsídio para delimitação de áreas de proteção em zonas costeiras, na revista portuguesa de Gestão Costeira Integrada. Para conferir a publicação, acesse aqui.