Cidades

Tutmés Airan se retrata e Adriana Mangabeira enaltece seu trabalho em defesa das mulheres

Por Tribuna Independente 01/03/2023 12h05
Tutmés Airan se retrata e Adriana Mangabeira enaltece seu trabalho em defesa das mulheres
Desembargador Tutmés Airan - Foto: Edilson Omena

O desembargador Tutmés Airan contou ao jornal que se retratou das palavras que disse a respeito da advogada tributa­rista Adriana Mangabeira Wan­derley e que ela, formalmente, aceitou o pedido de desculpa. O desembargador forneceu tanto o seu pedido de retratação quanto a manifestação com que a ad­vogada aceitou o seu pedido de desculpa.

Confira a retratação feita pelo desembargador e a mani­festação da advogada:

“Pelo presente termo, eu, TUTMÉS AIRAN DE ALBU­QUERQUE MELO, devida­mente qualificado nos autos da Ação Penal Privada nº 886/DF (2017/0314872-8), em tramita­ção perante a Corte Especial do eg. Superior Tribunal de Justi­ça, em que figuro como querela­do, sendo querelante ADRIANA MANGABEIRA WANDERLEY, venho formalmente me retratar, retirando, por completo, todas as palavras ofensivas (consi­deradas pela querelante como injuriosas e difamatórias) que proferi em seu desfavor e que se encontram registradas na peti­ção inicial da ação penal priva­da acima referida. Nada obstan­te entenda que apenas proferi as referidas palavras tidas por ofensivas pela querelante em situação de inequívoca emoção e em retorsão às graves ofensas que a querelante me havia irro­gado (por exemplo, ela me quali­ficou como magistrado corrupto e me acusou, levianamente, de receber visitas de advogados com malas de dinheiro), hoje re­conheço que, mesmo assim, não deveria ter proferido as palavras que proferi contra a querelante naquela oportunidade. Por isso mesmo, venho manifestar nos autos da ação penal privada em referência formal RETRA­TAÇÃO e, com efeito, retirar, por completo e de forma cabal, todas as palavras ofensivas (consideradas pela querelan­te ADRIANA MANGABEIRA WANDERLEY como injuriosas e difamatórias) que proferi em seu desfavor, declarando que as­sim agi em momento de grande infelicidade, tomado de emoção em face das injustas agressões que me foram dirigidas. Em síntese e objetivamente, retra­to-me das ofensas que irroguei à querelante ao qualificá-la de “vagabunda, nojenta e desquali­ficada”, entre outras expressões reputadas de igual teor ofensivo pela querelante e registradas no e-STJ fl. 10 da Ação Penal Pri­vada nº 886/DF. Brasília/DF, 30 de novembro de 2022

A seguir, a resposta de Adriana Wanderley:


“Sr. TUTMÉS AIRAN DE ALBUQUERQUE MELO eu ADRIANA MANGABEIRA WANDERLEY aceito sua retra­tação como pedido de desculpas, o perdão fica para Deus, eu sou uma mera humana. A sua atitu­de de reconhecer o erro é muito importante, espero que tenha sido de grande aprendizado, para que jamais se repita com outras mulheres.

Tenho acompanhado seu tra­balho pelo referido TUTMÉS AIRAN DE ALBUQUERQUE MELO frente ao Tribunal de Justiça de Alagoas, onde tem defendido pautas em enfren­tamento à violência contra a mulher que visa cuidar de mu­lheres que estão em situação de vulnerabilidade. Fica aqui registrado que aceito o pedido de desculpas e espero que esteja sendo de grande valia o trabalho realizado pelo referido TUTMÉS AIRAN DE ALBUQUERQUE MELO, mostra que realmente está arrependido. Brasília/DF, 01 de fevereiro de 2023”

Revisitando situações pessoais: um retratamento necessário


Tutmés Airan reflete que é na história de vida das pessoas que se encontra a resposta para uma série de entendimentos de mundo, ou de tomadas de de­cisões. A materialidade destas experiências pode ser consta­tada em cada episódio de sua própria trajetória: seja a infân­cia, os lugares em que viveu, as leituras que acessou e mesmo as privações por que passou e que lhe projetaram percepções ainda mais profundas sobre seu lugar nestas demandas.

O desembargador também afirmou encontrar estas compreensões a partir dos pontos que considera definidores de seu amadurecimento. É neste sentido que exemplificou um momento-chave em que sua vida pessoal ganhou contornos públicos. Trata-se do polêmico conflito com a advogada tributa­rista Adriana Mangabeira Wan­derley, iniciado em 2017. Ao ter recebido uma decisão judicial que contrariou seus interesses, a advogada iniciou uma série de acusações contra Airan perante o Conselho Nacional de Justiça.

“À época, me senti extre­mamente ofendido por ter sido chamado injustamente de cor­rupto e pela forma grave com que ela me acusou. O problema é que, em meio a todo esse mo­mento, fui procurado por um jornalista e, no auge da minha agonia, terminei por ofender a referida advogada, sobre o que nesse momento me retrato. Hoje, além de ter compreendi­do a proporção que a situação tomou, entendo que não devo combater qualquer tipo de in­justiça, inclusive uma dirigida a mim, ofendendo qualquer pessoa que seja”, diz.

O prolongado ciclo chega ao fim, segundo Tutmés, não só a partir do encerramento das hostilidades, como ainda de mais um aprendizado que recebe. “Tive a oportunidade de aprender com esta situa­ção também do ponto de vista das questões de gênero. Nosso compromisso, enquanto ho­mens e aliados, também está na vigilância cotidiana de nos­sas palavras, para que elas de fato promovam a igualdade e não qualquer uso de termos que, direta ou indiretamente, desqualifiquem mulheres em função de seu gênero. No fim das contas, esta consciência faz parte da coerência com nossos princípios, que é um caminho para a vida toda”, relata.

“Homens têm obrigação histórica de ser aliados das mulheres”


Lançado desde 2014 pela ONU Mulheres, o movimento HeFor­She chegou com um convite para o mundo: a igualdade de gênero é responsabilidade de todas as pessoas. No discurso de seu lan­çamento, a Diretora Executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlam­bo-Ngcuka, chama a atenção dire­tamente de líderes homens para que, a partir de suas funções e instituições, busquem promover o que chama de “uma mudança ir­reversível”, em que deverão utili­zar suas influências para reinven­tar os valores das instituições que representam “e nunca olhar para o outro lado”.

É possível dizer que o de­sembargador Tutmés Airan se identificou com o chamado antes mesmo de ser feito publicamente pelas Nações Unidas. A autocon­vocação é demarcada desde que se entendeu como uma ponte para que as pessoas tenham acesso aos direitos, reafirmando em diver­sas oportunidades, que “o poder só tem sentido se for para fazer o bem”.

Hoje à frente da Coordenado­ria da Mulher e da Coordenadoria de Direitos Humanos do Tribunal de Justiça de Alagoas, Tutmés faz mais do que procurar inspiração na então campanha de quase dez anos atrás: defende a atualidade da pauta internacional, com o cri­tério de que seja fundamentada também em ações concretas.

“As campanhas são extrema­mente importantes e inspira­doras, mas elas não podem se encerrar no compartilhamento de mensagens ou de textos, não quando temos oportunidade – a partir de nossa posição institucio­nal ou individual – de fazer mais do que isto. Os homens não devem absolutamente querer protago­nizar a luta das mulheres, mas temos uma obrigação histórica de nos colocarmos como aliados concretos destas pautas, tanto no discurso como também nas ações, para que os direitos sejam efeti­vados”.

A partir deste entendimento, Airan relata ter iniciado um ca­minho de escuta ativa sobre como poderia colaborar concretamente com questões pulsantes para o contexto alagoano, permeado por uma série de desigualdades de gênero. “A ideia sempre foi me instruir de tudo o que fosse neces­sário, para pensar como me aliar nessa ‘mudança irreversível’ e urgente, a partir das minhas atri­buições, do cargo que exerço, ou das funções que ocupo”, explicou.

AÇÕES CONCRETAS A PAR­TIR DA REUNIÃO DE FORÇAS

Em meio a este movimento, uma das maiores idealizações tomou forma: a Casa da Mulher Alagoana Nise da Silveira. Inau­gurada em 2021, a instituição é resultado de uma série de escu­tas a movimentos de mulheres e entidades vinculadas aos seus di­reitos, ao longo de todo o ano de 2020, quando Tutmés Airan ocu­pava a presidência do Tribunal de Justiça.

“Foi possível compreender, a partir das demandas socializadas pelas próprias mulheres, a ne­cessidade de um local que agluti­nasse acolhimento humanizado e completo para as vítimas de vio­lência doméstica, com assistência rápida e efetivamente protetiva”.

Hoje registrando o marco de 2 mil mulheres atendidas, a Casa da Mulher Alagoana vem se co­locado enquanto referência na­cional, com atendimento psicos­social, delegacia especializada, juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Ca­pital, além de disponibilização de Defensoria Pública, abrigo tempo­rário, brinquedoteca e programas sociais do Executivo que priori­zam mulheres.

“A Casa da Mulher Alagoana, além de resultante de um esfor­ço conjunto do Poder Judiciário junto às entidades, representa uma compreensão muito forte so­bre como essas mobilizações por um bem maior se potencializam quando unimos as forças. É essen­cial para conseguirmos resultados transformadores e que impactam concretamente na vida das mu­lheres, a partir de suas necessi­dades, demandadas individual ou coletivamente”.

NOVOS CAMINHOS

No que depender deste cami­nho, a peleja ainda deverá render mais alguns resultados – desta vez também de amadurecimento coletivo na instituição em que o desembargador tem trabalhado para construir suas “mudanças irreversíveis”. Através da Coor­denadoria da Mulher, tem se re­unido junto a um time de juízas comprometidas com a iniciativa de capilarizar os direitos das mu­lheres em todo o sistema judiciá­rio – que vai, inclusive, para além das portas do Tribunal.

Outras missões também estão na iminência de serem alcança­das, como a instalação da Ouvi­doria da Mulher, que já prome­te ser mais uma ponte junto ao Poder Judiciário. “Mais espaços para ouvir significam também mais possibilidades de mudan­ças reais. Além disso, com mais mulheres no Poder Judiciário e no Sistema de Justiça, temos as melhores oportunidades para que essa transformação se man­tenha sólida em todos os lugares onde tenhamos influência sobre o impacto. Agora, como homem e dentro das funções que exerço, me resta participar ativamente desta revirada necessária de valores”, disse Tutmés Airan.