Cidades

“Nosso sentimento é de empatia, indignação, solidariedade e revolta”

Profissionais do coletivo Ruptura realizam mostra com registros dos bairros de Maceió que sofrem com afundamento

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 27/01/2022 06h25
“Nosso sentimento é de empatia, indignação, solidariedade e revolta”
Reprodução - Foto: Assessoria
A partir desta quinta-feira (27) o coletivo Ruptura inicia a I Mostra Fotográfica “O Chão da nossa casa” com registros dos bairros de Maceió que sofrem desde 2018 com afundamento de solo. O grupo reúne dez profissionais que começaram o trabalho de registro ainda em 2020. A exposição será aberta ao público a partir das 19h, na galeria do Complexo Cultura Teatro Deodoro e fica em cartaz até 6 de março. “São quarenta fotos, algumas formando conjuntos, coloridas e em preto e branco, que oferecem aos seus expectadores uma leitura ampla, e não menos detalhada, dessa problemática avaliada como uma das maiores tragédias socioambientais urbanas do planeta. Além das imagens, a “Chão da nossa casa” também traz instalações montadas com peças das moradias destruídas pelas rachaduras, o que completa o conceito apresentado pelo coletivo Ruptura”, explicam os organizadores. De acordo com Jorge Vieira, um dos fotógrafos responsáveis pelo coletivo Ruptura, a intenção é escancarar à sociedade os impactos da mineração na capital e refletir sobre como as mudanças climáticas estão influenciando no mundo todo. “O objetivo da mostra é apresentar a nossa leitura, numa narrativa poética, o nosso olhar com relação a essa tragédia que é considerada o maior desastre socioambiental urbano da história do Brasil quiçá do mundo, sobretudo por se tratar de uma capital e de uma região que provavelmente não será mais resgatada enquanto área a ser utilizada na cidade. Mas a nossa ideia é mostrar, e por isso o nome ‘Chão da nossa casa’, que nós tenhamos uma perspectiva mais ampla, não só das moradias que foram destruídas pelas rachaduras, não só dos bairros afetados que hoje são fantasmas, não só da cidade que abriga essa problemática, mas queremos mostrar uma perspectiva de mundo, do que o planeta está vivendo em relação às transformações climáticas e como a ganância pelo capital prejudica tudo isso”, pontua. EMPATIA E REVOLTA Entre os profissionais envolvidos no trabalho, três pessoas tiveram suas histórias de vida marcadas pelo afundamento de solo. Segundo Jorge Vieira, isso gera um mix de sentimentos. “Nós temos três fotógrafas, uma que morou durante a adolescência na região, uma que mora no Pinheiro até hoje na Rua Belo Horizonte e outra que até meses atrás morava próximo à Praça Lucena Maranhão [Bebedouro]. Para essas três, o sentimento é muito doloroso, retratar essa região, afetada por esse afundamento, sentindo na pele o total desrespeito e a completa ignorância com a qual a Braskem vem tratando os moradores com relação as suas memórias afetivas, à desimportância que a mineradora dá a toda essa história, ao patrimônio cultural coisa que faz parte da trajetória dessas famílias. Então é muito doloroso. Para os demais, há muita empatia e solidariedade”, esclarece. Antes do Ruptura, Jorge e o também fotógrafo Arthur Celso já retratavam a situação do bairro do Pinheiro, ainda em 2019, “Para mim e o Arthur Celso, há uma singularidade porque fizemos um projeto anterior, em 2019, que era ‘Pinheiro: Vidas Rachadas’ e à época apenas o bairro do Pinheiro era nitidamente afetado pelas rachaduras. Então naquele momento fizemos um trabalho documental, tivemos muito contato com os moradores e, quando começamos o Ruptura, não havia mais os moradores. E foi com muita tristeza que retornamos àquelas casas e as pessoas não estavam mais, pessoas que tivemos uma relação de amizade e, por conta desse sentimento de desolação, bate também um sentimento de revolta, de indignação. Sabendo que as pessoas de baixa renda tiveram um tratamento imposto, sem opção de escolha”. Processo de afundamento afeta mais de 60 mil moradores   O processo de afundamento de solo, apontado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) como decorrente da extração de salgema vem afetando direta e indiretamente mais de 60 mil moradores nos bairros do Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e em parte do Farol. A situação de calamidade pública dos bairros foi decretada no fim de 2018 e vem sendo renovada pela Prefeitura de Maceió diante da constante evolução do problema. Desde o dia 3 de março de 2018 quando um tremor de 2,5 na escala Richter foi sentido no bairro do Pinheiro e adjacências a escalada de rachaduras em imóveis e vias não parou de se intensificar. ACORDO Em 3 de janeiro de 2020 um acordo judicial firmado entre órgãos de controle e a Braskem estabeleceu a retirada das áreas de maior criticidade dos bairros afetados. Já no início de 2021 todas as áreas tiveram a indicação de realocação e outras, como os Flexais de Baixo e de Cima no bairro de Bebedouro, seguem sendo afetadas pela problemática devido ao ilhamento social, sem contudo, haver definição se a comunidade será retirada do local. As ações, previstas no acordo de indenização das moradias se estendem até o fim de deste ano.