Cidades

Feiras livres mantêm tradição em Maceió

Apesar da queda de movimento, elas permanecem vivas no cotidiano de muita gente da capital; Município administra seis delas

Por Lucas França com Tribuna Independente 29/09/2018 10h58
Feiras livres mantêm tradição em Maceió
Reprodução - Foto: Assessoria
No lugar de ar-condicionados e refrigeradores de última geração dos supermercados, bancas de madeiras e lonas montadas em praças ou ruas. A tradição das feiras livres que ocorrem todos os dias em diversos bairros de Maceió resiste à modernidade e mantém uma clientela fiel. O barulho característico é inconfundível. Na maioria das cidades do interior do Estado, elas acontecem um dia na semana - geralmente aos sábados ou domingos. Lá o pessoal acorda cedinho para ir em busca de um alimento mais fresquinho. Já na capital, são seis feiras administradas pela Secretaria Municipal do Trabalho, Abastecimento e Economia Solidária (Semtabes). De acordo o órgão, as feiras estão nos bairros do Graciliano Ramos, Village Campestre, Tabuleiro do Martins, Cleto Marques Luz, Jatiúca, Bebedouro e Jacintinho. A feira do Graciliano Ramos e Village Campestre ocorre aos sábados e domingos, já as demais ocorrem todos os dias da semana, com cerca de 600 feirantes comercializando nos locais. Para atrair a clientela, os feirantes precisam ter ‘’gogó’’ para chamar atenção de quem vai comprar. Basta chegar a uma ‘’feirinha” dessas que se ouve os donos de barracas fazendo propaganda do seu produto no grito. Outros já utilizam microfones e caixas de som. Na hora de ganhar o freguês o que vale é a criatividade. Movimento é menor que antes, diz feirante Há mais de 20 anos comercializando na feira do bairro de Bebedouro, seu Cícero Alves de Oliveira conta que a tradição está muito descaracterizada e as poucas barracas que existem não vem atraindo muita clientela. “Apesar de existir há muito tempo (nem sei precisar a quantos anos existe), a feira está bem menor que antigamente. Poucas pessoas ainda armam suas barracas por aqui. Mas, apesar disso, a relação com os clientes é sempre a melhor possível. Eles saem satisfeitos com o atendimento e por isso voltam”, comenta seu Cícero. O feirante acredita que a movimentação intensa que existia e hoje em dia não é tão frequente esta relacionada com a correria do dia a dia. “Acredito que muitos deixaram de vir por conta do cotidiano mesmo. É o trabalho. Muitos deixam para ir aos supermercados é mais cômodo, pois tem alguns que ficam abertos até altas horas da noite”, explica. Porém apesar da pouca movimentação o feirante não deixa o local e disse que as pessoas que chegam lá, voltam para comprar novamente. “Muitos chegam aqui para comprar um produto específico, mas quando notam a qualidade acabam levando mais. Comercializo legumes, verduras e hortaliças. Tenho inhame, batata-doce e macaxeira e garanto que tudo de boa qualidade e com preço acessível”, ressalta o feirante acrescentando que a apesar da queda na procura o que consegue vender da para se manter. “Todo dia a gente ganha dinheiro, mas todo dia a gente gasta para repor o estoque. Nem faço orçamento mensal. Sei que eu e a família sobrevivemos com esse mercado”, expõe. [caption id="attachment_248065" align="aligncenter" width="300"] Para o feirante Cícero Alves de Oliveira, o que mantém o freguês fiel às feiras livres é o atendimento disponibilizado (Foto: Edilson Omena)[/caption] Variedade de produtos chama atenção no Tabuleiro A Feirinha do Tabuleiro, uma das mais tradicionais, situada no Tabuleiro do Martins, parte alta de Maceió, chama atenção pela variedade de produtos no local. Por lá, podem ser encontradas barracas com frutas, verduras, raízes, hortaliças, massa de mandioca e até barracas de roupas, lanchonetes e “mercadinhos”. É um misto de produtos. O aposentado Cícero Justino disse que o local é o ambiente perfeito para fazer a feira de casa. “Moro aqui no bairro e raramente vou a mercadinho fazer minhas compras. Prefiro comprar na feirinha que tem de tudo e em ótima qualidade. Sem contar que frutas, verduras, inhame, batata e outros alimentos são melhores”, ressalta. Cícero disse que além de ser uma tradição ir a feira, o ambiente e o contato direto com o feirante é melhor. “Aqui a gente consegue um desconto, temos a ajudar na hora de escolher o produto. Minha feira é aqui. Desde carne a farinha”, comenta. [caption id="attachment_248066" align="alignnone" width="300"] Feirinha do bairro do Tabuleiro do Martins mantém uma tradição que permanece firme, apesar de menor frequentada que antigamente (Foto: Edilson Omena)[/caption] O feirante Fernando Lima da Silva comercializa há pouco tempo no local, mas disse que a procura é boa e os clientes sabem da qualidade dos produtos. “Eu nem preciso falar. Só em observar os produtos você ver que são frescos, novos e de boa qualidade. As plaquinhas já mostram o valor que cabe no bolso do consumidor”, diz. Infraestrutura é deficiente, critica feirante Outro feirante que confirma a qualidade dos produtos e a tradição da feira é Jairo Ramos, que já trabalha na Feirinha do Tabuleiro há 20 anos. “Está feira é uma das mais antigas. Trabalho por aqui há 20 anos. Antes ela ficava na via pública. Esse espaço antigamente era uma chácara que foi comprada no governo de Cícero Almeida para tirar a feira da rua. Essa feira existe há mais de três décadas com certeza”, conta o comerciante acrescentando que todos os dias tem gente em fazendo compras. “Nossa relação com os consumidores é a melhor possível. Oferecemos descontos e produtos frescos de boa qualidade”, disse. Jairo disse ainda que o relacionamento é tão bom que às vezes acaba vendendo algum alimento no fiado, confiando apenas na palavra. “Tenho clientes que só compram a mim. E muitas vezes acabam de não ter o troco ou dele está com menos dinheiro mais quer levar outro produto e eu vendo. Nem anoto. E eles voltam para pagar. Eles nos procuram por que sabem da qualidade. Diferente do supermercado aqui vendemos o alimento. Por exemplo a banana a gente não vende o quilo, vendemos o que o cliente vai comer. No mercado o peso conta com a casca. Até as sacolas são cobradas, e aqui não”, comenta. [caption id="attachment_248068" align="aligncenter" width="300"] Feirante Jairo Lima faz críticas aos administradores das feiras livres por não investirem em infraestrutura (Foto: Edilson Omena)[/caption] FUNÇÃO Apesar de ser um espaço bem frequentado, Jairo Lima faz uma crítica aos administradores. “A feira é bem frequentada. E poderia ser mais. Aqui falta organização. A antiga gestão nos trouxe para cá – agradecemos o espaço, pois não mais precisamos competir com os carros, mas esqueceu da infraestrutura do saneamento básico. Quando chove, entra muita água e acaba espantando os clientes. Cícero Almeida esqueceu isso e o atual prefeito apenas está mantendo o espaço apenas conservado e nada de infraestrutura”, desabafa. O feirante ressalta ainda que existem várias irregularidades no local. “Sou cadastrado como a maioria por aqui. Pagamos impostos. Mas, nos sentimos esquecidos, Não tem segurança pública, a gente que paga segurança particular. E nem tem estrutura. Tem muitos invasores nas calçadas que atrapalha o fluxo”, explica. As fiscalizações realizadas nas feiras livres de Maceió são de responsabilidade da Secretaria Municipal de Convívio Social (SEMSCS), que informa que realizam de forma contínua ações de ordenamento por toda a cidade. A Semtabes informa ainda que está em processo um projeto para padronização das feiras livres, com intuito de promover melhorias nas condições de trabalho dos feirantes e na experiência de compra da população. “Ir à feira é reencontrar as raízes”, diz socióloga A socióloga Ana Cláudia Laurindo explica que há uma diferença de motivação entre os habitantes das diferentes regiões do Brasil, no Sul e Sudeste por exemplo, ela explica que há uma busca mais acentuada por produtos orgânicos, resultado de um conhecimento que relaciona alimentação e saúde. No Nordeste, essa motivação segundo ela está mais presente em camadas seletas de pessoas mais jovens. “Portanto, ir à feira por aqui é acentuadamente reencontrar as raízes, já que parte significativa dos habitantes da capital veio do interior. A feira livre tem forte simbolismo na vida interiorana, por agregar várias respostas e satisfazer necessidades não apenas alimentares, mas curativas, busca de utensílios pontuais, encontros culturais etc. O supermercado não engloba este mesmo cenário, e a praticidade por si não é moeda única, somos seres constituídos também por memórias. A própria capacidade de diálogo que existe entre comprador e feirante, permite um elemento totalmente ausente do supermercado, que é a negociação de preços, a barganha na compra maior, um elemento a mais como mimo”, explica Ana Cláudia. Laurindo observa que quem mora nas proximidades de uma feira livre em Maceió costuma entender isso como valor no território, e a ida frequente são facilitadas. “No entanto, demandas de moradores mais distantes tendem a serem menores, considerando fluxo de trânsito e qualidade dos transportes públicos. Mas, se tem um elemento forte por essência na condução desse tipo de busca para a compra de alimentos, é a propaganda sobre preços menores que o boca a boca se encarrega de transportar. As camadas frequentes em feiras livres são majoritariamente constituídas por quem recebe salários considerados medianos e mínimos, assim sendo, o produto mais barato é a motivação mais forte em nossa capital”, ressalta a socióloga. [caption id="attachment_248067" align="alignnone" width="300"] Fidelidade: aposentado Cícero Justino disse que a tradicional Feirinha do Tabuleiro é o ambiente perfeito para fazer a feira de sua casa (Foto: Edilson Omena)[/caption]