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Indicação de filho para embaixada nos EUA é inédita em democracias

Caso seja oficializada, a indicação de Eduardo estaria seguindo os passos do ditador da Arábia Saudita, cujo filho ocupou a embaixada em Washington entre 2017 a 2019.

Por Huff Post Brasil 14/07/2019 11h10
Indicação de filho para embaixada nos EUA é inédita em democracias
Reprodução - Foto: Assessoria
Apesar de não ser ilegal, a indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro(PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos é sem precedentes em países democráticos. Nomeação de familiares é mais comum em monarquias e em governos autocráticos, de acordo com internacionalistas ouvidos pelo HuffPost. Caso seja oficializada, a indicação de Eduardo estaria seguindo os passos do ditador da Arábia Saudita, cujo filho ocupou a embaixada em Washington entre 2017 a 2019. De acordo com a professora Denilde Holzhacker, pesquisadora em Relações Internacionais da ESPM-São Paulo, a indicação fere a tradição brasileira de manter diplomatas de carreira em postos considerados estratégicos para a política externa do País. ″É incomum esse tipo de indicação em países democráticos como o Brasil. Se estivéssemos em uma monarquia, talvez fizesse sentido. Mas a indicação de um filho, sem qualquer experiência anterior diplomática para essa posição, eu não me lembro de nenhum caso”, destaca a professora em entrevista ao HuffPost Brasil. O presidente Jair Bolsonaro anunciou o convite na última quarta-feira (10). O nome do seu filho como futuro embaixador ainda não está oficializado, mas já causa estranhamento entre diplomatas. Único deputado federal egresso da carreira diplomática, Marcelo Calero (Cidadania-RJ) disse na última sexta-feira (12) que via com bastante preocupação a decisão do presidente. ”É um desprestígio com uma das instituições mais respeitadas, que é o Itamaraty”, analisou. Para Calero, se Eduardo Bolsonaro se tornar embaixador, será uma “atitude caprichosa e voluntarista” do presidente que pode ser considerada nepotismo. Nepotismo na indicação de Eduardo Bolsonaro Logo após a repercussão da indicação do filho, o presidente Jair Bolsonaro se defendeu. “Alguns falam que é nepotismo. Essa função, tem decisão do Supremo, não é nepotismo, eu jamais faria isso. Ou vocês acham que devo aconselhar o Eduardo a renunciar ao mandato e voltar a ser agente da Polícia Federal?”, disse o presidente. De fato, caso seja oficializada a nomeação, a decisão do presidente levanta dúvidas se estaria infringindo ou não a lei. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu que autoridades nomeassem cônjuges ou parentes de até terceiro grau para cargos comissionados, de confiança ou para qualquer função gratificada dentro dos três poderes. Porém, a Corte não especificou se a regra valeria para cargos de natureza política — como é o caso de indicações de ministros e embaixadores. Para o ministro do Supremo Marco Aurélio de Mello, a eventual nomeação de Eduardo Bolsonaro seria passível de classificação do crime e, ainda, um “tiro no pé” do governo. “Não tenho a menor dúvida [de que é nepotismo]. Sob a minha ótica, não pode, é péssimo. Não acredito que o presidente Bolsonaro faça isso. Será um ato falho, um tiro no pé. O exemplo vem de cima. Ele chegou para nos governar e governar bem, não para proporcionar o Estado aos familiares”, afirmou em entrevista ao Estadão. Como funciona a indicação de embaixadores no Brasil No País, a Lei 11.440, de 29 de dezembro de 2006, define os critérios para escolher “chefes de missões diplomáticas permanentes”. A legislação determina que os embaixadores devem ser escolhidos entre os ministros de primeira classe ou entre ministros de segunda classe, ou seja, entre os diplomatas de carreira que já conquistaram uma posição em nível de representação. No entanto, há um artigo que autoriza em caráter excepcional que sejam escolhidos nomes que não fazem parte da carreira diplomática, desde que sejam brasileiros natos, maiores de 35 anos, “de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao País”. Eduardo Bolsonaro completou 35 anos um dia antes de seu pai falar de sua indicação para embaixador. “A diplomacia brasileira é conhecida internacionalmente pelo seu preparo técnico. Nós temos um dos exames mais competitivos do mundo para ocupar essas posições”, afirma Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para o especialista, a possível nomeação é uma estratégia do governo Bolsonaro de utilizar a política externa para mostrar que ele representa “a ruptura”. “A política externa tem sido uma ferramenta importante para ele. Ao decidir oferecer essa posição ao seu filho, ele faz uma tentativa de demonstrar aos EUA a importância que o governo dá para a relação bilateral”, explica. Desafios de Eduardo Bolsonaro em Washington Os dois especialistas ouvidos pelo HuffPost Brasil concordam que o principal desafio do filho do presidente como embaixador seria demonstrar a sua capacidade técnica e de diálogo em Washignton. “O embaixador deve representar os interesses do País, e não de um mandato”, argumenta Denilde Holzhacker. “O Eduardo Bolsonaro já demonstrou ter um alinhamento político com a ala mais conservadora dos políticos americanos. Ele teria problemas no acesso de outros grupos de interesse, como democratas, empresários e a sociedade civil.” Para Oliver Stuenkel, por ser filho do presidente, o acesso direto que Eduardo tem nas decisões do Executivo pode ser algo que conte a favor do deputado caso ocupe a posição de embaixador. No entanto, o internacionalista tem dúvidas se isso seria suficiente para a articulação dos interesses brasileiros frente aos americanos. “Navegar na política em Washignton é algo complexo. Não é por acaso que os últimos embaixadores que ocuparam esse são nomes bem experientes”, explica. Segundo ele, o Brasil não é uma prioridade do governo americano e, para fortalecer essa relação, faz parte da tarefa do embaixador demonstrar que o governo brasileiro pode ser um parceiro estratégico. “No molde que o Bolsonaro está pensando, e tendo em vista o governo Trump, isso significaria dar ajuda concreta para a resolução da crise na Venezuela ou para a redução da influência chinesa na América Latina. Mas, ao meu ver, dificilmente o governo brasileiro tem porte para entregar qualquer uma das duas opções.” Além da indicação oficial de Bolsonaro e da resposta de Eduardo se aceita ou não o cargo, é preciso aval do Senado Federal para que a nomeação seja concluída. No Congresso, porém, já há resistência. O senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) afirmou que a oposição irá mover ações judiciais cabíveis, caso seja confirmada a indicação de Eduardo. “É um absurdo que isso seja ao menos cogitado. Bolsonaro quer fazer do governo o quintal da sua casa, uma extensão familiar. O presidente que ontem defendeu o trabalho infantil como ‘meritocracia’ hoje indica o próprio filho para assumir uma embaixada”, disse Randolfe, mencionando recente declaração controversa do presidente. Trump, Bolsonaro e filhos Neste sábado (13), o presidente Jair Bolsonaro postou no Twitter um vídeo em que o presidente Donald Trump elogia Eduardo Bolsonaro. Na gravação feita em março deste ano, durante uma entrevista coletiva com os dois chefes de Estado, Trump pede para Eduardo se levantar e diz que “o trabalho que você fez durante tempos difíceis foi simplesmente fantástico”. A declaração foi dada logo depois de Trump ser questionado sobre uma possível intervenção militar na Venezuela. O jornal O Globo informou que Trump também poderá designar um de seus filhos para assumir a embaixada dos Estados Unidos em Brasília. Eric Trump seria indicado se Eduardo Bolsonaro realmente se tornasse embaixador, afirma o jornal. O deputado federal e diplomata Marcelo Calero lamenta o “compadrio” nas relações internacionais. “Relações diplomáticas não podem ser baseadas como se fossem intercâmbio, do tipo ‘eu mando meu filho pra fazer intercâmbio’”, critica. Na última sexta, quem também se posicionou contra a indicação foi o escritor e filósofo Olavo de Carvalho, que é muito próximo tanto de Jair quanto de Eduardo. Para ele, aceitar a embaixada nos EUA destruiria a carreira do parlamentar.