Saúde

Audiência pública em Maceió expõe desafios e aponta soluções para pessoas em alta hospitalar incapazes de autocuidado

Por MPF/AL 25/08/2025 12h31
Audiência pública em Maceió expõe desafios e aponta soluções para pessoas em alta hospitalar incapazes de autocuidado
Encontro promovido pelo MPF, MP/AL e DPE/AL debateu lacunas nas políticas públicas e encaminhou medidas de proteção - Foto: MPF/AL

O Ministério Público Federal (MPF) em Alagoas sediou, na última sexta-feira (22), a audiência pública “Políticas públicas destinadas a pessoas com alta clínica hospitalar sem condições de alta social e com limitações para o autocuidado”. O evento, promovido em parceria com o Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL) e a Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DPE/AL), reuniu gestores públicos, profissionais da saúde, representantes da sociedade civil e de instituições diversas.

Conduzida pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão, Bruno Lamenha, a iniciativa teve como objetivo discutir as lacunas existentes nas políticas públicas relacionadas à alta hospitalar de pacientes sem condições de autocuidado, especialmente no contexto da rede de saúde da capital alagoana. Alta hospitalar social é o termo usado quando o paciente já tem condições clínicas de deixar o hospital, mas não consegue se cuidar sozinho. Nesses casos, é necessário o apoio do serviço social para garantir que ele continue recebendo cuidados fora do ambiente hospitalar.

Ao longo da audiência, foram apresentados diagnósticos, relatos técnicos e propostas de encaminhamento voltadas à formulação de medidas concretas de proteção e aprimoramento da assistência à saúde. Em Maceió, atualmente, há apenas 10 vagas em residências terapêuticas privadas, 30 na Casa do Idoso e cerca de 300 vagas para adultos — número insuficiente frente à demanda crescente. Pessoas com deficiência psicossocial e pacientes acamados enfrentam ainda mais dificuldades, já que as quatro residências terapêuticas existentes não suprem a necessidade.

Segundo o defensor público estadual Isaac Souto, não existe, no âmbito federal, equipamento de referência para esse público. Já a defensora pública Roberta Mendonça destacou que o problema se agrava para pessoas com deficiência psicossocial, que têm direito ao uso dos equipamentos destinados a pessoas com deficiência, mas que as quatro residências terapêuticas atualmente existentes não atendem à demanda. “A previsão é ampliar de quatro para oito residências terapêuticas, mas ainda será insuficiente. Já sabemos de pelo menos 25 pessoas aguardando vagas em residências inclusivas”, alertou.

A promotora de Justiça

Micheline Tenório frisou o vácuo institucional e a necessidade de integração entre as políticas de saúde e assistência social. “Existe um vácuo de responsabilização da rede de assistência, que precisa se articular com a saúde para garantir o cuidado a essas pessoas hipossuficientes”, afirmou. Em complementação, a promotora Alexandra Beurlen reforçou que os abrigos devem replicar o cuidado domiciliar, capacitando profissionais da assistência social para atividades que não demandem atendimento médico especializado. “É preciso que se entenda que a política de assistência não é estanque. As instituições de acolhimento têm que estar preparadas para o tratamento que se permite em uma casa. Se em casa eu posso fazer um curativo, é no abrigo que essas pessoas, que não têm lar, precisam ter esse atendimento também”, pontuou.

Relatos da sociedade civil e profissionais de saúde — Maria Fabiana Costa, coordenadora da Casa de Passagem São Vicente de Paula, relatou que os centros de acolhimento chegam a atender até 200 pessoas no Centro e 50 no Benedito Bentes, sem contrapartida financeira do município ou do estado. Edmilson Silva de Sá, do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CEDPD), denunciou que, frequentemente, o atendimento se restringe ao período de hospitalização, deixando pacientes desassistidos após a alta.

Profissionais da saúde também compartilharam relatos preocupantes sobre a realidade enfrentada nos hospitais. Amanda Alves, do Hospital Escola Portugal Ramalho, explicou que pacientes com alta clínica permanecem internados devido à ausência de vagas em residências terapêuticas e inclusivas. Essa situação tem provocado reinternações frequentes e agravamento de comorbidades. Iris Lanne Oliveira, do Hospital da Mulher, chamou atenção para o estado de sucateamento das unidades de acolhimento e para a falta de acessibilidade, evidenciando a precariedade da estrutura disponível para atender pessoas em situação de vulnerabilidade.

Diante dos relatos contundentes trazidos por profissionais que atuam na linha de frente do acolhimento a pessoas sem condições de autocuidado, o procurador da República Bruno Lamenha destacou que a audiência pública tem como propósito central funcionar como espaço de escuta qualificada, voltado à construção coletiva de soluções concretas. “A gente não pensa só em trazer as nossas soluções. Nós reconhecemos que não somos especialistas em saúde pública, nem somos gestores. Precisamos justamente ouvir quem está na ponta para construir juntos as soluções”, ressaltou.

Propostas — Mesmo tendo caráter de escuta, a audiência foi concluída com algumas propostas e encaminhamentos efetivos para a questão. Entre eles, destacaram-se: a criação de um grupo intersetorial permanente entre saúde e assistência social; a ampliação de residências terapêuticas e inclusivas; e a garantia de acessibilidade nos equipamentos destinados a pessoas vulneráveis.

O MPF, juntamente com o MP/AL e a DPE/AL, estuda a elaboração de uma recomendação para que as instituições de acolhimento evitem encaminhar pacientes em situação de rua, em alta hospitalar sem condições de autocuidado, de volta às ruas. Também será formalizada uma audiência extrajudicial para discutir a questão com os gestores da saúde e da assistência social do município, que não estiveram presentes à audiência pública. Foi ainda proposta, pelo vereador Leonardo Dias, a realização de uma audiência pública na Câmara de Vereadores de Maceió. Não está descartada, porém, a possibilidade de Ação Civil Pública para obrigar a criação de novas residências inclusivas.

A mesa de abertura e condução da audiência contou com a presença, além do procurador regional dos Direitos do Cidadão, Bruno Lamenha (MPF), das promotoras de Justiça Alexandra Beurlen e Micheline Tenório (MP/AL), dos defensores públicos estaduais Roberta Mendonça e Isaac Souto (DPE/AL) e do vereador Leonardo Dias (Câmara Municipal de Maceió). A audiência reforçou a necessidade de que União, estado e município atuem de forma conjunta para assegurar direitos fundamentais às pessoas em situação de vulnerabilidade, garantindo dignidade e proteção social.