Saúde
Estudo indica maior risco de morte por chikungunya mesmo após crise da doença
Desde o início do ano, as infecções causadas pelo mosquito Aedes aegypt, como dengue e chikungunya, têm aumentado. Nestas últimas semanas, Acre, Minas Gerais, Goiás e o Distrito Federal decretaram estado emergencial após o aumento do número de casos de dengue, exigindo cuidado redobrado com o mosquito. Outras cidades veem os números aumentarem não apenas para esta doença, como para a chikungunya. O estado de São Paulo enfrenta um aumento de 26% no número de casos de chikungunya neste ano. Publicado na revista The Lancet Infectious Diseases, um estudo investigou o risco de morte de pessoas infectadas por chikungunya durante dois anos após os primeiros sintomas da doença. Ao utilizar uma amostra da população brasileira entre 2015 e 2018, a principal evidência da pesquisa, segundo um dos pesquisadores do estudo, Thiago Cerqueira, “foi mostrar a persistência do risco de óbito após a chikungunya em até três meses do início dos sintomas, indo além da fase aguda da doença, que são os primeiros 14 dias”.
Pesquisas anteriores avaliaram as complicações após a infecção e apresentaram o risco de gravidade quando associados com a presença de outras condições crônicas, principalmente a diabetes. Outros estudos investigaram o excesso de mortalidade causada pelas complicações da doença. Entretanto, não foi encontrado estudos de comparação de risco de morte entre pessoas expostas ou não ao vírus.
Liderado por pesquisadores do Centro de Integração de Dados para Conhecimentos em Saúde (Cidacs) e do Laboratório de Medicina e Saúde Pública de Precisão (MeSP2), ambos da Fiocruz Bahia, o estudo demonstrou evidências de um maior risco de morte mesmo após o período da infecção aguda pelo vírus chikungunya. Conforme Thiago, “geralmente, a característica mais marcante da chikungunya é dor nas articulações, sendo muitas vezes a única condição considerada pelos profissionais de saúde. A pesquisa revela e quantifica complicações possíveis após a doença, indicando a necessidade de um olhar mais atento frente aos casos da doença”, observou.
Neste estudo, foram apresentadas evidências sobre o risco aumentado de mortalidade natural, e também um risco aumentado de morte associado com outras doenças dentro de 84 dias após o início dos sintomas. Para Thiago, “no cenário brasileiro com uma grande onda de dengue, não deve ser esquecido a chikungunya. Os manuais de conduta devem ser atualizados para indicar o potencial de complicações metabólicas e cardiovasculares, além da musculoesquelética [relacionadas aos músculos e ossos], com especial atenção às primeiras 12 semanas após o início dos sintomas”.
A primeira vacina para o vírus chikungunya foi aprovada nos EUA no final de 2023, mas ainda não existe previsão para iniciar o uso no Brasil. Além disso, não existem antivirais específicos, e intervenções terapêuticas baseadas em anticorpos para o vírus chikungunya permanecem em desenvolvimento. Com isso, também é indicado a necessidade de desenvolvimento de medicamentos e vacinas específicos para chikungunya e acesso a esses avanços em países com surtos recorrentes da doença. Como limitação deste estudo, Thiago ressaltou que não foi possível avaliar “os casos que necessitaram de internação hospitalar, mas que não evoluíram a óbito, o que pode ter subdimensionado o impacto da chikungunya”.
Risco de morte
Nesta parte do estudo, foi comparado o risco de morte em pessoas com a doença causada pelo vírus chikungunya com aquelas sem a doença, no período de 2015 a 2018. Ao analisar os dados, a equipe de pesquisa percebeu um risco aumentado de morte para até 84 dias após os primeiros sintomas da infecção.
As pessoas infectadas tiveram um risco 8,4 vezes maior de morte do que as pessoas não infectadas entre 1 e 7 dias. Entre 57 e 84 dias o risco diminuiu para 2.26 vezes maior que as pessoas sem a doença. Após, o risco se aproximou de 1, isso quer dizer que não houve diferença significativa no risco de morte entre os grupos expostos e não expostos durante esse período. Na análise desse estudo e dos dados disponíveis, em um cenário com 100.000 pessoas doentes, é esperado cerca de 170 mortes a mais nos primeiros 84 dias do que em um contexto sem a doença.
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Quando foi estudado as causas específicas de morte destas pessoas que haviam sido infectadas pelo vírus, foi observado maior mortalidade associada com diabetes e doença cardíaca isquêmica até os primeiros 28 dias, e permaneceu significativamente elevada até 84 dias para doença cardíaca isquêmica e até 168 dias para diabetes.
Análise do número de mortos entre 2015 e 2018
Nesta outra parte do estudo, entre 2015 e 2018, foram analisados os dados de 1.933 pessoas que tiveram a doença do vírus chikungunya e morreram em um tempo médio de 294 dias, menos de um ano. Dos casos por morte natural, o risco foi maior entre o primeiro e o sétimo dia do início dos sintomas da doença pelo vírus, com um risco de 8,75 vezes maior em comparação com outros períodos, diminuindo para 1,59 entre 57 e 84 dias.
Para os resultados secundários, o risco de morte em 28 dias após o início dos sintomas da chikungunya estiveram associados geralmente com maior risco para diabetes, com 8,43 vezes maior risco do que doenças cerebrovasculares, com 2,73, e para doença cardíaca isquêmica, com 2,38. Não houve evidência de aumento do risco nos períodos subsequentes entre 85 e 168 dias para esses resultados secundários.
Semelhante à análise comparativa entre pessoas doentes e não doentes, a análise realizada com o acompanhamento dos dados sobre as 1.933 mortes, mostrou um risco relativo aumentado de mortalidade natural por todas as causas dentro de 84 dias após os sintomas iniciais.
Não é possível afirmar que os números de mortalidades por outras doenças estejam apenas relacionados com o vírus Chikungunya, pois existem outras diversas variáveis que não foram possíveis de serem analisadas neste estudo. Entretanto, o aumento do risco de mortalidade em todas as faixas etárias e, principalmente, nos primeiros 84 dias, reforça a necessidade de os profissionais de saúde acompanharem de perto casos de doenças cardiovasculares, neurológicas, renais e distúrbios metabólicos e outras doenças clínicas graves ligadas a doenças sistêmicas e envolvimento de órgãos específicos, permitindo a detecção antecipada e prevenção de complicações e mortes.
Embora não haja uma explicação definitiva sobre os mecanismos específicos que aumentam o risco de mortalidade em casos de infecção por chikungunya, é importante reconhecer, como mencionou Thiago, a existência de “alguns mecanismos comuns a várias infecções virais”, podendo desencadear complicações graves que podem levar a morte. Sendo assim, é sugerido uma maior atenção aos casos dessas doenças, assim como pesquisas contínuas para se compreender melhor os mecanismos que elevam o risco de mortalidade.
Realização e dados do estudo
Neste estudo, vinculou-se os dados sobre notificações e análises laboratoriais de desfechos para as doenças de chikungunya, dengue e zika, sendo utilizados para esta investigação apenas os dados de pessoas infectadas por chikungunya. Foram usados dados do período de 1º de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2018. Utilizou-se dois métodos, o primeiro de coorte retrospectiva, comparando o risco de morte entre pessoas expostas ao vírus e as não expostas ao longo de um período de até dois anos após a infecção. Já o segundo método, de série de casos autocontrolada, seguindo a mesma temporalidade de análise do método anterior, incluiu apenas as pessoas que morreram após terem a doença, comparando o risco de morte em diferentes períodos em relação a data dos primeiros sintomas.
Foram incluídos 143.787 casos de doenças causadas pelo vírus da chikungunya entre o período de 2015 a 2018. Dos doentes, 1.933 foram a óbito algum período após a doença. Foram dois os desfechos de mortalidade: o primário, por causa natural, e o secundário, relacionado às mortes associadas a causas específicas, incluindo doenças cardíacas isquêmicas - àquelas que afetam as artérias e impedem a passagem do sangue, de oxigênio e nutrientes necessários -, diabetes e doenças cerebrovasculares.
O estudo utilizou dados da coorte de 100 milhões de brasileiros, inovação científica que inclui dados de mais de 130 milhões de brasileiros(as) do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Para este estudo vinculou-se dados do CadÚnico aos dados do Sistema Nacional de Informação sobre Doenças de Notificação Notificável (Sinan) e Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).
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