Saúde

Drama pós-Covid: sequelados pela doença em Alagoas relatam sofrimentos e dificuldades

Profissionais de saúde e cientistas ainda tentam entender efeitos da doença sobre o corpo

Por Reportagem e edição: Wellington Santos com Tribuna Independente 23/05/2021 11h48
Drama pós-Covid: sequelados pela doença em Alagoas relatam sofrimentos e dificuldades
Reprodução - Foto: Assessoria

Passos lentos, leve expressão de dor, muitas dificuldades ainda até caminhar e se acomodar na cadeira para receber a reportagem para uma entrevista com a Tribuna Independente.

– Você está se sentindo melhor agora? Pergunta a reportagem.

– Sim, o pior já passou. Foi terrível, pensei que iria ficar paraplégica. Agora é só comemorar.

O pequeno diálogo acima é com a psicóloga Jackeline Aciole, 45 anos, uma das vítimas sequeladas em Alagoas depois de ser vitimada pela temida Covid-19, doença que já matou quase 450 mil brasileiros, até o fechamento desta edição.

E beirando a meio milhão de mortes causadas pelo novo coronavírus desde o início da pandemia no Brasil, o país segue como o segundo com maior número de óbitos e o terceiro em infectados pelo coronavírus no mundo, de acordo com a conceituada Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos. No planeta, o número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus já passa de 164 milhões.

A realidade é que, pouco mais de um ano e dois meses após o surgimento dos primeiros casos de Covid-19 no Brasil, profissionais de saúde e cientistas ainda tentam entender os efeitos da doença sobre o corpo e por quanto tempo eles podem durar. É o chamado “efeito pós-Covid” ou as sequelas deixadas por este mal nas vítimas que conseguem sobreviver.

[caption id="attachment_450041" align="aligncenter" width="667"] Jackeline conta drama que viveu após contrair o coronavírus e a Síndrome de Guillain-Barré, que lhe custou a perda dos movimentos e a obrigou a usar uma cadeira de rodas (Foto: Edilson Omena)[/caption]

A alagoana Jackeline conta como foi sua experiência com a Covid e os efeitos da doença que a fez desenvolver no organismo uma outra comorbidade considerada também grave por especialistas: a síndrome de Guillain-Barré, doença rara e que requer muitos cuidados. Ela é causada pela inflamação dos nervos periféricos (os nervos que ficam fora do cérebro e da medula espinhal); cuja  inflamação leva à paralisia dos músculos.

Jackeline conta que seu drama teve início após uma queda acidental numa reunião amistosa entre comes e bebes com seus parentes.

“Não tenho ideia de como adquiri o vírus da Covid. Levei uma queda em casa e quando fui para o hospital constataram que eu estava com Covid. Fui para uma UPA [Unidade de Pronto Atendimento] e depois Hospital Geral, mas disseram que esses locais não tinham suporte para o problema que apresentei. Então fui transferida para a Santa Casa de Misericórdia de Maceió, onde fiquei internada por um mês. Lá, descobriram que, além da Covid, evoluiu também para a Síndrome de Guillain-Barré. Aí foi outro mês de luta, porque nem consegui mais andar, além das fortes dores que sentia”, relata.

Laudeci: sequelas já duram um ano

Fadiga, falta de ar, fortes dores de cabeça, coceira na cabeça e queda capilar. Tudo isso a bibliotecária e vendedora autônoma Laudeci Morais dos Santos, outra vítima do novo coronavírus, 36 anos, desenvolveu  ao contrair a doença há pouco mais de um ano, ou seja, logo no começo da pandemia. Mas até hoje persistem os sintomas de perda do olfato e paladar. Além disso, teve ainda arritmia, indisposição, dor no peito, tontura, ansiedade, esquecimento, confusão mental, dificuldades para raciocinar, baixa de vitamina D, potássio e aumento da glicose.

“Com tanta coisa assim, ainda estou em tratamento com medicação e treinamento olfativo em casa”, relata Laudeci.

Questionada se teve medo de em algum momento evoluir para algo pior, Laudeci responde: “sim. Morrer e deixar meu filho sozinho e também minha mãe”.

Laudeci tem apenas um filho de 16 anos e é casada.

[caption id="attachment_450043" align="aligncenter" width="750"] Laudeci Morais dos Santos, outra vítima do novo coronavírus (Foto: Arquivo pessoal)[/caption]

A bibliotecária desconfia que tenha contraído o vírus da Covid na feira livre perto de sua residência: “foi o lugar que mais frequentei antes de ter a doença”, admite.

Questionada também se algum profissional com quem se trata chegou a dizer se ficaria com alguma sequela para sempre, Laudeci disse que não recebeu esse diagnóstico. “Como é uma doença nova, nem me deram uma posição”, explica. Nesse quase um ano do drama pós-Covid, Laudeci já se tratou com profissionais como otorrinolaringologista e nutróloga.

Psicóloga precisou de 30 sessões de fisioterapia para melhorar quadro

Para tratar o drama da psicóloga, foram precisos pelo menos 30 sessões de fisioterapia. “Meus membros superiores ficaram como mãos de garra, sem poder fechar. Minhas pernas também não conseguiam movimentar, não conseguia ficar em pé. Juro que teve um momento que bateu desespero mesmo, achando que iria ficar paraplégica, sem poder me locomover para o resto da vida”, completa.

No decorrer do papo entre Jackeline e a Tribuna Independente, a mãe de Jackeline, dona Ana Maria, adentra a sala e também relata os momentos do drama da filha.

“Fiquei com muito medo de minha filha ter um problema maior. Ela ficou completamente dependente para fazer tudo, sem coordenação motora. Ela teve febre de 39 graus e ficou praticamente imóvel, parecia um boneco que a gente levava de um lado para o outro. As mãos não abriam e nem fechavam, as pernas não se moviam. E também era um sacrifício para levantá-la, principalmente para a tirar da cadeira de rodas. Pensei no pior, confesso!”, diz a mãe.

O fato é que, entre o internamento para tratar da Covid e a fisioterapia já com a Guillain-Barré, Jackeline teve de enfrentar pouco mais de dois meses de tratamento intensivo.

A Guillain-Barré pode ser causada por anticorpos que a pessoa desenvolve contra seu próprio organismo (autoimunidade). A substituição do plasma do sangue da pessoa por uma solução de albumina tem sido usada para tratar essa doença. “Foi o que aconteceu comigo, fiz aplicação de plasma para em seguida fazer a fisioterapia”, diz Jackeline.

Sobre a esperada saída da cadeira de rodas da sua vida após as 30 sessões de fisioterapia, Jackeline desabafa: “agora vou doar essa cadeira de rodas para alguém que precise, porque também as pessoas doaram para mim”, emociona-se, sem conseguir segurar as lágrimas. “Estou curada, graças a Deus. O pior passou!”

Profissionais falam em “experiência nova” ao tratar sequelados da Covid

“Para mim a pós-Covid foi uma experiência nova e incrível. Primeiro com minha própria mãe. Ela passou dois meses intubada ao apresentar um quadro de polioneuropatia, saiu sem andar e sem falar”.

A afirmação é da fisioterapeuta Jeany Moura, 10 anos de profissão e que se deparou com dois casos de sequelas pós-coronavírus, um deles da própria mãe.

A polioneuropatia é, por definição, uma condição na qual os neurônios estão difusamente danificados: a pessoa tem múltiplos nervos da mão ou do pé comprometidos.

[caption id="attachment_450040" align="aligncenter" width="700"] Fisioterapeutas Jeany e Luiz Gutemberg: exemplo na própria família (Foto: Edilson Omena)[/caption]

“Em alguns tratamentos com minha mãe, notei que em determinados momentos ela não conseguia se entregar totalmente ao tratamento. Mas aí meu esposo, que também é fisioterapeuta, entrou no processo e minha mãe melhorou bastante dentro de quinze dias”, conta Jeany.

O esposo e colega de profissão de Jeany, Luiz Gutemberg de França Moura, 40 anos de idade e 14 de profissão, conta como está sendo a experiência com pacientes pós-Covid, ao lidar com o problema da sogra, de 63 anos. “Minha sogra até hoje continua em tratamento, mas já está bem melhor”.

Gutemberg perdeu, recentemente, um primo de apenas 43 anos idade por conta da doença. O parente não teve a chance de fazer qualquer tratamento para evitar o óbito.

A outra paciente tratada por Jeany é justamente Jackeline, do início desta reportagem. Jeany tratou a paciente usando a fisioterapia neurofuncional, atuando na doença que afeta o sistema nervoso central ou periférico, causando distúrbios neurológicos, motores e cognitivos.

Com o tratamento, Jeany conseguiu diminuir as sequelas em Jackeline, que possuía alteração em seus movimentos com paralisia em membros do corpo.

“Ela estava bem debilitada quando iniciamos o processo, apesar de o prognóstico dela ser moderado. A Jackeline tinha alguns movimentos com grau de força dois, sem ser o estado mais grave, apesar de algum desespero da família e da própria paciente. Além da dificuldade motora, o fator emocional da Jackeline foi o que mais me chamou a atenção nesta minha experiência no pós-Covid”, diz a profissional.

“No caso da Jackeline, apesar de apresentar um fator emocional muito abalado, e numa situação de cadeirante por conta da Guillain-Barré, considero que o resultado foi muito bom”, afirma a fisioterapeuta.

[caption id="attachment_450045" align="aligncenter" width="750"] Paciente intubado: novo coronavírus, além de ser letal, tem deixado várias sequelas (Foto: Reprodução)[/caption]

Diferentemente do caso da alagoana Jackeline Aciole, pesquisadores do Estado de Sergipe publicaram, recentemente, de acordo com reportagem publicada no Portal UOL, um artigo científico no qual descreveram como “caso inédito no mundo”: uma adolescente de 17 anos com Covid que teve comprovada a associação entre a infecção pelo novo coronavírus e a Síndrome de Guillain-Barré, problema que causa fraqueza muscular e chega a paralisar o corpo.

A descoberta foi possível após ser colhido material do líquido cefalorraquidiano, o líquor, que apontou um “envolvimento” do SARS-Cov-2 na inflamação dos nervos periféricos da paciente.

Outro fato é que uma pesquisa publicada recentemente no periódico médico Jama Network mostrou que 30% dos participantes ainda relatavam sintomas nove meses após contrair o vírus. A maior parte dos indivíduos acompanhados pelo estudo tiveram casos leves da doença.

Fadiga e perda do olfato ou paladar foram os sintomas mais comuns, mas problemas para respirar e confusão mental também foram relatados por alguns.

Pós-Covid pode alterar também a voz

A Tribuna Independente ouviu também a fonoaudióloga Rayné Moreira Melo, 19 anos de profissão. Ela explica que, após ser acometido pela Covid-19, o paciente pode apresentar alguns sinais e sintomas, como a disfagia (alteração na deglutição) e a disfonia (alteração na voz).

De acordo com ela, o paciente pode desenvolver ainda um quadro de redução da mobilidade muscular, como em sua sensibilidade, podendo desencadear em engasgos e broncoaspirações (quando o alimento vai para os pulmões), principalmente após intubação prolongada.

[caption id="attachment_450044" align="aligncenter" width="500"] Rayné Moreira explica sintomas que podem acometer pacientes na região da fala no pós-Covid (Foto: Reprodução)[/caption]

“Após a intubação, devido aos medicamentos, pode existir uma hipotrofia e fraqueza muscular, ocasionando, assim, a dificuldade em engolir. A disfonia pode aparecer como consequência, também, devido a um quadro respiratório alterado, em que precisa de força para a emissão vocal, surgindo rouquidão e soprosidade”, afirma Rayne.

No entanto, acrescenta a fonoaudióloga, havendo lesões estruturais em pregas vocais, faz-se necessária uma avaliação com o otorrinolaringologista. Por isso, a prevenção é preponderante em todos os aspectos seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), dentre eles, o uso da máscara.

“Esta pode alterar a coordenação da fala e da respiração, assim é necessário falar bem articulado e forte, mas sem gritar; emitir frases curtas e usar a expressividade no olhar. É relevante a avaliação fonoaudiológica nos pacientes acometidos pela Covid-19, visando a análise de possíveis alterações nas funções comunicativas e da alimentação”, conclui a profissional.