Política

Governo brasileiro pode ser responsabilizado pelo Caso Braskem

Houve violações de direitos e atos de empresas que causaram tragédias, como afundamento do solo em Maceió

Por Tribuna Independente 14/08/2024 15h41
Governo brasileiro pode ser responsabilizado pelo Caso Braskem
Pinheiro foi o primeiro bairro a apresentar os efeitos de décadas de mineração predatória e hoje não há mais vida, nem moradores no local - Foto: Edilson Omena

O Estado brasileiro pode ser internacionalmente responsabilizado por atitudes ou omissões praticadas pela Braskem e demais empresas privadas que violem os direitos humanos no Brasil, por práticas danosas e irresponsáveis que resultem em grandes tragédias, a exemplo das tragédias de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais.

As denúncias de violações de tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, foram feitas há um mês, numa audiência pública realizada pela Organização dos Estados Americanos, na sede da OEA, em Washington, nos Estados Unidos da América (EUA).

No entanto, a decisão só foi confirmada na terça-feira (13), pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão auxiliar da OEA. Na decisão, a CIDH recomendou que, para evitar novas tragédias e consequentemente mortes, o Estado precisa fortalecer a regulamentação preventiva e melhorar a coordenação entre as diferentes autoridades federais e estaduais. O cumprimento das recomendações é obrigatório.

As considerações foram resultado de uma audiência pública realizada em julho, quando foram ouvidas vítimas dos desastres em Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais; dos incêndios na Boate Kiss, no Rio Grande do Sul, e no Ninho do Urubu, no Rio de Janeiro; e do afundamento do solo, provocado pela Braskem, em Maceió.

Segundo a CIDH, há também preocupação com a criminalização das famílias das vítimas que estão buscando justiça no Brasil. Durante a audiência, familiares denunciaram a morosidade das ações penais e a perseguição a quem se opõe aos processos de reparação ou mesmo reclama da Justiça comum.

Na audiência, o Caso Braskem foi denunciado à OEA, como uma tragédia socioambiental que afetou mais de 200 mil pessoas e praticamente acabou com cinco bairros da capital alagoana. Na ocasião, as vítimas pediram ajuda à CIDH para que fosse feita justiça e cobraram punição para os responsáveis pelos danos causados às famílias e ao meio ambiente.

Há absoluta inércia do estado brasileiro para defender o cidadão, diz pesquisadora

De acordo com Rikartiany Cardoso, pesquisadora e mestranda em direitos humanos, membro do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), durante a audiência realizada da sede da OEA, que ela participou por videoconferência, ficou evidenciado a impunidade dos responsáveis pelas tragédias.

Ela destacou a importância do evento, realizado há exato um mês, ao incluir na pauta o Caso Braskem e de outras tragédias que violam os direitos humanos. “Restou evidente a absoluta inércia do Estado brasileiro, tanto para defender o cidadão, como tentar reverter o quadro de injustiças”, comentou.

Rikartiany disse ainda que durante a audiência da OEA, que contou também com a participação de um morador da região dos Flexais, foi denunciada perseguições às vítimas e familiares dos moradores atingidos pela mineração da Braskem.

No Mutange, além da população ser retirada, a Lagoa Mundaú sofre as consequências das minas (Foto: Edilson Omena)


Por isso, a decisão da OEA de responsabilizar o Estado não poderia ser diferente, pois essa foi uma das reivindicações dos representantes das tragédias. “Na audiência foi solicitada a responsabilização do Estado brasileiro e demais agentes, com repercussão em medidas não só de reparação, mas também de prevenção”, destacou Rikartiany.

VIOLAÇÕES DE NORMAS VINCULANTES

Segundo a pesquisadora, o afundamento de solo e a forma como a tragédia é tratada pela Braskem violam tratados internacionais que tratam dos direitos humanos, em normativas vinculantes, dos quais o Brasil é signatário.

Para ela, isso é muito importante que se diga por que a empresa faz propaganda em suas mídias sociais dizendo que respeita os direitos humanos. Questionada sobre o que seriam essas normas vinculantes, ela explicou que são aquelas que vinculam o Estado brasileiro, seja qual for o governo, com obrigações acerca da preservação do meio ambiente e dos direitos humanos.

“Por ser signatário desses tratados, o Brasil é obrigado a seguir a as empresas que atuam em solo brasileiro também. Portanto, a Braskem estaria obrigada a cumprir esses tratados internacionais, mas não cumpre”, completou.

Indagada se a Braskem pode ser enquadrada por violação em algum tratado internacional, a pesquisadora afirmou que sim, por isso foi importante levar o caso à OEA, para que as providências nesse sentido sejam tomadas.

Entre os tratados internacionais violados pela Braskem, a pesquisadora Rikartiany, citou o Pacto São José da Costa Rica, que remete à 1° A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, celebrada, em 22 de novembro de 1969, tendo o Brasil como signatário, entre outros países latino-americanos.

Para a pesquisadora, a forma unilateral e prepotente, como a Braskem tratado as vítimas da mineração em Maceió, é extremamente desumana. Por isso, configura uma violação aos direitos humanos. “E que possibilita essa impunidade são escolhas políticas, protecionismo empresarial e estatal com a empresa”, concluiu.

“ONU errou ao incluir empresa no Pacto Global”

Antes do afundamento solo provocado pela mineração, a Braskem fazia questão de divulgar nas suas mídias sociais que a empresa havia recebido o reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU), ao ser incluída no Pacto Global, “por boas práticas em direitos humanos”.

No entanto, com o afundamento do solo, que retirou de suas casas mais de 60 mil pessoas, e desativou de cerca de 15 mil imóveis, o conceito da Braskem, do ponto de vista ambiental e de direitos humanos, foi abalado.

A Braskem, realmente, chegou a recebeu o reconhecimento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e do Pacto Global da ONU no âmbito do projeto CERALC - Conduta Empresarial Responsável na América Latina e no Caribe, pelas práticas ligadas à preservação dos Direitos Humanos dentro de sua atuação empresarial.

Junto com prédios, histórias de vida e afeto foram destruídas (Foto: Edilson Omena)


“Mas, isso foi em 2021”, observou a pesquisadora. Ainda assim, na opinião dela, a ONU errou, ao fazer esse “reconhecimento”. “Sem sombra de dúvidas errou. Porque desde 2019 que a ANM [Agência Nacional de Mineração] já estabeleceu o nexo causal entre o fato que deu causa e o desastre, provocado pela Braskem”, opinou Rikartiany. “Isso só denuncia as equivocadas práticas e princípios que a ONU considera para premiar organizações”, acrescentou.

De acordo com a pesquisadora, a imagem da empresa hoje, no âmbito internacional, é outra, depois da repercussão do afundamento do solo em Maceió, como a maior tragédia socioambiental urbana em curso no mundo.

De 2021 para cá, vários direitos das vítimas vêm sendo violados, no desastre em curso, afinal o drama das vítimas ainda está longe de terminar. “Além de normas nacionais e internacionais, que preconizam os direitos humanos”, acentuou Rikartiany. “Como o direito a cidade, equipamentos públicos, moradia digna, educação, saúde de qualidade e trabalho digno”.

OUTRO LADO

A reportagem da Tribuna Independente tentou ouvir a Braskem, sobre a decisão da OEA que pode responsabilizar o Brasil por atos de empresas que causaram tragédias como o afundamento do solo em Maceió, mas a mineradora não deu retorno. Pelo menos, até o fechamento da matéria, no início da noite de terça-feira (13), a resposta não tinha chagado. No entanto, o espaço continua facultado para defesa e explicações.