Política

Deputados quase anistiam partidos que descumprem cotas

Da bancada alagoana, Alfredo Gaspar foi o único a votar contra aprovação da PEC que versa sobre descumprimento da cota das mulheres

Por Emanuelle Vanderlei/Tribuna Independente 13/07/2024 08h04
Deputados quase anistiam partidos que descumprem cotas
Deputado federal Alfredo Gaspar diz que não houve um debate mais aprofundado sobre o tema - Foto: Sandro Lima / Arquivo

A Câmara dos Deputados aprovou, na última quinta-feira (11), a Proposta de Emenda à Constituição 9/23. A PEC, entre outras coisas, concede o que muitos estão entendendo como a anistia dos partidos políticos que não cumpriram a cota de gênero nas eleições. Entre os nove integrantes da bancada federal alagoana, o único que votou “não” foi o deputado Alfredo Gaspar (União Brasil). O texto segue para o Senado.

À Tribuna, o parlamentar explicou o motivo do voto. “A ausência de um debate mais aprofundado sobre as implicações da nova legislação foi o principal motivo para o voto contrário. A anistia irrestrita concedida a partidos políticos merecia uma discussão ampla e detalhada”.

No início deste mês, durante coletiva do P20 em Maceió, o deputado e presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP), chegou a ser questionado sobre o tema, negando qualquer possibilidade de anistia. “Não há anistia com relação a mulheres em matéria alguma tramitando na casa, o que há é um pedido dos presidentes dos partidos todos para que se resolva um problema com uma alteração constitucional de se colocar na constituição cotas para raça. Não há nenhuma matéria, nenhuma frase com relação a anistia com relação a cota de mulheres no texto que foi acordado, se for consensuado entre Câmara e Senado, será para que em vez de uma resolução extemporânea fora do prazo de um ano do TSE, tenhamos isso na constituição”, destacou o parlamentar.

Mas Lira admitiu que havia o debate. “Lógico, muitos partidos que não conseguiram porque já tinha suas nominatas na época da eleição passada, eles é quem estão clamando por uma saída. Em uma reunião que tive com a ministra Carmen Lúcia, ela propôs uma reunião com presidentes de partidos para solucionar”.

O advogado eleitoral Gustavo Ferreira entende que em 2020 a mudança foi aplicada por uma decisão monocrática do ministro Ricardo Lewandowski durante o processo eleitoral, mas que em 2022 e em 2024 isso já não se justifica. “Foi um inferno para a gente que estava atuando em 2020. Mas lógico que eu estou fazendo um corte de 2020, que foi decidido com a eleição em andamento. Nas outras eleições já teve tempo para se adaptar, já se sabia”.

O termo anistia tem sido alvo de discordâncias em relação a essa PEC. De forma mais exata, ela propõe a criação de uma espécie de Refis (refinanciamento de dívidas) para partidos políticos, seus institutos ou fundações a fim de regularizarem seus débitos com isenção dos juros e multas acumulados, aplicando-se apenas a correção monetária sobre os montantes originais.

De acordo com o advogado, essa PEC aprovada na última semana não pode ser tecnicamente chamada de anistia, mas tem o mesmo efeito. “Não é anistia, mas é quase isso. A gente não pode chamar de anistia na sua avaliação técnica. Anistia, não seria no sentido clássico, mas é quase desse jeito. Ele não está perdoando todos os débitos, ele está postergando o cumprimento e fazendo meios alternativos desse cumprimento”.

Com vasta experiência atuando como advogado em grandes campanhas eleitorais, Gustavo Ferreira acredita que esse tema acaba enfraquecendo a aplicabilidade da lei. “O problema é que, de fato, você está mandando sinal que não é um sinal bom. Qual é o sinal? Olha não se preocupe se você não fez, lá para tantas vai vir um perdão. E isso não é o sinal para aplicação da legislação, principalmente na questão da participação feminina. Nós já tivemos uma regra de anistia em 2019. Ou seja, não é a primeira vez. Isso para mim manda um sinal ruim, principalmente para quem cumpriu, porque quem descumpriu ficou feliz, mas quem cumpriu, desculpa o termo, fez papel de besta. Quando foi aprovado na primeira vez, eu tive uma esperança de que fosse a última. Que dali para frente fosse cumprido”.

Na prática, a política pública para ampliar a representatividade feminina não estaria sendo levada a sério na prática pelos legisladores. “O discurso de permitir a participação feminina com a inclusão de recursos não é efetivado de verdade. Porque a cada dois anos surge uma regrinha dizendo ‘olha, lembra que você era obrigado a cumprir? Está perdoado aqui’”.

Atualmente, o Brasil é o país com a segunda pior representatividade de mulheres atuando como deputadas federais entre os membros do G20. São apenas 14,8% no total. No Senado é ainda pior, são só 12%. Vale lembrar que Alagoas não tem nenhuma mulher em ambas as casas, nossos parlamentares são todos homens.

Além da cota mínima de recursos aplicados a candidaturas de mulheres, que está em discussão nesta PEC, outra medida que visa ampliar a representatividade feminina é a de cotas para candidatas mulheres. Nesse caso, já há situações de eleitos que perderam os seus mandatos porque a Justiça Eleitoral julgou que havia fraude (com a utilização de candidaturas laranjas).